Empresa do petróleo no Algarve já teve 200 milhões de apoios fiscais

Dona do barco que vai fazer furo em Aljezur tem uma subsidiária sediada na zona franca da Madeira, a Saipem Portugal, empresa com benefícios fiscais de IRC há vários anos por estar no centro de negócios.

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Protesto realizado em Agosto em Sines contra exploração de petróleo ao largo da costa portuguesa. Mário Lopes Pereira

A 900 quilómetros a sudoeste de Aljezur está sediada, na Madeira, a Saipem Portugal Comércio Marítimo. A ligação entre a vila algarvia e aquele escritório na zona franca da Madeira não salta imediatamente à vista, mas se tudo correr como planeiam as petrolíferas Eni e Galp, será um navio perfurador da Saipem – o Saipem 12000 – que entre Setembro e Outubro estará a 46,5 quilómetros ao largo de Aljezur a realizar a primeira sondagem petrolífera em águas portuguesas.

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A 900 quilómetros a sudoeste de Aljezur está sediada, na Madeira, a Saipem Portugal Comércio Marítimo. A ligação entre a vila algarvia e aquele escritório na zona franca da Madeira não salta imediatamente à vista, mas se tudo correr como planeiam as petrolíferas Eni e Galp, será um navio perfurador da Saipem – o Saipem 12000 – que entre Setembro e Outubro estará a 46,5 quilómetros ao largo de Aljezur a realizar a primeira sondagem petrolífera em águas portuguesas.

A Eni, que tem o Estado italiano como principal accionista, lidera o consórcio com a Galp, mas não só; a petrolífera é também a maior accionista da Saipem Spa (tem 30,54% do capital) e, por isso, controla indirectamente a Saipem Portugal Comércio Marítimo, uma das empresas que nos últimos anos se tem destacado por estar entre as que mais benefícios fiscais receberam em Portugal. Há uma razão: estar sediada na zona franca da Madeira.

Esta subsidiária da Saipem Spa – um dos principais fornecedores mundiais de serviços de perfuração e engenharia às empresas que exploram petróleo e gás – tem vindo a encabeçar a lista das sociedades com maiores benefícios fiscais de IRC. Foi a segunda empresa em 2016 e ocupou o primeiro posto em 2014 e 2015, acumulando pelo menos 202 milhões de euros desde 2010. A ligação entre o Saipem 12000 e a Saipem Portugal foi detectada pela organização ambientalista Climáximo.

Os valores estão publicados no Portal das Finanças e referem-se ao período que vai de 2010 a 2016, mas falta saber o que se passou em 2011, porque o fisco não tem números publicados sobre os benefícios invocados pelas empresas relativamente a esse ano.

A Saipem Portugal é totalmente detida pela Saipem International BV, que tem sede na Holanda, país conhecido por ter um sistema tributário favorável ao planeamento fiscal das grandes sociedades. Por sua vez, a Saipem International BV é uma subsidiária da Saipem Spa, que tem 42% do seu capital nas mãos do Estado italiano (quer porque a Eni controla 30% da Saipem Spa, quer pelos 12,5% detidos na empresa através da CDP Equity, o fundo soberano italiano criado para investir em empresas estratégicas). O resto do capital desta empresa cotada na bolsa de Milão está nas mãos de grandes fundos de investimento, gestoras de activos e pequenos accionistas.

Segundo os dados da autoridade tributária, que o PÚBLICO consultou, o ano de 2014 foi aquele em que a Saipem Portugal reuniu de longe o maior volume de benefícios fiscais, invocando 53 milhões de euros entre deduções à colecta de IRC e reduções de taxa do imposto. Em 2010 (o primeiro ano para o qual há dados disponíveis), o valor dos benefícios obtidos foi mais discreto: cinco milhões de euros através da Saipem Perfurações e Construções Petrolíferas e outros 667 mil euros por via da Saipem SGPS.

Depois, em 2011, a Saipem Perfurações foi incorporada na Saipem Comércio Marítimo e a Saipem SGPS, por sua vez, seria incorporada na empresa-mãe, a Saipem International BV. E a partir de 2012 a sociedade que figurou na lista dos contribuintes com benefícios fiscais passou a ser a Saipem Comércio Marítimo (registou 43,6 milhões em 2012, 24 milhões em 2013, 53 milhões em 2014, 42,9 milhões em 2015 e 32,5 milhões em 2016).

