Será insolúvel o problema do vinho Porto em Portugal? Será este Verão mais um ano de oportunidades perdidas? Cheira-me que sim
A tragédia portuguesa com os nossos vinhos generosos é que os portugueses que pensam que não gostam de vinho do Porto ou vinho da Madeira só provaram as piores espécies — de que ninguém gosta.
É estranhíssimo que em Portugal não se beba vinho do Porto. É aberrante. Há muitos tipos de vinho do Porto. Há preços para todas as bolsas. Há inovações, há tradições, há aperfeiçoamentos constantes.
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É estranhíssimo que em Portugal não se beba vinho do Porto. É aberrante. Há muitos tipos de vinho do Porto. Há preços para todas as bolsas. Há inovações, há tradições, há aperfeiçoamentos constantes.
Bares e restaurantes que têm vinte tipos de gin só têm duas ou três garrafas de vinho do Porto. É quase sempre o pior vinho do Porto: o mais barato da marca mais rasca. É este que se usa para cozinhar — mas só um toquezinho, para a garrafa durar mais um ano.
Também tenho ódio dentro de mim: odeio Porto branco. É um vinho mentiroso que se diz seco mas não é. Já experimentei dezenas de marcas e odeio todas. Concluo assim que nunca serei apreciador de Porto branco. Mas pelo menos tentei.
A tragédia portuguesa com os nossos vinhos generosos é que os portugueses que pensam que não gostam de vinho do Porto ou vinho da Madeira só provaram as piores espécies de vinho do Porto — de que ninguém gosta.
Há agora meias garrafas de bom vinho do Porto que se vendem por 20 euros ou menos. Basta escolher as casas de maior renome — as do grupo Symington, Taylor Fladgate, Fonseca Guimaraens, Quinta do Noval — para ter a certeza de um resultado glorioso.
É estranhíssimo que com a vulgarização do sistema Coravin para preservação do vinho não haja bares e restaurantes onde se possa beber um copo de vários Portos vintage, para comparar casas e colheitas. É estranhíssimo que não se possa provar em copos mais pequenos para decidir quais são os vinhos que se vão beber em quantidades menos ínfimas.
O mundo do vinho do Porto é fascinante e recompensa o estudo. As casas são quase sempre beneméritas e justamente orgulhosas do que produzem.
Com a chegada do mês de Junho, é tempo de pensar no vinho do Porto como bebida refrescante. A doçura é um problema, excepto quando não é. Substitui muito bem o vermute tinto doce em cocktails como o Manhattan. Qual é o vermute que se pode comparar a um bom vinho do Porto?
Um exemplo fabuloso de um vinho do Porto ideal para bebidas frescas é o Porto quinado da excelente Ramos Pinto. Não sei porquê, é difícilimo de encontrar. Eu compro o meu na onwine.pt onde uma garrafa inteira, muito boa e bonita, custa somente 6,59 euros.
É excelente sem nada, muito fresco. Eventualmente pode-se acrescentar uma casca de laranja ou uma folha de hortelã. O sabor quinado chama pelo quinino de uma boa água tónica — quanto menos doce, melhor. Escusado será dizer que faz um delicioso long drink.
A rainha de Inglaterra gosta de beber Dubonnet com gin — e é uma bela bebida. Mas é melhor ainda com Porto Quinado. Sugiro uma medida de gin por cada quatro de Porto, servido com twist de limão.
Outro exercício interessante é tentar construir um Negroni com vinho do Porto em vez de vermute. Se está habituado, para variar, a usar Punt e Mes ou Byrhh em vez de vermute, experimente o Porto Quinado e não se arrependerá.
Há tantos tipos de vinho do Porto que é estranhíssimo dizer só “vinho do Porto”. É preciso experimentar todos. Comece-se por procurar cocktails já estabelecidos que contenham bebidas doces, como vermutes e licores. Substitua-se com os vários Portos.
Em Portugal há tabus a mais sobre como se devem beber vinhos do Porto — só servem para legitimar o facto de nunca bebermos vinhos do Porto. É preciso ter a desfaçatez de tratar os vinhos do Porto como ingredientes à procura de novas combinações e novas maneiras de servir.
Até as garrafas de Porto vintage são mais baratas do que se pensa. Têm uma personalidade única — mas porque não usar um Vintage menos perfeito ou mais novo para fazer uma sangria espectacular? Como acontece com todas as sangrias, é a qualidade do vinho que determina a qualidade da sangria.
Um Porto rasca dará sempre bebidas rascas. Infelizmente é essa a tradição portuguesa: usar maus vinhos nas sangrias na esperança estúpida que a mixórdia disfarce o mau feitio do vinho.
Não é uma questão de coragem usar bons vinhos do Porto em cocktails: é uma questão de bom investimento. Se precisar de uma regra, sugiro esta: para efeitos coqueteleiros, nunca gaste mais numa garrafa de vinho do Porto do que gastaria num gin de luxo. Trinta euros, digamos. Já é mais do que suficiente — e não é um desperdício. Desperdício é não beber.