Psicólogos nos centros de saúde: uma prioridade

Em Portugal, temos de saudar a preocupação recente do governo com a integração dos psicólogos no SNS. A Saúde moderna sabe como esses profissionais são essenciais para o SNS.

Sabe-se que 1 em cada 5 portugueses terá uma perturbação mental ao longo da sua vida e não podemos ignorar como as doenças mentais contribuem para marcada incapacidade e absentismo, sendo também responsáveis por graves conflitos na esfera familiar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Sabe-se que 1 em cada 5 portugueses terá uma perturbação mental ao longo da sua vida e não podemos ignorar como as doenças mentais contribuem para marcada incapacidade e absentismo, sendo também responsáveis por graves conflitos na esfera familiar.

No entanto, os cuidados de saúde na área da Psiquiatria e Saúde Mental não constituem prioridade para os governos, talvez porque os doentes mentais têm, infelizmente, pouca capacidade de intervir nas decisões políticas.

O panorama das respostas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos problemas da Saúde Mental não entusiasma: o acesso aos cuidados especializados é muito difícil e deixa muitos doentes sem tratamento adequado; os cuidados continuados não estão disponíveis para a grande maioria das situações de patologia grave; não existe um apoio mantido às famílias em que um doente sofre de uma doença mental crónica; muitos serviços têm instalações degradadas e que há muito reclamam obras, sem que as administrações cumpram o que prometem ano após ano; sobretudo no caso da infância e adolescência, a falta de profissionais qualificados em vários distritos deveria provocar um sobressalto cívico das populações em causa.

A Psiquiatria teve um grande avanço nos últimos 30 anos. Os conhecimentos neurobiológicos trouxeram maior compreensão para várias doenças mentais graves, como a esquizofrenia e a perturbação bipolar. Novos medicamentos permitiram tratamentos com menos efeitos secundários, permitindo que haja um menor número de doentes a abandonar os tratamentos. No entanto, as respostas terapêuticas para a psicose permanecem pobres e não evitam a cronicidade do processo na maioria dos casos. Por outro lado, aumentam as perturbações graves da personalidade, sobretudo se associadas ao abuso de álcool e outras drogas.

Em Portugal, temos de saudar a preocupação recente do governo com a integração dos psicólogos no SNS. A Saúde moderna sabe como esses profissionais são essenciais para o SNS. Podem ter atividades de promoção da saúde, intervenções programadas nas vicissitudes do ciclo vital da família e apoio nas situações de doença crónica, para além do seu fundamental trabalho nas equipas multidisciplinares da Psiquiatria.

Justificou-se assim a criação de um grupo de trabalho que tive a honra de coordenar e que propôs uma série de medidas, resumidas no Despacho 11 347/2017, do Sec. Estado Adjunto e da Saúde. Destaco a criação de serviços de Psicologia nos hospitais, estágios profissionais no SNS, melhoria do acesso aos registos clínicos e, no que diz respeito à Saúde Mental, a possibilidade dos psicólogos integrarem equipas multidisciplinares (médico, psicólogo, enfermeiro, assistente social) nos centros de saúde, destinadas ao tratamento integrado das situações de ansiedade e depressão, as mais frequentes. Estas medidas permitiriam um acesso mais fácil aos cuidados de saúde destas situações menos graves, ficando a patologia major a ser tratada nos serviços de Psiquiatria.

Nos últimos dias foi tornada pública a possibilidade de contratação, mediante concurso, de 40 psicólogos para o SNS. É um número muito abaixo das necessidades, é verdade, mas pode ser o começo de uma grande mudança: junto do médico de família e pelo menos nalguns locais, os novos psicólogos poderão contribuir para organizar um modelo de diagnóstico e de intervenção terapêutica em situações de ansiedade e depressão, possibilitando maior capacidade de resposta dos serviços de Psiquiatria nos casos mais graves.

Espero que esta importante medida, que se saúda, seja o primeiro passo para novas respostas urgentes no campo da Psiquiatria e da Saúde Mental, que os portugueses tanto necessitam.

Professor catedrático jubilado de Psiquiatria (Universidade de Lisboa)