A árdua tarefa de Angela Merkel para formar um governo

Chanceler mantém desejo de negociar com SPD, sociais-democratas repetem que querem liderar a oposição. Ninguém espera um governo antes de Dezembro.

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Angela Merkel disse que continua disponível para renovar a "grande coligação" KAI PFAFFENBACH/REUTERS

Foi uma chanceler em modo de gestão de crise a que apareceu no dia a seguir às eleições que venceu, mas com o segundo pior resultado da história do seu partido. Angela Merkel parece ter as opções muito limitadas para o seu quarto mandato, que se espera que seja o último, e se era antecipado que pudesse levar a cabo medidas ao encontro das propostas do Presidente francês, Emmanuel Macron, para avançar na integração europeia, a actual situação deixa muitas dúvidas sobre se o conseguirá fazer.

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Foi uma chanceler em modo de gestão de crise a que apareceu no dia a seguir às eleições que venceu, mas com o segundo pior resultado da história do seu partido. Angela Merkel parece ter as opções muito limitadas para o seu quarto mandato, que se espera que seja o último, e se era antecipado que pudesse levar a cabo medidas ao encontro das propostas do Presidente francês, Emmanuel Macron, para avançar na integração europeia, a actual situação deixa muitas dúvidas sobre se o conseguirá fazer.

A chanceler alemã disse ontem que mantém a possibilidade de negociar a renovação de uma “grande coligação” com os sociais-democratas, a única outra hipótese que tem para além de uma coligação inédita, juntando aos seus democratas-cristãos, os verdes e os liberais.

Se só tiver uma opção de coligação ao seu dispor, estará muito mais sujeita às reivindicações dos partidos que precisa que se juntem a ela para ter uma maioria. 

Mas o SPD (centro-esquerda) repetiu que não quer fazê-lo, desta vez pela voz do vice líder parlamentar, Carsten Schneider. Embora criticado por não assumir a responsabilidade numa altura em que o país precisa de um governo estável, um SPD na oposição faz com que a AfD (Alternativa para a Alemanha, extrema-direita) não seja a principal força da oposição no Parlamento.

“Ouvi o que disseram, mas acho que devemos manter o contacto”, disse Merkel em conferência de imprensa.

Depois do choque eleitoral da noite anterior ficou clara a perda dos dois partidos da grande coligação: a CDU/CSU (democratas-cristãos) de Merkel teve o segundo pior resultado desde 1949; o SPD o pior de sempre.

Analistas discutem copo meio cheio ou meio vazio: quer isto dizer que o centro está a diminuir drasticamente ou que ainda assim aguentou o assalto da extrema-direita?

Na noite eleitoral da emissora pública ARD, Jorg Schönenborn, especialista em eleições, dizia que eventualmente a distinção entre grandes partidos (CDU e SPD) e pequenos (os outros) terá de ser reavaliada: os sociais-democratas terão um grupo parlamentar de 153 deputados, a AfD de 94.

Na conferência de imprensa de Angela Merkel na segunda-feira, era clara a diferença que um dia fez: jornalistas dispararam perguntas sobre a sua responsabilidade pelo resultado da AfD, pela campanha, o que sentia pessoalmente, o que poderia ter feito de diferente, se sentia que podia governar com um mandato tão fraco.  


Liberais e o euro

Com a AfD a ser totalmente recusada como potencial parceiro de coligação, resta a Merkel a hipótese “Jamaica” (chamada assim porque as cores dos partidos são as mesmas da bandeira deste país).

Esta seria uma experiência apenas tentada em estados federados, e, embora a CDU conseguisse provavelmente adaptar-se bem a uma coligação com um só destes partidos, os dois chocam mais entre si, especialmente em questões chave como a Europa e o euro – ontem, o líder dos liberais, Christian Lindner, sublinhou justamente a sua oposição a planos de mais integração da zona euro.

Os liberais defendem a possibilidade de expulsão de países do euro, se não cumprirem as regras e opõem-se a qualquer tipo de mutualização da dívida: uma linha vermelha para Lindner.

Uma “coligação Jamaica” poderia assentar em alguns temas comuns a liberais e verdes, como a protecção de dados e privacidade, especialmente online, e como responder aos desafios da digitalização, onde a Alemanha está a ficar penosamente para trás: num índice de competitividade digital da Universidade de Lausanne (Suíça), o país estava em número 17.

Mas esta coligação vai obrigar a negociações longas – ninguém espera um novo executivo antes de Dezembro – e duras, porque cada partido vai tentar maximizar a sua posição e ninguém quer acabar como os liberais em 2013, expulsos do Parlamento pelos eleitores após quatro anos de uma coligação caótica com Merkel.

Schäuble deve sair

A chanceler irá ter de jogar com programas políticos e composição do Governo. É muito provável que tenha de sacrificar Wolfgang Schäuble para dar o Ministério das Finanças aos liberais, ficando assim privada do ministro mais popular do seu Governo e, mais, de uma ligação essencial à parte mais conservadora da CDU. Depois deste resultado, é provável que muitos no partido questionem se foi sensato levá-lo tão para o centro: o líder bávaro Horst Seehofer foi o primeiro a dizê-lo logo na noite eleitoral.

E se normalmente a CDU/CSU age em tandem – a CSU só concorre na Baviera, ficando a CDU de fora nesse estado federado –, na manhã da ressaca eleitoral houve notícias de que a CSU poderia considerar separar-se do grupo parlamentar da União, que junta os dois partidos. A notícia acabou por ser desmentida pouco depois, mas um desacordo muito público entre Merkel e Seehofer quando à criação de um limite máximo à entrada de refugiados em 2016 deixou os dois partidos mais afastados. Para formar a coligação com verdes e liberais, Merkel precisa da CDU/CSU unidas: sem os deputados da CSU, a “coligação Jamaica” não tem uma maioria.