Como é que a nova lei vai afectar a Uber, os motoristas e os passageiros

Diploma que regula a actividade de TVDE entra em vigor no início de Novembro, mas dá 120 dias para motoristas e operadores cumprirem regras. Plataformas têm 60 dias.

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Falta ainda a portaria que estabelece as acções de formação para os motoristas de TVDE Bruno Lisita

A lei que legaliza a actividade de empresas como a Uber e dos operadores de transporte e respectivos motoristas foi publicada esta sexta-feira em Diário da República e entra em vigor a 1 de Novembro. No entanto, por ser um processo inteiramente novo e até porque faltam ainda algumas peças do puzzle, como a questão da formação dos motoristas, ficou estipulado que haverá um período transitório.

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A lei que legaliza a actividade de empresas como a Uber e dos operadores de transporte e respectivos motoristas foi publicada esta sexta-feira em Diário da República e entra em vigor a 1 de Novembro. No entanto, por ser um processo inteiramente novo e até porque faltam ainda algumas peças do puzzle, como a questão da formação dos motoristas, ficou estipulado que haverá um período transitório.

No caso dos operadores de plataformas electrónicas (Uber, Cabify e Taxify), estes têm 60 dias, após a entrada em vigor da lei, para se adaptarem aos requisitos do diploma (como o pagamento de uma contribuição de 5% do valor cobrado aos operadores de transporte). Já os operadores de transporte e os motoristas têm 120 dias, ou seja, até Março. Neste último caso, falta ainda que o Governo clarifique qual vai ser a duração (e respectivo conteúdo) das acções de formação para se poder ser motorista certificado. Se for necessário, a lei prevê que possa haver ainda um período adicional de até 180 dias, seja para as plataformas ou para operadores e motoristas.

Num processo legislativo que foi longo e algo complexo, com contestações dos táxis (há uma manifestação agendada para 19 de Setembro em Lisboa) e um veto presidencial pelo meio (Marcelo Rebelo de Sousa chumbou o diploma em Abril, que sofreu depois alterações, destacando-se a subida da taxa a pagar pelas plataformas ao Estado), a lei que estabelece o regime jurídico do transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma electrónica (TVDE) acabou por ver a luz do dia, com impacto ao nível dos passageiros, motoristas e empresas do sector. A recta final não foi isenta de incidentes já que, como noticiou o Jornal de Negócios, a versão publicada esta sexta-feira em Diário da República era a que contemplava o pagamento de uma contribuição ao Estado de 0,1% a 2% por parte das plataformas, ou seja, a que foi chumbada pelo Presidente da República (por achar que o valor era baixo). Mesmo sem afectar a entrada em vigor do diploma, a falha, caricata, obriga a nova publicação em Diário da República, desta feita do diploma certo.

Passageiros

Preços – Embora haja vários procedimentos que não mudam com a regulamentação da actividade de TVDE para quem já usa hoje as aplicações para chamar um veículo, a lei vem clarificar e estabelecer várias regras que afectam directamente os passageiros. Uma das mudanças ocorre com a tarifa dinâmica, utilizada pela Uber e que faz subir o valor a pagar em períodos de elevada procura, como a passagem de ano ou as festas dos santos populares.

A partir de agora fica estipulado que a tarifa dinâmica “não pode ser superior ao valor decorrente da aplicação de um factor de majoração de 100% ao valor médio do preço cobrado pelos serviços prestados nas 72 horas imediatamente anteriores por esse operador”. Assim, o valor habitual só poderá, no máximo, ser multiplicado por dois, um tecto inferior ao que já foi diversas vezes praticado.

