Proprietários de O Almoço do Trolha impedem classificação da obra de Pomar

Direcção-Geral do Património Cultural não descarta eventual “impugnação contenciosa” deste arquivamento imposto pelos actuais detentores da pintura de Pomar, considerada uma obra seminal do neo-realismo português.

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Foi arquivado o processo de classificação da pintura O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar (1926-2018), como "bem móvel de interesse público". A decisão foi anunciada esta segunda-feira no Diário da República pela directora-geral do Património Cultural, Paula Silva, que esclarece que o arquivamento se ficou a dever à “falta de consentimento do proprietário da obra”, actualmente detida por Maria Arlete Alves da Silva, responsável da Galeria 111 e viúva do seu fundador, e grande coleccionador de arte, Manuel de Brito.

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Foi arquivado o processo de classificação da pintura O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar (1926-2018), como "bem móvel de interesse público". A decisão foi anunciada esta segunda-feira no Diário da República pela directora-geral do Património Cultural, Paula Silva, que esclarece que o arquivamento se ficou a dever à “falta de consentimento do proprietário da obra”, actualmente detida por Maria Arlete Alves da Silva, responsável da Galeria 111 e viúva do seu fundador, e grande coleccionador de arte, Manuel de Brito.

O processo de classificação fora aberto em Maio de 2015 pelo então director-geral do Património Cultural, Nuno Vassallo e Silva, poucos dias antes de a pintura de Júlio Pomar ir à praça num leilão do Palácio do Correio Velho, no qual acabaria por ser arrematada por 350 mil euros sem que o Estado, presente na sessão, tenha exercido direito de preferência.

A iniciativa de proteger legalmente esta pintura partiu do historiador David Santos, actual subdirector-geral do Património Cultural, mas que era na altura director do Museu do Chiado, onde já está outra obra de Pomar de particular relevância para a história do neo-realismo, Gadanheiro, de 1945, adquirida em 1995 ao coleccionador e galerista Manuel de Brito (1928-2005).  

Tendo sabido da iminente venda de O Almoço do Trolha, David Santos recomendou à DGPC a sua aquisição e a abertura de um processo de classificação, argumentando tratar-se de uma obra “assumida pela história da arte como ‘quadro-manifesto’ do movimento neo-realista”, e um “exemplo maior” das capacidades artísticas de Júlio Pomar. A pintura, que mostra também influências do expressionismo e do cubismo, foi realizada em dois momentos: começada em 1947, quando o pintor, então com 21 anos, se encontrava preso no Forte de Caxias pela sua actividade de oposição à ditadura, seria depois concluída em 1950.

Após a morte daquele que foi durante décadas o proprietário de O Almoço do Trolha, o coleccionador Manuel Torres, a pintura foi leiloada a 27 de Maio de 2015, juntamente com várias outras obras de Pomar igualmente provenientes da sua colecção.

Na sequência da abertura do processo de classificação, de que a leiloeira Palácio do Correio Velho foi notificada alguns dias antes do leilão, a DGPC obteve a anuência de Júlio Pomar e notificou também a actual proprietária da pintura, Maria Arlete Alves da Silva, tendo realizado em Setembro de 2015 uma visita técnica para observar a obra e as condições em que está conservada.

Quando o processo foi desencadeado, três anos antes da morte de Júlio Pomar, no passado dia 22 de Maio, a expectativa era a de que O Almoço do Trolha pudesse vir a tornar-se a primeira obra de um autor vivo a ser classificada em Portugal.

E o facto de o processo se ter iniciado em vida do artista foi justamente o que deu aos proprietários da obra fundamentos legais para forçar o arquivamento. Confirmando e detalhando um princípio já estabelecido em 2001 na Lei de Bases do Património Cultural, o decreto-lei 148/2015 estabelece que “a classificação de bens culturais de autor vivo depende do consentimento do respectivo proprietário”, salvo em algumas raras situações excepcionais que o diploma inventaria, ou noutras devidamente justificadas por despacho do governante que tenha a tutela da Cultura.

O PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso, Arlete Alves da Silva e o seu filho, Rui Brito, e procurou também obter uma reacção da DGPC, mas até ao momento o pouco que se sabe é o que Paula Silva deixou escrito no anúncio que publicou no Diário da República: “Sem prejuízo da possibilidade de impugnação contenciosa, o interessado poderá reclamar ou interpor recurso hierárquico ou tutelar, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, do acto que decide o arquivamento do procedimento de classificação”.

Não fica claro, por exemplo, se a DGPC admite abrir um novo processo de classificação (ou se pode fazê-lo), que já não estaria abrangido pelas disposições relativas a bens imóveis de autores vivos.