À beira da gare, a pensar em férias

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Nuno Ferreira Santos

Fim de tarde e o sol queima. O regional que há-de partir rumo a Tomar, às 17h45, entra vagarosamente na gare, apita sem convicção e um trabalhador da via férrea afasta-se expedito do colosso metalizado. Pouco depois é o Alfa que vem, esbaforido, numa chiadeira contínua enquanto muda de linhas. Adivinham-se lá dentro os passageiros já de pé, Santa Apolónia está mesmo muito perto.

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Fim de tarde e o sol queima. O regional que há-de partir rumo a Tomar, às 17h45, entra vagarosamente na gare, apita sem convicção e um trabalhador da via férrea afasta-se expedito do colosso metalizado. Pouco depois é o Alfa que vem, esbaforido, numa chiadeira contínua enquanto muda de linhas. Adivinham-se lá dentro os passageiros já de pé, Santa Apolónia está mesmo muito perto.

O pensamento deambula por estas fantasias ferroviárias, podia ainda passear por navios e contentores, mas a grua Vigorosa está quieta e silenciosa e a Poderosa não se encontra em lado nenhum – onde andará? Detenhamo-nos, por ora, no local de onde estas fantasias são possíveis: o terraço do Clube Ferroviário de Portugal. Aqui funciona, há um par de semanas, o Ferroviário, um bar que quer ser espaço cultural de referência num território de charneira, o que separa a Lisboa antiga da cidade ainda adormecida onde vão despontando projectos mais ou menos alternativos.

Verdade seja dita que o Ferroviário não é só o terraço, pois no piso de baixo também há vida, mas não se negue que ele é a coqueluche. Na segunda encarnação, depois de algum tempo fechado, este espaço surge com decoração tropicalista, em que palmeiras, sofás brancos e cadeiras de verga estão dispostos por cima de grossas traves de madeira, em tudo semelhantes às que se encontram nos caminhos-de-ferro. Essa é, até ver, a única evocação verdadeiramente ferroviária do novo Ferroviário, agora explorado pelos empresários que também têm as Espumantarias e o restaurante Peixola.

“Queríamos marcar que esta é uma fase diferente”, explica Nuno Correia Pereira, um dos sócios. Ainda assim, o passado não se apaga. “Não é um espaço a cheirar a novo, já existia. Não estamos a começar a história do zero, estamos a apanhar o comboio a meio.” Nesta composição cabem os passageiros que se lembram “das coisas boas” do antigo Ferroviário, mas a lotação ainda não está esgotada. “Este é o melhor espaço de Lisboa actualmente. Não faz sentido ter um projecto destes sem uma programação forte”, continua o empresário, elencando: concertos, dança, cinema, artes plásticas – há espaço para tudo.

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Nuno Ferreira Santos

No terraço, para lá da primeira zona exótica (pensada para que os clientes “se sintam de férias”, explica Nuno), há depois uma em que o chão de cimento pintado se revela, em frente a um palco rodeado de verde. Aqui, mesas e cadeiras facilmente se retiram para não atrapalhar quando for caso para dançar ou para ver um concerto. O ar vagamente tosco, inacabado, é de propósito. “Eu gosto particularmente da parte industrial deste sítio. As gruas, os comboios, aquele respiradouro. Gosto deste barulho”, diz Nuno Correia Pereira enquanto mais uma locomotiva manobra nos carris.

A versatilidade quer ser marca da casa. Quem está na zona exótica não tem vista directa para o palco, quem está no foyer não precisa de ver o que acontece na sala polivalente do andar de baixo. “O espaço é grande mas não é amplo, o que é uma vantagem. Não é um armazém, posso trabalhar para cem ou 500 pessoas”, comenta Nuno.

A programação atrai o público, mas a carta terá de o conquistar. Na das bebidas destacam-se os 12 cocktails, como o Santa Apolónia (vodka, sumo de ananás, sumo de gengibre, puré de framboesa e alecrim e cardamomo, por 9,5 euros) ou o Miss Xabregas (gin, vermute, sumo de limão, água de rosas, por 9 euros). Mas a oferta é vasta: além de 11 variedades de gin (7 a 14,50 euros), o menu compõe-se com aguardentes, cachaças, rum, mezcal, tequila, vodka, whiskies, cervejas, sumos, sangrias, etc.

A carta de comes está a cargo do chef colombiano Nicolás Martínez-Villalba, que trouxe para Lisboa o Creatio, “um projecto de cozinha nómada” com o qual quer “viajar e encontrar criativos da cozinha, para criar coisas novas e haver intercâmbio de culturas”. Para já, uma das missões que assumiu foi “trazer a cultura latino-americana para Lisboa, misturando-a com a local”. E daí nasceram coisas como os croquetes de arroz com coco, hummus de feijão branco e coentros (9,50 euros) ou a sanduíche de barriga de porco cozinhada a baixa temperatura, ananás fresco, picles de cebola e salsa verde (11 euros). Os doze pratos da carta estão no Ferroviário até ao fim do Verão. Depois, sabe-se lá que comboio o chef Nicolás vai tomar. Santa Apolónia estará cá sempre.

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