Criticamos Malabo, mas não Maputo

Não se percebe bem a estratégia de Portugal em relação à Guiné Equatorial. Parece que não tem nada a perder por ostracizar Malabo. E se calhar não tem. Mas este arrependimento tardio ajuda em quê a CPLP?

Quatro anos depois da entrada da Guiné Equatorial no clube lusófono, basta falar com alguns diplomatas dos nove Estados-membros da CPLP para perceber que cada um olha para a nova “República hermana” de uma forma diferente.

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Quatro anos depois da entrada da Guiné Equatorial no clube lusófono, basta falar com alguns diplomatas dos nove Estados-membros da CPLP para perceber que cada um olha para a nova “República hermana” de uma forma diferente.

1. Uns têm tantos problemas internos que não conseguem vir à tona da água, muito menos ajudar a Guiné Equatorial a aproximar-se dos ideais de democracia que a comunidade defende nos estatutos.

2. Outros acreditam que a entrada de Malabo na organização é uma oportunidade para a CPLP contribuir para a paz no mundo, ajudando-a a deixar de ser uma ditadura.

3. Outros, ainda, sentem que é uma dupla fraqueza a CPLP ter aceitado o novo membro para a seguir o manter de castigo num canto.

4. Há, claro, os que não conseguem disfarçar o mal-estar em relação a um regime que é uma ditadura descarada e que está vários degraus abaixo dos piores exemplos da CPLP. Na comunidade, há fragilidades profundas, mas também progressos notáveis: Timor-Leste é considerada a melhor democracia do sudeste asiático e Cabo Verde está no topo de vários rankings africanos. Sobre o regime da Guiné Equatorial, ninguém encontrou ainda nada de bom para dizer.

5. Há os que defendem que a Guiné Equatorial não pode estar eternamente “em transição” para a democracia e que tem recursos para acabar com a pena de morte de forma absoluta e disseminar a língua portuguesa — só precisa de vontade política. É aliás bizarro ouvir o disco riscado de “precisamos de ajuda” (Malabo) e “estamos disponíveis para ajudar” (os outros) sem que nada pareça ter acontecido nestes quatro anos.

6. E há, finalmente, os que vêem a firmeza de Portugal e Cabo Verde como o mínimo dos mínimos para impedir a degradação dos valores da CPLP e tentar corrigir a imprudência de 2014, quando se aceitou a entrada de Malabo de forma precipitada e sem consensos nacionais. Mais tempo teria evitado que a mudança de governos significasse a mudança de atitude perante este alargamento. Podemos todos encolher os ombros e dizer que “a CPLP não existe”, mas não só existe como é um dos dois grandes eixos da política externa portuguesa, definida pelo ministro Augusto Santos Silva como clara, estável e não ambígua.

Em 2014, na cimeira de Díli, na qual a integração foi aprovada, Lisboa ficou isolada e não quis vetar a vontade dos outros. Percebe-se. Além do fantasma colonial, o risco era a morte da CPLP. Em 2016, na cimeira de Brasília, todos terão sentido que era cedo de mais para exigir mudanças tangíveis de Teodoro Obiang. Agora, na cimeira da ilha do Sul, em Julho, pode ser o momento de acertar a agulha. É deselegante, para não dizer cínico, convidar um primo da província para a festa e a seguir pô-lo de parte quando ele chega com um fato fora de moda — o fato que sempre usou. Também se percebem as razões do arrependimento tardio de Portugal, mas o embaraço está a ir ao ponto de estalar o verniz. Não vejo como isso ajude a CPLP ou Malabo.

Que não haja dúvidas. O que se passa na Guiné Equatorial é uma vergonha. Obiang chegou ao poder em 1979 (num sangrento golpe de Estado) e continua a ser eleito à boa tradição das ditaduras: na última eleição teve 93,7% dos votos. Mais de 40% das crianças não estão inscritas na escola e, tendo o mais elevado rendimento per capita de África, continua no fim da lista do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. As violações dos direitos humanos e o desrespeito pelo Estado de Direito fazem parte do dia-a-dia. É um país onde o pai nomeia o filho e o filho nomeia a irmã.

Mas quando ouvi as críticas que Lisboa fez esta semana a Malabo fiquei a pensar que não me lembro de ter ouvido o governo português usar esse mesmo tom franco em relação ao comportamento acintoso de Maputo no caso do desaparecimento de Américo Sebastião, o empresário português raptado na Beira há dois anos. Para não falar de Angola.

Portugal consegue engolir grandes sapos das suas ex-colónias, mas é incapaz de disfarçar o incómodo em relação à Guiné Equatorial, como se alguém tivesse acreditado que a sua entrada na CPLP daria origem a uma “Primavera de Malabo” ou a algum tipo de novo “Obianguismo”. Um diplomata africano explicou-me: “Os elefantes e os mosquitos têm um peso diferente.”