A pão, pó e fogo

Com 90.000 hectares espalhados por seis concelhos dos distritos da Guarda e Castelo Branco, mesmo que já tenhamos estado várias vezes na serra da Estrela há sempre coisas novas para descobrir, como comprovámos num passeio todo-o-terreno.

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João Cortesão. Clube Escape Livre

Comecemos pela parte menos agradável, de que não têm qualquer culpa os organizadores deste passeio todo-o-terreno – a Mercedes-Benz e o Clube Escape Livre. Logo no caminho para Unhais da Serra, uma vila com cerca de 2000 habitantes a 20 quilómetros da Covilhã, que serviu de base ao evento durante o fim-de-semana, percorrendo a A23, a Auto-Estrada da Beira Interior, pudemos ver e sentir ao vivo a desolação provocada pelos incêndios — grandes feridas negras no verde que ainda resta. E mesmo durante o passeio, as paisagens deslumbrantes que se abriam nos trilhos e veredas eram em vários sítios manchadas pelas extensões de árvores pretas e sem vida, qual cruzes num cemitério.

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Comecemos pela parte menos agradável, de que não têm qualquer culpa os organizadores deste passeio todo-o-terreno – a Mercedes-Benz e o Clube Escape Livre. Logo no caminho para Unhais da Serra, uma vila com cerca de 2000 habitantes a 20 quilómetros da Covilhã, que serviu de base ao evento durante o fim-de-semana, percorrendo a A23, a Auto-Estrada da Beira Interior, pudemos ver e sentir ao vivo a desolação provocada pelos incêndios — grandes feridas negras no verde que ainda resta. E mesmo durante o passeio, as paisagens deslumbrantes que se abriam nos trilhos e veredas eram em vários sítios manchadas pelas extensões de árvores pretas e sem vida, qual cruzes num cemitério.

O fim-de-semana em que decorreu o passeio foi o dos mais de 500 incêndios por todo o país, muitos deles nas zonas por onde passámos. Mas mesmo assim tivemos a sorte que faltou aos habitantes locais — por uma questão de horas (o evento terminou com um almoço no domingo), não sentimos na pele os fogos que assolaram a região. Porém, isso não nos livrou de uma experiência inédita: num passeio todo-o-terreno, a lama é prato obrigatório. Desta vez, nos trilhos duros, a lama deu lugar ao pó. Num Outubro quente e seco como se estivéssemos em Julho, a queda de água do Poço do Inferno, em Manteigas, só tinha a paisagem da queda — de água nem um pingo: os locais não se lembram de ver a cascata completamente seca, nem mesmo no pico do Verão.

Não fiquemos, porém, com a ideia de que foi tudo negativo. Bem pelo contrário: os mais de 50 participantes neste evento (e respectivas famílias) puderam desfrutar de uma experiência rica tanto em termos de paisagens que só existem fora do alcatrão, como da componente cultural que sempre é incluída nestes passeios.

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João Cortesão- Clube Escape Livre

Um passeio todo-o-terreno é uma experiência obrigatória para quem tenha um SUV com algumas aptidões para circular fora de estrada. Mesmo como acompanhante é uma oportunidade para descobrir recantos de Portugal que de outra forma seriam inacessíveis: todos os que participam pela primeira vez num evento deste tipo ficam adeptos e repetem a experiência.

Existem vários passeios todo-o-terreno, alguns exclusivos para veículos de uma determinada marca, outros multimarca, com vários graus de dificuldade mas com um ponto comum — são eventos para toda a família, dos mais velhos aos mais novos. Podem ter alguma pitada de adrenalina, como alguns corta-fogos íngremes, descidas e subidas acentuadas, para que os condutores possam ficar a conhecer as potencialidades dos seus veículos, mas há sempre o cuidado de não meter os participantes por trilhos e picadas difíceis que possam causar quaisquer danos aos veículos. As velocidades moderadas e a apreciação da natureza são a base destes passeios.

No caso concreto, o Mercedes-Benz 4Matic Experience, que já vai na 6.ª edição, está reservado aos veículos da marca que disponham de tracção integral, possibilitando às pessoas um conhecimento real das suas viaturas. Sendo a maioria repetentes, há sempre alguns estreantes. Em especial para esses, foi organizado um curto percurso nocturno onde se puderam familiarizar com a sinalética dos roadbooks, cadernos com descrição pormenorizada dos itinerários a cumprir.

O hotel

A anteceder a saída nocturna, houve a recepção e jantar no hotel. Ambos uma muito agradável surpresa. O H2otel Congress & Medical Spa é um moderno hotel de montanha a 750 metros de altura construído de raiz sobre as termas de Unhais da Serra e, sendo moderno e bonito, está bem integrado na paisagem. É de 4 estrelas superior, mas as instalações e serviços disponibilizados não ficam nada a dever aos oferecidos por muitos estabelecimentos de 5 estrelas. Pelo contrário — sendo especializado em tratamentos termais de spa e de bem-estar, o seu Aquadome (assim se designa este spa de montanha) é uma referência, com centro de fitness, banho turco, circuito celta, duche de contrastes, sauna, um amplo lago interior com dois níveis e uma cascata, pontilhado por dezenas de jacuzzis, com ligação à piscina exterior, proporcionando uma visão ampla e deslumbrante, por estar circundado por uma superfície envidraçada com dois andares de altura. Todos os quartos têm vista para a montanha e o serviço de bar e restauração está ao nível de um hotel de luxo. Por isso mesmo, tem uma taxa de ocupação elevada e muitos clientes habituais.

