Coleccionar lixo também é biologia

A história de Ana Pêgo faz-se no areal. Foi lá que deu os primeiros passeios e é nas praias que procura lixo para juntar à sua colecção, utilizada para alertar sobre a poluição dos oceanos.

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As colecções de selos, carros em miniatura ou cromos da bola não são a especialidade de Ana Pêgo. Mas se a conversa se mudar para a beira-mar, uma bela amostra do lixo encontrado nas praias de Cascais pode ser descoberto na própria casa da bióloga marinha. “É mesmo em casa, está assim um bocado caótico.” Pode acontecer que, no meio de objectos antigos, garrafas coloridas e escovas de dentes que deram à costa e se refugiam em casa da bióloga, se dê de caras com uma baleia feita de plásticos devolvidos pelo oceano à terra. Foi com estes elementos poluentes que Ana Pêgo, de 46 anos, criou um dos seus projectos, o Balaena Plasticus, trabalho conjunto com Luís Quinta.

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As colecções de selos, carros em miniatura ou cromos da bola não são a especialidade de Ana Pêgo. Mas se a conversa se mudar para a beira-mar, uma bela amostra do lixo encontrado nas praias de Cascais pode ser descoberto na própria casa da bióloga marinha. “É mesmo em casa, está assim um bocado caótico.” Pode acontecer que, no meio de objectos antigos, garrafas coloridas e escovas de dentes que deram à costa e se refugiam em casa da bióloga, se dê de caras com uma baleia feita de plásticos devolvidos pelo oceano à terra. Foi com estes elementos poluentes que Ana Pêgo, de 46 anos, criou um dos seus projectos, o Balaena Plasticus, trabalho conjunto com Luís Quinta.

A arte de coleccionar e reutilizar o lixo que encontra na praia fez com que o passatempo de Ana se tornasse, nos últimos dois anos, numa ocupação a tempo inteiro. No início de Dezembro de 2015 surgiu a página de Facebook Plasticus Maritimus, com o objectivo de “retirar o lixo da página pessoal” e apostar num espaço só para o tema da poluição dos oceanos. Era ali que relatava o que encontrava pelos areais de Cascais ao longo das suas maratonas.

Mas a história destas caminhadas que a transformaram numa beachcomber — já lá vamos — é bem mais antiga. “Toda a vida fiz grandes caminhadas pela praia, com o meu pai. Tive a sorte de viver mesmo ao lado da praia desde miúda, portanto para mim é normal fazer passeios durante a maré vazia”, conta a bióloga. A "sua" praia é na Parede, a praia das Avencas, mas agora, a viver em Cascais, ajusta o passeio aos materiais. Ou o lixo às suas necessidades.

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A colecção da bióloga marinha é variada e com objectos de todas as cores

Não se pode dizer que a veia de acumuladora de objectos seja nova. Sempre foi juntando o que encontrava pela praia, mas à medida que começou a ver mais lixo começou também a ficar mais preocupada com a questão ambiental. A formação também deu uma ajuda. Depois da licenciatura em Biologia Marinha e Pescas — e antes de se dedicar em definitivo a esta tarefa de pedagoga — passou uns anos na área piscatória e no Laboratório Marítimo da Guia, em Cascais.

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A Balaena Plasticus é uma das obras que Ana Pêgo vai recuperar numa exposição em 2018

Ser beachcomber é limpar e recolher o lixo encontrado nas praias, que é depois reutilizado. Ana usa algum do lixo que vai juntando para mostrar o que está nos nossos oceanos e acaba nas praias. As apresentações de lixo da bióloga servem para demonstrar a mensagem que está a tentar passar: o lixo marinho é uma preocupação.

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Uma baleia feita de beatas encontradas na Praia da Rainha

Sem ser professora, utiliza o que recolhe para ensinar que não deveria ser normal chegar-se à praia no Inverno e ver lixo — e que é errado pensar “o mar trouxe, o mar leva”. “A educação ambiental não deveria ser só para as crianças, mas também para os adultos", defende. "Quem vai às compras são os adultos, quem toma decisões são os adultos.” Considera também que existe uma grande falta de informação sobre a poluição dos oceanos: há pessoas que lhe enviam mensagens para a página do Plasticus Maritimus ou dizem nas exposições que nunca tinham pensado no assunto. “Nem sequer sabem que existe um problema chamado lixo marinho”, explica.

Balaena plasticus by Baleia Salgada & Kinta from Kinta Image on Vimeo.

Além das exposições, as colecções são a base da bióloga marinha para a criação de palestras e sessões educativas com crianças — às quais, por vezes, os adultos se juntam —, onde fala não só de lixo marinho, mas também de fauna marinha e dos animais que habitam os oceanos. “Se não soubermos o que há de bom, não percebemos o que estamos a proteger.”

Exposição Plasticus Maritimus até 16 Maio no CIAPS, em S. Pedro do Estoril from Quercus on Vimeo.

O que chega aos areais

Os oceanos guardam coisas inimagináveis, que acabam por ser descobertas nos passeios de Ana Pêgo pelas praias banhadas pelo Atlântico. Aliás, seria mais fácil perguntar à bióloga marinha o que é que nunca encontrou nos areais que percorre. Bonecos que saíam nos gelados dos anos 70? Colecção quase completa. As palhinhas que usamos para beber um refrigerante? É do lixo mais comun trazido pelas ondas. Isqueiros? De qualquer cor.

A conclusão de Ana é contundente: “Há estudos que indicam que, se não fizermos nada, em 2025 vamos ter tanto plástico como peixe nos oceanos." "Em 2050, vamos ter mais plástico do que peixe”, atenta. A questão principal está em como mudar os hábitos. “As pessoas não têm consciência de que alguns dos seus hábitos diários têm impacto no ambiente e ajudam a este estado de coisas." Prova disso são "as beatas de cigarros atiradas para o chão" e que não são biodegradáveis. "Estima-se que, em Portugal, sejam atiradas sete mil beatas por minuto para o chão”.

A obra Balaena Plasticus é um exemplo desta espécie de dever que Ana diz ter em informar e mostrar aos outros o lixo marinho acumulado nos oceanos. E acrescenta: “É um bom representante, como um dos maiores animais do mundo, de um dos maiores problemas que temos.”

Apesar de todos os problemas que envolvem este assunto, Ana Pêgo admite que há mais pessoas atentas à poluição marítima. Mas faltam medidas mais duras e alguma consciencialização. “As crianças podem ficar mais conscientes, mas se depois o pai ou o professor não tiverem a mesma opinião, isso fica por aqui, não muda nada”, diz, apontando a necessidade de educar não só os mais novos como os mais velhos.

As suas caminhadas regulares já não são aleatórias. Depois de tantos anos a percorrer estas praias, já sabe que se procura microplásticos ou peças mais pequenas tem de se deslocar às zonas ocidentais, enquanto os objectos maiores estão nas praias mais a sul. O trabalho de Ana Pêgo não se esgota na limpeza das areias e do mar que percorre — quem limpa são os beachcleaners. A bióloga aproveita para criar obras artísticas, apresentar as colecções de bonecos que saíam nos gelados dos anos 70 ou mostrar a diversidade do que se encontra nos areais. Foi assim há um ano, quando a Câmara Municipal de Cascais a convidou a criar uma exposição. Depois disso já passou por Aveiro e Pedra do Sal, entre entrevistas. Os próximos passos serão dados na Fábrica das Artes, a convite do Centro Cultural de Belém, em 2018.