Camboja do lemongrass

A leitora Ana Rita Ferreira partilha a sua experiência pelo país asiático.

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You can’t claim heaven as your own if you are just going to sit under it

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Provérbio cambojano

O continente asiático revisita-nos o imaginário e activa-nos os sentidos, pela sua culinária, pela diferença nos seus costumes e tradições, pelas suas paisagens idílicas, entre outras tão vastas características que o tornam particular. Visitar a Ásia é a nova trend ocidental. Não há ocidental que se preze que não tenha pisado território asiático e cujo instagram não esteja colorido de águas verde-esmeralda, porém pouco se fala do muito que se traduz na simplicidade do existir asiático.

Eu, como os meus peers ocidentais, estava sedenta de uma pausa neste ritmo de vida alucinante que nos faz atropelar sentimentos e sensações, ao passo que me encontrava faminta de novas experiências regadas a lemongrass e peanut satay. O Camboja surgiu assim como excepcional entrada para o continente asiático.

Cheguei a Pnom Penh despida de preconceitos e disposta a ser invadida pela cultura local, imbuída do buliço das scooters, das solicitações dos tuk tuk e do odor a lemongrass. Em Pnom Penh é obrigatório visitar um passado bem presente na história do Camboja. Tuol Sleng (Museu do Genocídio) é um murro no estômago, daqueles que nos faz recordar as atrocidades de que o ser humano é capaz face ao seu semelhante — o Camboja viveu na década de setenta sob uma ditadura comunista, dos khmer vermelhos.

É curioso assistir à desvirtuação da essência (humana e material), já que Tuol Sleng, em português “ A Montanha das Árvores Venenosas”, fora berço de uma escola secundária, fonte de conhecimento, e por seu turno liberdade, para uns anos mais tarde ser a casa do massacre.

Apesar dos pesares, Pnom Penh tirou-me o amargo da boca na visita à Mekong Island (ou ilha da Seda), uma ilha que nos devolve às origens e à simplicidade do ser. Na ilha da Seda as famílias ainda se alimentam da terra, gerindo as suas vidas à velocidade dos teares que usam para produzir artesanato, enquanto as suas crianças, por força das circunstâncias, dotadas de uma verticalidade típica de um adulto, correm livres pela rua assim que lhes é aberto o espaço a serem isso mesmo, crianças.

Depois de uma viagem de 12 horas de autocarro, uma avaria e um condutor de tuk tuk mal disposto, cheguei ao paraíso, Koh Rong. O que dizer sobre Koh Rong? Uma vida numa ilha, será a expressão que a melhor resume. Koh Rong é palco das festas mais concorridas do Camboja, mas também alberga o silêncio mais reconfortante daquele país; tem um burger americano que nos limpa o gosto do lemongrass, mas também produz os melhores ananases que já tive oportunidade de provar; Koh Rong tem o melhor nascer do sol, mas também uma lua que nos ilumina os banhos quentes da meia noite; Koh Rong é único e merece ser “provado” em todas as suas facetas.

Deixei Koh Rong rumo à pérola do Camboja, Angkor Wat. Siem Reap é a cidade mais próxima dos templos e por isso o ponto de chegada e partida dos muitos que visitam o Camboja para ver o nascer do sol de Angkor Wat. Siem Reap merece também lugar de destaque em qualquer travessia pelo Camboja, já que nos pega pela mão e guia pelos seus mercados, nos mostra o melhor da culinária cambojana e massaja o ego e os sentidos. Visitar um mercado é sentir-nos vivos na verdadeira acepção da palavra; é percorrer todos os nossos sentidos; é cortar o cabelo enquanto nos oferecem comida; é negociar uma backpack enquanto nos protegemos do cheiro a durian; é sorrir com vontade, numa partilha de experiências incomparável.

Angkor Wat deixou-me o gosto doce no paladar, enchendo-me o olhar curioso com a majestosa imponência dos seus templos, pincelada a vestes cor de açafrão dos seus monges. Deambulando por entre os seus templos segui os cânticos entoados pelos monges, numa prece pelo desapego tão asiático quanto purificante. Angkor Wat, Bayon, Ta Prohm ou qualquer outro templo está povoado do burburinho de turistas, porém há algo de reconfortante no seu entorno que nos faz viajar internamente, num silêncio reconfortante da nossa existência.

A melhor forma de descrever o Camboja é sorrir, porque na simplicidade do sorriso transportamos proximidade, amabilidade e bem querer. Foram poucos os povos que conheci com tamanha intensidade no sentir. Voltei de mochila carregada e pronta para sorrir de cada vez que revisitar a minha Ásia, aquela que existe fora do meu instagram.

Ana Rita Ferreira