Primeiro-ministro irlandês vai fazer campanha pela liberalização do aborto

É uma decisão histórica sobre um tema que divide quase todos os partidos. Está marcado um referendo para o Verão.

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O primeiro-ministro Leo Varadkar Clodagh Kilcoyne/Reuters

O primeiro-ministro da Irlanda, onde o aborto é proibido em quase todas as situações, disse à BBC que vai fazer campanha pela liberalização total da interrupção voluntária da gravidez. Leo Varadkar já tinha dito que a lei é “demasiado restritiva”.

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O primeiro-ministro da Irlanda, onde o aborto é proibido em quase todas as situações, disse à BBC que vai fazer campanha pela liberalização total da interrupção voluntária da gravidez. Leo Varadkar já tinha dito que a lei é “demasiado restritiva”.

O país espera realizar no Verão um referendo cujo objectivo é rejeitar a alínea da Constituição que proíbe efectivamente que se ponha termo a uma gravidez. A pergunta que vai ser feita ainda não foi definida.

Varadkar vinha sendo acusado de ser vago quanto à sua posição. Este sábado, assumiu que apoia a proposta. “Vamos fazer o referendo, esperemos que no Verão, e na próxima semana devemos ter uma decisão do Governo”, confirmou o primeiro-ministro ao canal 4 da rádio BBC.

Questionado sobre se fará campanha pela liberalização, disse: “Sim. Vou fazer campanha para que [a lei] seja mudada e liberalizada”.  

A oitava alínea da Constituição da República da Irlanda, um país onde até há pouco tempo a Igreja Católica tinha grande influência nas decisões políticas, determina que os não nascidos têm o mesmo grau de direito à vida do que as mulheres grávidas, o que significa que o abordo está proibido quando a gravidez é o resultado de uma violação ou quando o feto tem uma malformação que o torna inviável. Redigida em 1983, esta alínea “reconhece o direito à vida dos não nascidos”.

Os activistas pelo direito ao aborto pedem há muito tempo que a lei seja alterada e, no ano passado, uma Assembleia Cidadã e um grupo parlamentar com todos os partidos políticos representados recomendaram que a legislação fosse mudada de forma a acabar com a criminalização. O comité parlamentar recomendou que a interrupção voluntária da gravidez seja permitida sem restrições até às 12 semanas de gestação.

O aborto foi permitido na República da Irlanda pela primeira vez em 2013, mas com muitas restrições — quando os médicos recearem que a mulher possa tirar a própria vida, ou quando a vida da grávida esteja em risco devido a complicações médicas.

A lei não permite o aborto em casos de violação ou incesto, ou quando o feto não seja viável. 

A alteração à lei que permite interromper a gravidez quando complicações médicas põem a vida da mulher em risco foi feita em 2012, na sequência do caso Savita Halappanavar, em 2012. Esta mulher indiana morreu num hospital de Galway depois de lhe ter sido recusado um aborto, apesar do risco. O feto não era viável e Savita foi ao hospital com fortes dores nas costas — disseram-lhe “este é um país católico”. Morreu de septicémia. 

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que recebeu uma queixa do viúvo, disse na altura que o Estado irlandês falha na aplicação da sua própria lei, não criando condições para que as mulheres em situação de risco tenham condições para interromper a gravidez com segurança e em tempo útil. No país, a maioria dos médicos são objectores de consciência e outros receiam agir, argumentando que não dispõem de linhas de orientação claras.

Noutro caso, conhecido como X e que data de 1992, uma adolescente de 14 anos vítima de violação foi impedida por um tribunal de viajar para a Inglaterra onde pretendia abortar. A decisão foi revertida, com o Supremo Tribunal (e um referendo) a determinarem uma nova actualização da Constituição, a dizer que a alínea oito não pode proibir os cidadãos de viajarem para outros países.

Em 2016, 3265 mulheres e adolescentes irlandeses que recorreram a clínicas na Inglaterra e País de Gales deram moradas na República da Irlanda, segundo estatísticas de Saúde do Reino Unido citadas pela Reuters.

O tema não é consensual entre os políticos irlandeses. “É justo dizer que a minha posição sobre o assunto evoluiu”, disse Varadkar. “Creio que às vezes a palavra pró-vida pode ser mal interpretada. Penso que mesmo as pessoas que são a favor do aborto são pró-vida em certas circunstâncias. Continuo a acreditar na vida, mas percebo que há circunstâncias em que a gravidez não pode continuar”, disse.

Varadkar enfrenta divisões sobre o assunto no seu partido, o Fine Gael, com os deputados das zonas mais rurais da Irlanda a oporem-se a qualquer alteração na lei, diz o jornal The Guardian. O Fiánna Fail, na oposição, também está dividido.

Já na segunda-feira o Governo vai debater o referendo e a melhor data para o realizar. Haverá também uma votação sobre a consulta no Parlamento, que pode ter lugar em Maio — os deputados terão liberdade de voto.