Joana Marques Vidal não detectou "circunstâncias menos claras" em processo de alegadas adopções ilegais

Quando exerceu funções no Tribunal de Família, entre 1994 e 2002, procuradora consultou processos e ouviu uma das mães. PGR relembra que está a investigar actuação do Ministério Público no caso das alegadas adopções ilegais por parte dos responsáveis da Igreja Universal do Reino de Deus.

Foto
Joana Bourgard/RR

A actual procuradora-geral da República Joana Marques Vidal foi alertada para “circunstâncias eventualmente menos claras” relacionadas com crianças que têm sido mencionadas nas notícias sobre alegadas adopções ilegais por parte dos responsáveis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Isto quando exerceu funções no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa entre 1994 e 2002. A informação é avançada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em comunicado desta sexta-feira.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A actual procuradora-geral da República Joana Marques Vidal foi alertada para “circunstâncias eventualmente menos claras” relacionadas com crianças que têm sido mencionadas nas notícias sobre alegadas adopções ilegais por parte dos responsáveis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Isto quando exerceu funções no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa entre 1994 e 2002. A informação é avançada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em comunicado desta sexta-feira.

“Como já foi tornado público, a procuradora-geral da República exerceu funções no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa entre 1994 e 2002, tendo, durante parte desse período, assumido a coordenação dos magistrados do Ministério Público e o despacho processual de uma secção desse tribunal", lê-se no comunicado. "No âmbito da actividade processual, foi localizada a intervenção da agora procuradora-geral da República num processo de confiança judicial respeitante a crianças que são mencionadas nas notícias sobre alegadas adopções ilegais”, prossegue.

Em causa estão, segundo uma investigação da TVI, três irmãos que tinham sido retirados à mãe biológica pela Segurança Social e entregues por esta entidade a um lar ilegal da IURD. Marques Vidal pegou no processo de confiança judicial com vista à adopção destas crianças em 1999, segundo divulgou nesta sexta-feira a estação de televisão.

O comunicado da PGR não diz que processos específicos estão em causa mas acrescenta: “No decurso desse processo, e para averiguar circunstâncias eventualmente menos claras para as quais havia sido alertada" Marques Vidal "requisitou os autos tendo em vista um estudo aprofundado dos mesmos". Mais: “Procedeu, igualmente, à consulta de outros processos (tutelares) relacionados com as mesmas crianças, nos quais não teve intervenção.”

Contudo, depois de analisar os elementos constantes desses processos tutelares, “onde por decisão judicial anterior as crianças tinham ficado ao cuidado de determinada pessoa, não resultaram quaisquer factos que confirmassem o alerta recebido”, acrescenta o comunicado.

Também “não se inferiu” qualquer “circunstância menos clara das diligências realizadas no processo de confiança judicial, entre as quais se incluiu a citação da mãe biológica, bem como da documentação constante do mesmo”. Este processo de confiança judicial foi decidido em 2001.

Dois inquéritos

A PGR reafirma, como o fez há uma semana, noutro comunicado, que a matéria relacionada com o eventual encaminhamento irregular para adopção de crianças acolhidas num lar da Igreja Universal do Reino de Deus deu origem a dois inquéritos: um inquérito-crime e um outro que pretende analisar “a actuação funcional do Ministério Público em todas as suas vertentes, tendo em vista examinar os procedimentos então adoptados e analisar todas as intervenções desenvolvidas nos respectivos processos”.

Segundo uma investigação da TVI, divulagada ao longo das últimas semanas, os netos do brasileiro Edir Macedo, fundador da IURD, terão sido "roubados" de um lar para crianças que o movimento religioso manteve em Camarate primeiro e depois em Lisboa, e que montou uma rede internacional de adopções ilegais entre 1994 e 2001. Ao todo, pelo menos dez crianças terão sido retiradas das suas famílias e levadas para o Brasil e EUA por pastores da IURD.

Segundo o episódio da série da TVI transmitido na passada sexta-feira, quem denunciou o caso em 2003 ao Tribunal de Menores, através de uma carta dezenas de páginas, foi a mulher do bispo Romualdo — Márcia Barbosa Panceiro —, líder da IURD na Europa e braço-direito de Edir Macedo. No entanto, a denúncia não teve consequências.

O comunicado desta sexta-feira da PGR lembra que “a Procuradora-Geral da República cessou funções no Tribunal de Família e de Menores em Outubro de 2002, não tendo tido conhecimento de factos constantes” dessa carta enviada ao tribunal em 2003, mas que só recentemente foi revelada pela TVI.

Contudo, a mesma nota acrescenta um dado: a carta onde Márcia Panceiro relatava o alegadas irregularidades com a adopção de três irmãos, dois meninos e uma menina, chegou a ser alvo de diligências por parte do Ministério Público tendo em vista apurar a "veracidade" do que era reportado. Os resultados dessas diligências, diz a PGR, "não vieram a produzir qualquer efeito útil obstativo da constituição do vínculo de adopção requerido".

As crianças, segundo a TVI, foram entregues pelos tribunais a uma secretária de Edir Macedo que posteriormente entregou uma delas ao bispo Romualdo e Márcia Barbosa Panceiro e os outros dois a outro bispo da IURD. Os irmãos foram assim separados, de forma irregular: um no Brasil, outros dois nos Estados Unidos.

A 6 de Janeiro também o Conselho Superior da Magistratura emitiu um comunicado onde diz que, apesar de até então "não terem sido suscitados quaisquer casos colocando directamente em causa "decisões de juízes", foi determinada "a recolha de todos os elementos pertinentes para avaliar os procedimentos prévios às decisões judiciais e os procedimentos de interacção dos tribunais com as instituições com responsabilidade no percurso de preparação das decisões".

Ainda assim, o conselho lembra que os casos agora noticiados se referem "a uma época recuada, há cerca de vinte anos, no âmbito de um quadro legal diverso do actualmente vigente".