Aluguer de carros online provoca onda de queixas

No primeiro semestre, o regulador dos transportes recebeu quase um milhar de queixas a propósito do aluguer de carros em plataformas online. E a empresa Rentalcars é uma das mais visadas. Consumidores estão desprotegidos.

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PAULO PIMENTA

Alugar um carro através de uma plataforma online é mais rápido e conveniente, em alguns casos até pode ser mais barato, mas o risco de não ficar totalmente satisfeito também é elevado. As 815 queixas apresentadas na Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), só nos primeiros seis meses de 2018, e a meia centena registadas no Portal da Queixa, comprovam isso mesmo.

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Alugar um carro através de uma plataforma online é mais rápido e conveniente, em alguns casos até pode ser mais barato, mas o risco de não ficar totalmente satisfeito também é elevado. As 815 queixas apresentadas na Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), só nos primeiros seis meses de 2018, e a meia centena registadas no Portal da Queixa, comprovam isso mesmo.

No caso específico da reserva de automóveis através de empresas que prestam serviços apenas via Internet, que nalguns casos são meros intermediários (trabalham com várias empresas de aluguer de carros), como a Rentalcars deixa os consumidores desprotegidos: não há legislação específica que os proteja nesta matéria, são vítimas de um verdadeiro ping-pong de responsabilidades entre as empresas de rent-a-car e as plataformas online, que no caso de serem estrangeiras, estão sujeitas aos reguladores dos respectivos países. Esta circunstância torna muito difícil, ou mesmo impossível, a recuperação de valores cobrados indevidamente ou a eficácia de pedidos de indemnização. E para além de viagens ou férias estragadas, há casos em que os clientes podem perder centenas de euros.

Para além das 815 queixas sobre aluguer de carros através de plataformas online, um número que deverá subir nesta época de férias de Verão, a AMT adianta ao PÚBLICO que as principais causas reclamadas estão relacionadas com “a alegada inclusão de cláusulas abusivas, designadamente obrigatoriedade de contratação de serviços não pretendidos (como seguros e via verde), o pagamento de indemnizações por dados não reconhecidos pelos utentes como sendo sua responsabilidade”. No topo das queixas estão ainda, “pagamentos superiores aos contratados e débitos indevidos no cartão de crédito”, refere o regulador.

Questionado sobre a existência de queixas relativas a reservas de carros feitas através de intermediários, que depois não estão disponíveis, ou seguros que a empresa proprietária dos veículos não reconhece como válidos, o regulador confirmou a existência de ambas as situações, referindo que a AMT se encontra “a analisar e a promover o seu tratamento no âmbito do Decreto-lei n.º 47/2018, de 20 de Junho, que altera o regime do rent-a-car e consagra o regime da actividade de sharing”. 

De acordo com a informação disponibilizada pelo regulador dos transportes, as empresas de rent-a-car mais visadas nas principais reclamações (cláusulas abusivas, pagamentos alegadamente indevidos e pedidos de reembolso), num total de 319, são a Europcar Internacional (163), a Sixt  (45), a Guérin (43) a Centauro (39) e a Hertz (29).

Sobre a Rentalcars, que no seu site se apresenta como “o maior serviço de aluguer de carros online do mundo”, a AMT confirma a existência de queixas, mas que não quantifica, adiantando que “há outras plataformas online reclamadas”.

O Portal da Queixa tem 50 registos nos últimos 12 meses, 20 deles visam directamente a Rentalcars e muitas outras são apresentadas contra as empresas de rent-a-car, mas a origem das situações reportadas são da responsabilidade da plataforma intermediária. Esta informação foi dada ao PÚBLICO por Pedro Lourenço, fundador do Portal da Queixa, que adianta que “os consumidores estão muito desprotegidos na compra deste tipo de serviços através de plataformas online, uma vez que não é dada uma garantia da prestação do serviço contratado”.

O PÚBLICO sabe que ao Centro Europeu do Consumidor têm chegado queixas semelhantes, mas também a este nível não têm sido dadas respostas satisfatórias aos consumidores, dada a falta de regulação do sector, tendo em conta o envolvimento de diversos reguladores, de diferentes países.

Rent-a-car coniventes?

Habitualmente, o aluguer de viaturas sem condutor envolve dois momentos distintos, na medida em que a solução é primeiro contratada com o cliente (supostamente depois de procurada a melhor oferta do mercado) e só depois vai dar origem a uma reserva efectiva no fornecedor de veículos sem condutor, que pode já não ter essa solução disponível. Em resultado, há pedidos de valores suplementares pela disponibilização de viaturas alternativas. A contratação de seguros também é um foco de conflito, uma vez que as plataformas disponibilizam valores alegadamente concorrenciais, mas que depois as empresas que estão no fim da linha não aceitam, obrigando à contratualização de outros.

Entre o intermediário e o rent-a-car tem de existir um acordo comercial, mas os seus termos são desconhecidos, apesar de já terem sido solicitados por alguns reguladores, uma situação que mostra o regime de uma certa auto-regulação em que a actividade assenta. 

O PÚBLICO contactou a Avis Budget Group, uma das empresas visadas no Portal da Queixa, pedindo esclarecimentos sobre o tipo de contrato que tinha com a inglesa Rentalcars, registada na Ilha de Man, mas a multinacional alegou que “não foi possível em tempo útil responder às questões”. “O atendimento ao cliente é de extrema importância para nós. Estamos analisar o assunto levantado pelo Portal das Queixas”, limitou-se a referir fonte oficial da Avis Budget Group.

Contactada, a Rentalcars não respondeu às questões colocadas pelo PÚBLICO. Já a ARAC-Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, esclareceu, através do secretário-geral, Joaquim Robalo de Almeida, que "quando os veículos são reservados através de plataformas online, as empresas de aluguer não têm intervenção em alguns aspectos essenciais da reserva, definidos directamente pelo intermediário". Por outro lado, esclareceu que "tem conhecimento de empresas que assinam verdadeiros contratos de adesão com as operadoras das plataformas, sem qualquer margem para negociação dos seus termos e condições". Neste contexto, adiantou que "a ARAC encontra-se acompanhar o processo legislativo europeu e apresentará os seus contributos para uma maior transparência nas relações contratuais entre plataformas e empresas".

O que fazer?

Os consumidores lesados podem enviar questões para várias entidades, mas o PÚBLICO sabe que é difícil obter respostas satisfatórias. “Os consumidores podem, nos termos da lei, promover a reclamação junto da AMT, do IMT (Instituto da Mobilidade e dos transportes), da Direcção-Geral do Consumidor e outras associações de defesa do consumidor”, respondeu a autoridade presidida por João Carvalho. Que acrescenta que “a AMT pode analisar a execução dos contratos a fim de detectar as cláusulas não contratadas e abusivas, que afectem os direitos dos consumidores”.

O recente Decreto-lei n.º 47/2018, de 20 de Junho, que altera o regime do rent-a-car e consagra o regime da actividade de sharing, define como “actividades de sharing, modelos de negócio que colocam à disposição de um utilizador veículos de passageiros (…) durante períodos de curta duração". A iniciativa legislativa está “inserida no Simplex+, que visa desmaterializar, desburocratizar e simplificar os contratos de aluguer de veículos de passageiros sem condutor, consagrando a possibilidade de desmaterialização do contrato, que passa a ser emitido em suporte electrónico”, lê-se no preâmbulo.