Villa romana “Cidade das Rosas” vai ser recuperada

É sobre este local que a tradição popular alimenta a lenda da existência de uma enorme serpente que aí vive “guardando o tesouro e matando quem dele se tente apoderar”.

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António Carrapato

As primeiras referências à estação arqueológica conhecida por "Cidade das Rosas", que a câmara quer agora recuperar, remontam ao final do século XIX quando o arqueólogo Leite de Vasconcelos foi convidado a visitar a Herdade das Barrosas localizada a cerca de quatro quilómetros de Serpa e junto à estrada que faz a ligação à freguesia de Vale de Vargo. Durante o percurso feito “num carro alentejano, aos solavancos, ora por campos, ora por desertos”, o investigador deparou-se com um cipo (coluna com inscrições tumulares) e a indicação do proprietário das terras que ali tinham aparecido “muitas moedas de cobre, e uma de prata, como um tostão”.

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As primeiras referências à estação arqueológica conhecida por "Cidade das Rosas", que a câmara quer agora recuperar, remontam ao final do século XIX quando o arqueólogo Leite de Vasconcelos foi convidado a visitar a Herdade das Barrosas localizada a cerca de quatro quilómetros de Serpa e junto à estrada que faz a ligação à freguesia de Vale de Vargo. Durante o percurso feito “num carro alentejano, aos solavancos, ora por campos, ora por desertos”, o investigador deparou-se com um cipo (coluna com inscrições tumulares) e a indicação do proprietário das terras que ali tinham aparecido “muitas moedas de cobre, e uma de prata, como um tostão”.

Reconheceu-se de imediato a importância arqueológica do local conhecido por "Cidade das Rosas", “assim chamada, diz o povo, por ser no sítio das (herdade) Barrosas (Ba-rrosas), embora uma tal hipótese não possa ser considerada definitiva”, explicou Leite de Vasconcelos. A designação de “cidade” é uma interpretação popular baseada na profusão de estruturas arqueológicas que ali permaneciam e que levou a associar o lugar a um aglomerado que teria tido grandes dimensões em tempos remotos. 

Leite de Vasconcelos viu no local “ruínas de povoação romana” confirmadas nos anos 50 do século passado pelo arqueólogo Abel Viana, quando ali efectuou escavações. Perto deste vestígio arqueológico, a cerca de dois quilómetros para sul, foram identificadas as ruínas de uma barragem também da época romana. A represa conhecida por Muro dos Mouros (Imóvel de Interesse Público), ainda hoje apresenta uma estrutura de pedra com 130 metros de comprimento e uma altura máxima de três metros. Nos anos 50 do século passado ainda servia de pedreira para todos aqueles que necessitavam de lajes de grandes e pequenas dimensões. 

A albufeira que concentrava os caudais de uma linha de água, destinava-se à “irrigação de terrenos” concluiu Abel Viana. O arqueólogo explicou que a construção de represas — ainda existem vários vestígios destes equipamentos hidráulicas dispersos pelo Baixo Alentejo — se destinavam a levar água a “algumas nesgas de terra enquadradas nos vastos domínios de certas villae agrícolas” instaladas em “terrenos planos e encostas suaves que facilitassem a rega”.

Hoje, a “Cidade da Rosa" ou das "Rosas", é um dos sítios romanos mais importantes da região. Foi posto a descoberto um edifício termal e um outro identificado como lagar. Dos vestígios pertencentes ao balneário, foi escavada uma parte do hipocausto (forno subterrâneo para aquecer as águas). Foram ainda encontradas algumas sepulturas que sugerem a existência de uma necrópole contemporânea à villa. Está ainda referenciada uma zona habitacional anexa a uma construção industrial de época tardo-romana com duas fases de ocupação, ambas interrompidas por destruição violenta provocada por um incêndio entre o primeiro quartel do século I e o início do século II. O sítio foi ocupado desde cedo no período romano, estendendo-se pelo Baixo Império e até à Baixa Idade Média.

As últimas escavações arqueológicas realizadas no local tiveram lugar nos anos 90 do século passado. Hoje o sítio encontra-se coberto de mato e é difícil distinguir as estruturas anteriormente postas a descoberto. “É uma grande villa”, referiu ao PÚBLICO o arqueólogo da Câmara de Serpa, Miguel Serra, frisando que a “área de dispersão de materiais arqueológicos se estende por 30 hectares”, admitindo, no entanto, que as estruturas edificadas possam ocupar uma área entre 1,5 e os 3 hectares, área que a Câmara de Serpa vai revitalizar, começando por recuperar “ a dignidade” do espaço que possa estar ocupado pela "Cidade das Rosas" e ainda está soterrado.

O presidente da Câmara de Serpa, Tomé Pires, explicou ao PÚBLICO que à realização de um “diagnóstico do estado de conservação” da estação arqueológica, seguir-se-ão “acções de limpeza dos vestígios arqueológicos e melhoria das condições de acesso e protecção”, para além da colocação de sinalética e placas informativas.

“No próximo ano, avançaremos com um projecto de investigação para identificar quais as estruturas que ainda não foram escavadas”, assinalou o autarca. “Paralelamente, vamos mostrar à comunidade escolar o património arqueológico do nosso concelho (só villae romanas são cerca de 60), motivando os jovens para a sua salvaguarda”.

A par da terra e da sua valorização agrícola. Tomé Pires realça a importância que tem para o seu concelho a “salvaguarda do património, seja histórico, arqueológico ou ambiental”, lembrando que este faz falta para que a história possa ser transmitida a quem vier a seguir.

A "Cidade das Rosas" foi sujeita ao longo de muitos anos a constantes violações feitas na estação arqueológica por caçadores de tesouros. Até há poucos anos, a tradição popular alimentava a lenda da existência de uma enorme serpente que vivia na villa romana “guardando o tesouro e matando quem dele se tente apoderar”. Nos dias de hoje, a actividade agrícola nas redondezas, aliada a uma maior presença humana, são de molde “a tornar mais difícil a devassa das estruturas” existentes na Herdade das Barrosas, admite Miguel Serra.

O conjunto de fragmentos de ânforas provenientes da “Cidade das Rosas” revela uma ocupação daquele sítio que vai desde os finais do século I a.C. até ao século V da era cristã. Nos terrenos envolventes têm sido recolhidos materiais do período Paleolítico, Neolítico, Calcolítico e do Ferro, o que atesta o interesse do homem pelo território hoje de Serpa.