Novos fármacos para o cancro devem garantir qualidade de vida dos doentes

Sociedade de Oncologia defende que “o custo do medicamento” não poder ser só “o que o Estado paga”. E alerta para o “impacto brutal” de alguns fármacos na vida de pessoas que ficam “impedidas de trabalhar”.

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Associação alerta que “há certos apoios que grande parte dos utentes não tem consciência que existem” Rui Gaudêncio

Uma terapêutica tem bons resultados no combate à doença, mas se deixa o doente durante meses fechado em casa, debilitado, “devemos continuar a chamar-lhe uma boa terapêutica”? A questão é da presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) que quer colocar em debate a questão: “Se as pessoas perdem qualidade de vida isso tem que penalizar mais a avaliação dos medicamentos e terapêuticas.”

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Uma terapêutica tem bons resultados no combate à doença, mas se deixa o doente durante meses fechado em casa, debilitado, “devemos continuar a chamar-lhe uma boa terapêutica”? A questão é da presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) que quer colocar em debate a questão: “Se as pessoas perdem qualidade de vida isso tem que penalizar mais a avaliação dos medicamentos e terapêuticas.”

Gabriela Sousa propõe que, nos medicamentos a ser introduzidos, “possa haver uma avaliação da realidade adaptada ao doente, onde o doente possa responder a inquéritos sobre como está a decorrer a sua qualidade de vida”. E acrescenta: “É completamente diferente termos um doente que está a fazer um tratamento e tem que ficar em casa, bastante limitado, com alterações da sua condição física e termos doentes que mantêm a sua vida laboral activa.”

Para a presidente da Sociedade de Oncologia “este tipo de conceitos devem entrar na avaliação do custo do medicamento”. “O custo do medicamento não pode ser encarado só como aquilo que o Estado paga, mas o valor social que tem”, esclarece. Pode haver, por isso, medicamentos baratos, mas com elevado custo social porque “têm um impacto brutal nas pessoas e, por isso, impedem-nas de trabalhar”.

E, por ser “difícil para os decisores saberem o que valorizam os doentes”, a SPO inquiriu, em Setembro e Outubro, 333 pessoas que têm ou tiveram doença oncológica. A maioria das respostas são de mulheres entre os 40 e 44 anos, residentes na Grande Lisboa, casadas, empregada e com filhos. Pelo tamanho da amostra e dado que a maioria dos doentes está associado ao cancro de mama, Gabriela Sousa admite que esta postura “pode não ser transversal a todos, mas os dados não deixam de ser importantes para os médicos perceberem onde têm que trabalhar mais”.

Os resultados do inquérito são apresentados esta sexta-feira, no segundo dia do Congresso Nacional de Oncologia, que decorre até domingo no Centro de Congressos de Aveiro.

“Marginalização”

Mais de metade dos doentes oncológicos inquiridos, maioria mulheres com cancro de mama, acreditam que a luta contra a doença não é uma prioridade política em Portugal, não se investe o suficiente e o país está desfasado em relação aos parceiros europeus. A relação de confiança que não têm com a política é compensada nos médicos: a maioria sente-se envolvida nos tratamentos e é ao seu médico que recorre em caso de dúvida. Mas há uma frente burocrática a dificultar-lhes o caminho.

O sentimento de “marginalização” é comum entre os utentes apoiados pela Associação de Apoio a Pessoas com Cancro (AAPC), nota Susana Pires Duarte, directora da instituição sediada em Matosinhos. “Os nossos utentes têm essa sensação principalmente em casos que envolvem o regresso ao trabalho, os atrasos nos pagamentos e lacunas nas baixas”. Contudo, “há certos apoios que grande parte dos utentes não tem consciência que existem”, repara.

Não é que a informação não exista, mas muitas vezes não é fácil de entender ou não é de fácil acesso, acredita Susana Pires Duarte. De facto, a clareza e o esclarecer de informação são os aspectos mais valorizados pelos utentes numa consulta, concluiu o inquérito da SPO.

Questão económica

Contudo, há uma questão em que os resultados da Sociedade de Oncologia divergem de forma acentuada da percepção de Susana: para os inquiridos, a questão financeira é a menor das preocupações. Mas as dificuldades económicas continuam na ordem do dia nesta associação que apoia cerca de 400 utentes, na sua maioria, encaminhados dos gabinetes sociais dos hospitais à volta do Porto. Os custos de deslocação e de alojamento na cidade são uma “questão dramática” para muitas famílias. “Poderá haver apoios, mas nunca, nunca chegam para tudo”, reforça.

Susana não deixa de notar o trabalho das associações e redes de apoio que, diz, “têm muita relevância para o bem-estar e aumento da qualidade de vida do doente”. Facto que ficou aquém no inquérito: em caso de dúvida, a larga maioria consulta o médico, só 3% recorre a associações de doentes, folhetos informativos e linhas de apoio. Acredita Gabriela Sousa que a questão se prende na “necessidade de encontrar informação fidedigna” junto de um clínico.

“Ainda temos uma visão paternalista, até na medicina, e a figura do médico acaba por ter um importante papel. E as associações de doentes, que poderiam ter um papel mais forte e estar mais próximas, têm que colocar outras estratégias em marcha para poderem chegar aos doentes em tempo útil e passar a sua informação”, diz.

Reconhecendo o seu “papel fundamental”, a presidente da SPO acredita que as associações de apoio se deviam “capacitar mais” no apoio social, laboral e jurídico.

Satisfeitos com tempo de consulta

Voltando a olhar para a governação, há no inquérito outras opiniões maioritárias: 60% dos inquiridos acham que existem “demasiadas assimetrias regionais” na prevenção e tratamento do cancro e 59% está seguro de que falta implementar um programa de rastreios organizados a nível nacional.

A confiança é votada nos médicos. Mais de 80% sente que foi envolvido nos tratamentos e é o envolvimento na decisão o aspecto que a maioria mais valoriza na terapêutica. Nesse campo, há um dado surpreendeu a SPO: 76% dos inquiridos estão satisfeitos com o tempo da consulta.

A morte é a principal preocupação de 32% dos inquiridos e, se as preocupações pudessem ser catalogadas em lista, logo a seguir viria o impacto físico.

No dia-a-dia, a maioria reconhece efeitos psicológicos, como o aumento dos níveis de ansiedade e mudanças de humor (68%), consequências físicas, como a perda de mobilidade, náuseas e fadiga (60%) e impactos nas suas capacidades no trabalho (59%).