CTT: galinha dos ovos de ouro?

Onde está o sentido de bem público e a ética de uma instituição fundamental no colectivo português?

Os CTT foram privatizados, uma opção bastante discutível e discutida. Em qualquer caso devem continuar a ser escrutinados como uma empresa que presta um serviço público importante para a sociedade e que se mantém como prestador do serviço postal universal, ao abrigo do respectivo contrato de concessão. Passe a imagem de caricatura, os CTT não podem ser analisados como se de uma fábrica de enchidos privatizada se tratasse...

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Os CTT foram privatizados, uma opção bastante discutível e discutida. Em qualquer caso devem continuar a ser escrutinados como uma empresa que presta um serviço público importante para a sociedade e que se mantém como prestador do serviço postal universal, ao abrigo do respectivo contrato de concessão. Passe a imagem de caricatura, os CTT não podem ser analisados como se de uma fábrica de enchidos privatizada se tratasse...

O serviço postal universal consiste na oferta de um conjunto de serviços, no âmbito nacional e internacional, definido na Lei Postal, com qualidade especificada, disponível de forma permanente em todo o território nacional, a preços acessíveis a todos os utilizadores, visando as necessidades de comunicação da população e das actividades económicas e sociais.

Os lucros dos CTT em 2017 foram de 27,3 milhões de euros, menos 56,1% face ao ano anterior e também inferior ao que os analistas estavam à espera. Foi anunciado que será pago um dividendo de 38 cêntimos por acção, o que corresponde a uma rendibilidade à volta de 12% em relação ao actual valor da cotação em Bolsa, tendo embora presente que o dividendo é inferior ao do ano anterior (48 cêntimos).

Mais ilustrativo é o facto de o dividendo anunciado e pelo qual a empresa vai pagar aos seus accionistas 57 milhões de euros representar um payout de 208%! Ou seja, os CTT passam para os accionistas mais do dobro dos lucros obtidos no ano passado. É obra! Em resultado desta operação, os capitais próprios passarão de 233 para 183 milhões de euros (redução de 21,5%). Aliás, já há um ano, o dividendo pago correspondente aos lucros de 2016 representou um payout de 116%.

O presidente da empresa, Francisco Lacerda, disse, entretanto, que havia um compromisso público para esta forma de distribuição de lucros e que, para o futuro, os CTT vão ter uma política de remuneração accionista baseada numa percentagem do resultado líquido gerado anualmente. Disse, ainda, que a empresa tem uma estrutura financeira sólida, não se endividando para pagar dividendos.

O certo é que esta gorda distribuição de dividendos coincide com um anunciado plano de reestruturação, expresso, entre outros aspectos, no corte de custos, como o fecho de estações dos correios e redução do quadro de pessoal (22 balcões de norte a sul do país e eliminação de 1000 postos de trabalho até 2020, através de “rescisões por mútuo acordo”). Entretanto, a trajectória de queda do tráfego do correio terá andado perto de 6% e são manifestas as circunstâncias de pressão futura sobre os resultados.

A privatização dos CTT, concretizada na sua maior parte em 2013, rendeu aos cofres do Estado 909 milhões de euros, sendo que, dos 184 accionistas institucionais detentores de cerca de 78% do capital, 74% são estrangeiros (de acordo com o Relatório de Governo Societário CTT, 2017). Segundo dados também públicos, desde a privatização a distribuição de dividendos ocorreu assim:

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Eis um verdadeiro cash cow ou uma galinha dos ovos de ouro, pela qual os accionistas, em cinco anos, já “levantaram” 36,2% do valor de aquisição das acções, por via de 110% do total de lucros obtidos! Visto por outro ângulo, 1/3 da receita de privatização já foi ao ar, agora que o Estado já não é o proprietário da empresa e não recebe os dividendos.

Esta fartura de dividendos para os accionistas, ainda que legal, atinge princípios básicos de sustentabilidade, fere, mesmo que não jurídica ou contratualmente, o espírito de concessão de serviço público e é afrontosa face a um plano de restruturação que limita as estações de correio, despreza a ideia da proximidade e reduz o quadro de pessoal.

Uma empresa de serviços essenciais que enche os bolsos dos accionistas faz o papel de rica para os detentores de capital e giza planos austeros e de pretensa racionalização para os consumidores e outros stakeholders. Onde está o sentido de bem público (public spiritideness) e a ética (business ethics) de uma instituição fundamental no colectivo português? Nenhum poder público, nenhum partido se escandaliza? E nos media, este assunto passou no meio das toupeiras e outros bichos?

Eis, esplendorosamente consagrada, a expectável lógica de accionistas e de fundos que, mais do que pousar e investir nas empresas onde ganham posições de capital, querem maximizar e acelerar o retorno, esvoaçando depois para outras paragens. Neste caso dos CTT, com a desfaçatez de estarmos perante uma empresa que tem enormes responsabilidades sociais de disponibilização de um serviço e bem essenciais de quase soberania, que nem sempre se compadece com a lógica pura e dura da economia capitalista.

Receio que o fundo que comprou (?) o Novo Banco, mais tarde ou mais cedo, venha seguir o mesmo itinerário...