Ainda na questão dos preços, além da estimativa do valor a pagar, definido no final de acordo com a distância e tempo, a plataforma electrónica “deve também disponibilizar para qualquer itinerário, em alternativa, uma proposta de preço fixo pré-determinado”. Se o cliente aceitar esta modalidade, esse será o valor a pagar, “independentemente da distância percorrida ou do tempo despendido”. Fica clarificado que só se permite o pagamento através de meios electrónicos, e o passageiro recebe depois a factura, a qual tem de incluir detalhes como o percurso (com respectivo tempo e distância) e a demonstração do cálculo do preço, incluindo aqui a taxa de intermediação cobrada pelo operador de plataforma electrónica, como a Uber, Cabify e Taxify.

Mobilidade reduzida e animais domésticos - O diploma veio também estipular que as plataformas electrónicas têm de fornecer a possibilidade de se poder chamar um veículo “capaz de transportar passageiros com mobilidade reduzida, bem como os seus meios de locomoção”. O tempo de espera tem de ser inferior a 15 minutos, embora se possa admitir casos de excepção (que, mesmo assim, não podem ir além dos 30 minutos), e não há lugar a pagamento adicional.

A lei diz ainda que é obrigatório “o transporte de cães guia de passageiros invisuais e de cadeiras de rodas ou outros meios de marcha de pessoas com mobilidade reduzida” e de carrinhos e acessórios para o transporte de crianças. No caso de a plataforma não conseguir prestar o serviço em causa tem de “informar automaticamente o utilizador de outros prestadores de serviço com essa capacidade que estejam disponíveis”. Em relação ao transporte de animais de companhia, este “não pode ser recusado”, desde que estejam “devidamente acompanhados e acondicionados”, mas há excepções, ligadas à “perigosidade” do animal e “ao estado de saúde ou de higiene. O transporte de bagagem só pode ser recusado se prejudicar “a conservação do veículo”.

Reclamações e avaliações - Em caso de mau serviço, o passageiro pode usar o botão que a plataforma é obrigada a apresentar na sua página principal, e que remete para o livro de reclamações electrónico. Fica também claro que, apesar de os passageiros poderem avaliar o motorista, o inverso já não acontece. De acordo com a lei, “é proibida a criação e a utilização de mecanismos de avaliação de utilizadores por parte dos motoristas de TVDE ou dos operadores de plataformas electrónicas”.

Motoristas e operadores de transporte

Acesso à profissão – Para se ser motorista de TVDE é necessário ter carta de condução de categoria B há mais de três anos, mas com averbamento no grupo 2. Além disso, tem ainda de frequentar um curso de formação rodoviária, o qual dá depois direito a um certificado de motorista emitido pelo Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT). Aqui, no entanto, há ainda uma incógnita, já que cabe agora ao Governo (via Ministério do Ambiente) definir por portaria qual será a carga horária. A isto está ligada a clarificação dos conteúdos da formação, sabendo-se que têm de incluir módulos como relações interpessoais, normas e técnicas de condução, regulamentação da actividade de TVDE e “situações de emergência a primeiros socorros”.

O curso de formação fica a cargo das escolas de condução ou das entidades formadoras legalmente habilitadas, responsáveis pela emissão do comprovativo que dá depois direito ao certificado do IMT. Este último atribui ao motorista um número único de motorista de TVDE, “com o qual é identificado em todas as plataformas electrónicas”, e válido por cinco anos (renováveis). Quem já tiver certificado de motorista de táxi fica automaticamente habilitado a conduzir um TVDE.

A lei vinca que tem de haver um controlo escrito “que titule a relação [laboral] entre as partes”, ou seja, entre o motorista e o operador de TVDE, e que quem conduz não pode trabalhar mais de dez horas num período de 24 horas. Uma vez que um motorista pode trabalhar com mais do que uma plataforma (como a Uber e a Taxify, por exemplo), ficou clarificado que a regra das dez horas aplica-se “independentemente do número de plataformas nas quais o motorista preste serviços”.