Aumentar

A empresa

Todos os incentivos fiscais que a empresa alcançou em sede de IRC devem-se ao facto de estar sediada no Centro Internacional de Negócios da Madeira, o que lhe permitiu invocar as regras estabelecidas no Estatuto dos Benefícios Fiscais para as entidades licenciadas nas zonas francas portuguesas (além da Madeira existe a Ilha de Santa Maria nos Açores, mas já está encerrada).

Em 2016, o ano mais recente em relação ao qual há estatísticas disponíveis, a Saipem Portugal Comércio Marítimo foi a segunda empresa que mais teve benefícios fiscais, apenas superada por uma sociedade do universo EDP (a EDP – Gestão da Produção de Energia, que teve 36,4 milhões de euros).

Se entre as empresas a Saipem Portugal foi a segunda, se olharmos para todas as entidades beneficiadas aparece em oitavo lugar, depois dos municípios do Porto e Lisboa, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, do próprio Estado português e da Universidade do Minho. A larga maioria dos benefícios da Saipem naquele ano resultou de uma redução da taxa de IRC (28,1 milhões de euros), a que se juntam os restantes 4,4 milhões em deduções à colecta do imposto. Em 2014, o ano em que mais beneficiou, os 53 milhões de incentivos em sede de IRC devem-se a 36,9 milhões por redução de taxa e 16 milhões em deduções à colecta do imposto.

O PÚBLICO questionou a Saipem Portugal sobre as actividades que são desenvolvidas directamente pela sociedade e sobre o número de trabalhadores e a equipa de gestão, mas não obteve comentários. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a sociedade dedicada às actividades de engenharia e técnicas está instalada na Plataforma 2A do Pavilhão Industrial R, no Caniçal; no final de 2016 tinha 786 funcionários.

Constituída há 23 anos, registou vendas de 1182 milhões de euros em 2016 (só 17,7% do total teve como destino a União Europeia) e teve um resultado bruto de exploração de 436 milhões de euros. Com compras totais de 560 milhões de euros, só 0,21% do total (1,2 milhões) tiveram origem no mercado nacional.

Nos órgãos sociais contam-se cinco administradores. O director-geral, Giuseppe Maria Sofrá, aparece referenciado como sendo gerente de outras duas sociedades da zona franca da Madeira, a Charville Consultores e Serviços (também com benefícios fiscais de IRC) e a CCVJV Engineering Services, uma sociedade constituída em 2016 que tem entre os seus sócios a empresa-mãe da Saipem, a Saipem International B.V., a CB&I Oil & Gas Europe B.V. (sediada na Holanda) e a Chiyoda Corporation (da cidade japonesa de Yokohama). Os outros quatro gestores da Saipem Portugal são Manuel Maria de Paula Reis Boto, Sérgio Italo Guido Benzi, Massimiliano Guerra e Emmanuel Raphael Huot.

Novas empreitadas

Segundo os dados divulgados pela Saipem Spa – que teve um volume de negócios de 9000 milhões de euros em 2017 e um resultado bruto de exploração de quase mil milhões – o Saipem 12000 é um navio sonda de sexta geração, que foi desenhado pela Samsung Heavy Industries e construído em 2010.

Com uma capacidade de perfuração de quase 11 mil metros, a embarcação assegurou recentemente novos contratos em projectos liderados pela Eni. Num comunicado divulgado em Junho do ano passado, a Saipem explicou que as novas empreitadas abrangem o mega projecto de gás natural de Moçambique (onde também participa a Galp) e outros no Chipre, além de Portugal. Os contratos (incluindo outro trabalho de perfuração no Mar Negro que será assegurado pelo navio Scarabeo 9) têm um valor global de 230 milhões de dólares (cerca de 186 milhões de euros). Estas duas embarcações, tal como várias outras detidas pela Saipem, estão ambas registadas no paraíso fiscal das Baamas.

No caso do projecto português, a realização desta operação de sondagem para avaliar a presença de hidrocarbonetos foi colocada em consulta pública pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) até 16 Abril. Antes do final desse prazo (a 14 de Abril) está agendada uma manifestação promovida pela organização ambientalista Climáximo, na Praça Luís de Camões, em Lisboa (a dois passos do Ministério da Economia, que tem a tutela da energia), contra a pesquisa de petróleo no mar.

Findo o prazo da consulta pública, as autoridades portuguesas terão de decidir se este projecto da ENI e da Galp – que tem vindo a ser adiado desde 2016 por incumprimento de prazos dos organismos públicos – terá de ser sujeito a um processo de avaliação de impacto ambiental (AIA).