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Para a geração dessa miúda, pós-85, os Xutos & Pontapés aparecem não só como retrato de "Tentação", como também enquanto marco da memória colectiva de uma cultura, de um Portugal aqui e mais além

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Rui Gaudêncio/PÚBLICO

Era uma vez uma miúda cheia de vida, com muita “vontade de ir, correr o mundo e partir”, numa pequena cidade no centro do país. Essa miúda, aos 15 anos, agarrava nas mãos uma guitarra acústica e o seu professor beatnik incutia-lhe Xutos & ontapés, GNR, The Who ou Bowie. “Quando conseguires tocar e cantar em simultâneo, passo-te para a eléctrica”, assegurava o maestro.

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Era uma vez uma miúda cheia de vida, com muita “vontade de ir, correr o mundo e partir”, numa pequena cidade no centro do país. Essa miúda, aos 15 anos, agarrava nas mãos uma guitarra acústica e o seu professor beatnik incutia-lhe Xutos & ontapés, GNR, The Who ou Bowie. “Quando conseguires tocar e cantar em simultâneo, passo-te para a eléctrica”, assegurava o maestro.

Longe ainda de saber a definição (e a dimensão futura) do sorriso de conseguir largar o solo de O Homem do Leme; a anos-luz de perceber que a música, qual semibreve, seria um acidente de longa duração na sua vida, desfrutava de um presente pueril, no qual ela e os amigos juntavam-se em tardes inópinas para matar tempo e fazer nascer som.

Pouco depois, essa miúda via Xutos & Pontapés pela primeira vez, com o orgulho de saber que tinha conseguido, que tinha merecido a electricidade nas suas palmas. A inocência da altura não dava para muito mais, mas adjectivos como “melómano”, aquele que sente entusiasmo ou paixão pela música, já faziam parte do seu dicionário. Mas, e quando o léxico não basta para descrever o legado de alguém?

Para a geração dessa miúda, pós-85, os Xutos & Pontapés aparecem não só como retrato de Tentação, emitido num especial televisivo num qualquer sábado à noite dos 90, como também enquanto marco da memória colectiva de uma cultura, de um Portugal aqui e mais além que, bem ou mal, consegue trautear pelo menos um dos seus temas.

É tão fácil esquecer de onde vimos que criticamos cegamente o passado. Mais de dez anos volvidos, a maturidade dos dias cansados encara de outro prisma “o fim do mês, [que] já cá está outra vez”. Daí que este final de Novembro relembre e traga a percepção de que o infame punk e rock’n’roll deixou muito mais do que escudos nas nossas contas bancárias. Inspiração, vontade de fazer e curiosidade de explorar a música à nossa maneira é o mínimo que se extrai de alguém que será “para sempre” um embaixador da cultura portuguesa.

Ao crescer, a miúda cruzar-se-ia algumas vezes com Zé Pedro, ora em lides profissionais, a tentar dar-lhe a conhecer uma banda e a convencê-lo a rodá-la no seu Radar; ora por ocasião, em concertos inesquecíveis de ídolos partilhados. A audição de Xutos, essa, ficaria arredada até ao dia de hoje. Também as notas e os acordes da guitarra ficariam de lado, esquecidos na velocidade do quotidiano.

"O rock'n'roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente. Não é preciso ser músico para se sentir, tem que ver com aventura. Pode ter que ver com uns certos limites na vida, mas tem, acima de tudo, que ver com a realização pessoal de uma vida mexida", afirmou Zé Pedro, ao Diário de Notícias.

A miúda é uma em milhões de miúdos e miúdas por esse país fora. A miúda não é imortal, mas o Zé Pedro sempre o será. Por isso mesmo, está na hora de ir procurar a tal guitarra, relembrar aquele solo e cantar.