Com bisturi, voluntários põem mosaico romano a descoberto

Seis voluntários trabalharam na limpeza de um painel da antiga cidade romana do concelho de Condeixa-a-Nova. Passo seguinte é a digitalização.

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É essencialmente “um exercício de paciência e de tempo”, descreve Daniel Patrício. Arqueólogo profissional há cinco anos, aproveitou um tempo entre escavações para ir a Conímbriga participar no projecto MosaicoLab, que envolve voluntários na limpeza de um mosaico romano.

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É essencialmente “um exercício de paciência e de tempo”, descreve Daniel Patrício. Arqueólogo profissional há cinco anos, aproveitou um tempo entre escavações para ir a Conímbriga participar no projecto MosaicoLab, que envolve voluntários na limpeza de um mosaico romano.

O painel com cerca de 20 metros quadrados que os seis voluntários puseram a descoberto esta semana até foi localizado pela primeira vez na década de 1950, explica o arqueólogo do complexo de Conímbriga que coordena a intervenção, Virgílio Hipólito Correia. “Ficou a saber-se que estava aqui, mas permaneceu enterrado”, refere ao PÚBLICO o responsável que durante 18 anos dirigiu o Museu Monográfico da antiga cidade romana 

O mosaico alvo de intervenção faz parte da Casa do Tridente e da Espada, uma residência de “gama média” para o contexto de Conímbriga. Com uma área de cerca de 200 metros quadrados, “não está na categoria da Casa dos Repuxos”, a mais célebre imagem daquelas ruínas do concelho de Condeixa-a-Nova, “mas também não é uma pequena residência”. O mosaico faria parte do cubículo, um compartimento que dava para o pátio central e que servia como sala de estar do dono da casa.

A opção de manter os vestígios sob a terra não é única. Este é muitas vezes o procedimento a adoptar para proteger as ruínas da deterioração causada pela poluição ou por fungos, sendo que, actualmente, está exposto apenas um sexto da antiga cidade de Conímbriga. Virgílio Hipólito Correia conta que só na viragem do milénio, “com sucessivas intervenções”, as ruínas da Casa do Tridente e da Espada foram expostas. Ainda assim, o mosaico permaneceu debaixo de terra, “que é a melhor forma de conservar”.

Outra forma de contribuir para a preservação dos mosaicos seria instalar uma cobertura, à semelhança de o que acontece ali ao lado, na Casa dos Repuxos. Uma solução que tropeça tanto no impacto visual como na viabilidade financeira, explica o arqueólogo.

A intervenção desta semana acontece no âmbito do Ano Europeu do Património, resultando de uma parceria entre o projecto MosaicoLab, coordenado pelo investigador do Centro de Estudos Sociais, Humberto Figueiredo, e o Museu Monográfico de Conímbriga. A limpeza do mosaico envolve ainda o Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares do Instituto Superior Técnico e o programa doutoral em Conservação e Restauro da Universidade Nova de Lisboa.

Trabalho minucioso

Catarina Gomes está no terceiro ano da licenciatura em arqueologia e foi de Lisboa para participar no projecto. Enquanto remove uma fina camada de sedimentos que ainda cobre parte do painel, a estudante explica que já tinha participado em trabalhos arqueológicos no âmbito do curso, embora mais pesados, com recurso a instrumentos como a picareta.

A limpeza de um mosaico romano é mais cirúrgica. Envolve instrumentos mais minuciosos como bisturis, esponjas ou espátulas. A utilização destas ferramentas é essencial para deixar o painel pronto para passar à fase seguinte da intervenção: a digitalização. O registo digital do mosaico é feito por investigadores do Instituto de Sistemas e Robótica da Universidade de Coimbra seguindo-se a criação e utilização dos dados recolhidos, ficando depois “disponível para efeitos científicos”, afirma Virgílio Hipólito Correia.

Relativamente aos voluntários, o arqueólogo conta que, com apenas seis vagas disponíveis, o número de inscrições foi “avassalador”, triplicando a oferta. O processo de selecção acabou por ter em conta a área académica dos candidatos, privilegiando a arqueologia ou a conservação e restauro. Esta primeira actividade prática do MosaicoLab era também uma forma de perceber se podem abrir estas iniciativas ao público em geral.

O coordenador da intervenção refere também que este painel, ao contrário do que aconteceu com outros, não será levantado e exposto. “Provavelmente”, depois de concluído o processo de digitalização , “o mosaico terá que voltar a ser tapado”, como esteve nos 1500 anos anteriores. Antes disso, na sexta-feira vai ter lugar uma visita guiada ao mosaico, com entrada gratuita e aberta ao público em geral mediante inscrição no site do projecto MosaicoLab.

O MosaicoLab é um braço do Creatour, projecto nacional de turismo criativo com apoio comunitário que tem como objectivo envolver “públicos diversificados em áreas que são por vezes muito especializadas”, detalha Humberto Figueiredo. Estas iniciativas pretendem fazer com os visitantes “se envolvam com o património e tenham experiências”, ajudando assim a promover uma “maior permanência das pessoas” nos territórios.

O projecto não se fica apenas por Conímbriga, mas estende-se a outros locais onde se podem encontrar vestígios romanos na região. O MosaicoLab trabalha também com a Villa Romana do Rabaçal, no concelho vizinho de Penela, e com o Complexo Monumental de Santiago da Guarda, que pertence a Ansião, mais a Sul.