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João Cortesão- Clube Escape Livre

No dia seguinte, iniciamos o passeio a sério, que se prolonga por 250 quilómetros, todos percorridos no Parque Natural da Serra da Estrela.

A primeira paragem é no Centro de Limpeza de Neve da Serra da Estrela, que presta serviços não só na zona do parque natural mas também nas regiões circundantes. Depois de serem mostrados a maquinaria e os meios à disposição para remover a neve e manter as estradas abertas, surge a pergunta inevitável: por que é que, logo aos primeiros nevões, as estradas ficam cortadas?

Há vários factores, referem os responsáveis do centro. Um deles é o tipo de neve, que é pesada e ao cair forma logo uma camada de gelo que torna difícil ou impossível a circulação. Outro é a impreparação e incúria das pessoas, que se aventuram pelas vias geladas em veículos normais sem correntes de neve (obrigatórias em muitos países), apesar de todos os avisos. Para além do perigo para as pessoas, um carro imobilizado no meio da estrada impede que os limpa-neves se possam deslocar e fazer o seu trabalho. Por isso, por precaução, procede-se ao corte das estradas logo que as condições possam representar algum perigo para quem circula por elas. Com viaturas apropriadas e devidamente equipadas, é possível, em certas circunstâncias, obter autorização para utilizar as estradas interditas ao trânsito.

O Museu do Pão

Após passagem pela queda de água (seca) do Poço do Inferno e pela nascente do rio Mondego, por montes e vales, chegamos ao Museu do Pão, em Seia, local do almoço.

Estes passeios, para além da parte lúdica e paisagística, incluem sempre uma componente cultural. Desta vez, o pão é o tema de fundo. Mais que um simples alimento, o pão tem uma importância religiosa, cultural e política que é realçada neste museu, único na Península Ibérica e de visita obrigatória. São quatro as salas que compõem este espaço. Na do Ciclo do Pão, descreve-se e recria-se o fabrico do pão, desde a semente lançada à terra até à colheita dos grãos, a sua transformação em farinha e por fim a feitura do pão. Na do Pão Político, mostra-se a relevância social, política e religiosa do pão, um símbolo mais que um simples alimento, percorrendo a história de Portugal desde 1640 até 1974. A terceira sala é a da Arte do Pão, da sua influência e inspiração para escultura, pintura, azulejaria, filatelia e arte sacra, bem como uma mostra dos diferentes tipos de pão feito em Portugal. Por fim, no Espaço Temático, dirigido aos mais novos, encontram-se bonecos em movimento representando os hérmios, gnomos protectores dos montes Hermínios, numa viagem imaginária e mitificada ao passado do pão e em que as crianças também podem modelar a massa e observar a confecção do pão.

E como nem só de pão vive o homem, no restaurante do museu podem-se desfrutar as iguarias da região, pratos típicos acompanhados, como não podia deixar de ser, por uma abundante variedade de pães de trigo, milho, cevada e centeio. Na Antiga Mercearia, anexa ao museu, é possível comprar vários tipos de pão, enchidos, azeites, doces, compotas e brinquedos de madeira.

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João Cortesão- Clube Escape Livre

O pequeno-almoço de roupão

Com a barriga e o espírito cheios, é tempo de voltar aos trilhos, veredas, corta-fogos e estradões rumo ao hotel e a um descanso que pode ser aproveitado para uma visita ao spa, antes do jantar. Porém, para todos, incluindo quem ainda não tenha desfrutado do magnífico centro de bem-estar, o programa do evento reserva um ritual — o pequeno-almoço de roupão.

É costume neste hotel os hóspedes irem tomar o pequeno-almoço de roupão antes de utilizarem o spa. Porém, dada a abundância e variedade do pequeno-almoço, há quem faça o ritual ao contrário: ir primeiro ao Aquadome e só depois apreciar o repasto.

O curto trajecto de domingo até ao almoço de encerramento na Quinta da Hera, nas imediações da Covilhã, inclui uma passagem pelo Fundão com visita ao Centro de Interpretação da Moagem do Centeio, ou não fosse o pão o tema cultural deste passeio. Este espaço museológico, aberto em 2009, foi uma fábrica de moagem de cereais desde 1920 até 1989. Pegada à estação da CP, para facilitar a recepção dos cereais e o envio das farinhas, chegou a produzir até 300 toneladas diárias de farinha pelos mais modernos processos de fabrico à altura. A primeira central eléctrica do Fundão, que forneceu energia a esta cidade (uma das primeiras do interior a ter electricidade), foi construída para alimentar a fábrica.

Depois é o curto percurso, já todo feito pelo alcatrão, rumo à Quinta da Hera, ao almoço bem servido e ao final de um fim-de-semana bem passado, sem incidentes e repleto de experiências para recordar (a grande maioria boas, mas algumas, infelizmente, más, como já referimos).

A Fugas participou neste evento a convite da Mercedes-Benz e do Clube Escape Livre