Acesso ao negócio e veículos – Para se lançar no negócio dos TVDE como operador é preciso montar uma empresa e obter o respectivo licenciamento por parte do IMT. Os veículos usados para esta actividade têm de estar inscritos pelos operadores junto da plataforma electrónica à qual estão ligados, e não podem ter mais de sete anos. A lotação não pode ser superior a nove lugares (oito passageiros), e os veículos não podem, ao contrário dos táxis, usar as faixas BUS ou apanhar passageiros que os chamem de forma directa em plena rua.

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Táxis têm-se manifestado contra o negócio de TVDE

Na sequência do veto do Presidente da República, e que acabou por aumentar o valor a pagar ao Estado pelas plataformas electrónicas, houve outras pequenas mudanças ao diploma inicial, como a que clarifica o acesso à actividade. Assim, a lei diz agora que as empresas que operam táxis podem também ser operadores de TVDE, mas sem que usem veículos licenciados como táxis nem beneficiando “das isenções e benefícios para os mesmos”.

Como identificação, os veículos terão apenas um dístico, cujos pormenores o IMT irá ainda definir, e está proibida a “colocação ou exibição” de publicidade no automóvel. Além do que já é exigido por lei, o diploma diz que os veículos “devem possuir seguro de responsabilidade civil e acidentes pessoais, que inclua os passageiros transportados e respectivos prejuízos, em valor não inferior ao mínimo legalmente exigido para a actividade de transporte de aluguer”. A supervisão e fiscalização estão a cargo da IMT e da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT).

Plataformas electrónicas

Responsabilidades - As plataformas electrónicas, como é o caso da Uber, Cabify e Taxify, também têm estar registadas no IMT, e é a este tipo de operadores que cabe a responsabilidade de, enquanto intermediários, prestar a informação relativa ao serviço, como o preço, identificação do motorista, mapa digital que permite acompanhamento em tempo real do veículo, factura detalhada, etc.

O operador de plataforma electrónica, diz a lei, “é solidariamente responsável perante os utilizadores pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes do contrato”. Quanto às reclamações, após a sua recepção a empresa tem de “realizar as diligências necessárias a apurar e, quando necessário, corrigir o motivo que lhes deu origem, devendo manter um registo das mesmas e de todo o procedimento, por um período não inferior a dois anos”. 

Entre outros deveres, as plataformas têm de garantir “uma política de preços compatível com a legislação em matéria de concorrência”, ficando claro que os preços finais das tarifas têm “de cobrir todos os custos associados ao serviço, em harmonia com as melhores práticas do sector”. Certo é que as plataformas não podem cobrar uma taxa de intermediação superior a 25% do valor da viagem. E foi nesta área que as plataformas assistiram a um agravamento após o veto presidencial.

Pagar a taxa - Na primeira versão enviada para Belém definia-se que o valor da contribuição ficava entre 0,1% a 2%, cabendo a palavra final ao Governo. No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa acabou por vetar a lei, afirmando que “a grande compensação da inexistência de contingentes [como existem nos táxis] e de um regime favorecido de tarifas para os TVDE” podia “acabar por ser insignificante”. Na nova versão, fixou-se nos 5%, que têm de ser pagos mensalmente, em articulação com a AMT. Falta é perceber se isso terá algum impacto ao nível dos preços finais cobrados aos passageiros.

Para já, o que se sabe é que os valores cobrados através da “contribuição de regulação e supervisão” são distribuídos por três entidades: AMT, que fica com 30%, IMT, que fica com outros 30% e Fundo para o Serviço Público de Transportes. Para este último, ligado ao novo apoio financeiro para a aquisição de táxis eléctricos, vão 40% das verbas.

Quando o diploma foi aprovado no Parlamento, com o agravamento da taxa, a Uber veio dizer que a nova versão tinha “alterações significativas” face à primeira versão, e que teria de “avaliar em detalhe as suas potenciais implicações na operação” em Portugal. Já quando o diploma foi promulgado, dias depois, nada disse sobre esta questão, afirmando apenas que tinha sido dado “um passo decisivo”, e que estava disponível para “dialogar e contribuir para que Portugal seja referência na mobilidade europeia”.