Violência sexual "é o último reduto que é preciso destapar"

É preciso mais articulação a nível local para proteger as vítimas de violência doméstica dos agressores, evitando o recurso às casas-abrigo, diz a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Catarina Marcelino.

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Catarina Marcelino lamenta as lacunas na resposta à violência sexual Rui Gaudêncio

Tem referido várias vezes que é preciso garantir o afastamento dos agressores nos casos de violência doméstica. O que falta fazer para que isto aconteça de facto?
A nossa lei é uma boa lei, mas precisamos de uma melhor articulação no terreno para que funcione, nomeadamente nesta questão do afastamento do agressor. Por exemplo, em Portugal não se pode deter pessoas sem ser em flagrante delito a não ser em casos muito especiais. E a Lei 112/2009, sobre violência doméstica, prevê que, mediante uma avaliação de risco por parte da polícia, possa haver uma detenção sem flagrante delito. Mas é preciso que isto aconteça na prática. E é importante uma articulação entre as forças de segurança e o Ministério Público, que permita muitas vezes que se consiga o afastamento do agressor e que a vítima não vá para uma casa-abrigo. Porque esse é o grande objectivo, que as mulheres se possam manter na sua comunidade, e se possam manter na sua casa, com os seus filhos. É essa a estratégia, e ainda espero que venham coisas novas a acontecer para este objectivo.

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Tem referido várias vezes que é preciso garantir o afastamento dos agressores nos casos de violência doméstica. O que falta fazer para que isto aconteça de facto?
A nossa lei é uma boa lei, mas precisamos de uma melhor articulação no terreno para que funcione, nomeadamente nesta questão do afastamento do agressor. Por exemplo, em Portugal não se pode deter pessoas sem ser em flagrante delito a não ser em casos muito especiais. E a Lei 112/2009, sobre violência doméstica, prevê que, mediante uma avaliação de risco por parte da polícia, possa haver uma detenção sem flagrante delito. Mas é preciso que isto aconteça na prática. E é importante uma articulação entre as forças de segurança e o Ministério Público, que permita muitas vezes que se consiga o afastamento do agressor e que a vítima não vá para uma casa-abrigo. Porque esse é o grande objectivo, que as mulheres se possam manter na sua comunidade, e se possam manter na sua casa, com os seus filhos. É essa a estratégia, e ainda espero que venham coisas novas a acontecer para este objectivo.

Como analisa os dados sobre as mulheres vítimas de homicídio?
Sabemos que este ano, até agora, já morreram 12 mulheres vítimas de homicídio por parte de companheiros ou ex-companheiros. Entre 2004 e 2014 morreram uma média de 40 mulheres por ano, nos últimos anos a média tem sido mais baixa, o que não nos deve tranquilizar. Grande parte dos homicídios são cometidos por ex-companheiros e ex-maridos, que é outra escalada de violência após a saída e o rompimento com o processo de violência. Também há casos em que o sistema tem falhado, não vou negar, temos que fazer mais e melhor, mas há uma consciência muito grande do ponto de vista quer das instituições públicas, quer das ONGs. Este trabalho na área da violência é feito numa proximidade que não deve haver em mais área nenhuma da intervenção das políticas públicas em Portugal. Temos um grupo de trabalho constituído desde que este Governo tomou posse. Reunimos de dois em dois meses um grupo grande de ONGs, o Ministério da Justiça, a Administração Interna, Igualdade, Educação, a Habitação vai-se juntar. Há aqui um esforço grande de tentar que este processo possa alterar-se no país.

Está a ser revisto um diploma sobre o funcionamento das redes de apoio às vítimas de violência doméstica. O que é que não estava a funcionar no modelo anterior?
A Lei 112/2009 define três tipos de resposta para vítimas: atendimento, emergência e casas-abrigo. Só existia regulamentação para o funcionamento das casas-abrigo, o que levava a que, por exemplo, no atendimento, acontecessem coisas que não deviam acontecer. Por exemplo, a mesma equipa, no mesmo local, atender vítimas e agressores, o que é tecnicamente errado. Isto não é generalizado, mas acontecia em alguns sítios. O que estamos a fazer é definir regras para que este tipo de coisas não aconteça, por exemplo, definir o número de técnicos que deve existir em cada resposta de atendimento. Estamos a regulamentar o que a lei definiu, e que aliás já devia ter sido regulamentado. A sua aprovação deve estar para muito breve.

Vai iniciar-se um processo de avaliação da aplicação em Portugal da Convenção de Istambul, um diploma do Conselho da Europa de combate à violência doméstica e de género. O que falta fazer para cumprir os princípios desta convenção?
Há uma área muito importante em que demos o primeiro passo este ano mas que ainda temos que desenvolver, que é a área da violência sexual. Do ponto de vista da intervenção é fundamental e vai ao encontro da convenção. É uma área que o país precisa de facto de trabalhar mais, costumo dizer que é o último reduto a que é preciso destapar o véu. É uma área muito sensível, que não tem só que ver com aquilo que nos vem à cabeça quando pensamos em violência sexual, das mulheres que são abusadas ou violadas na rua, mas também é da esfera da violência na intimidade, a violência conjugal. E as pessoas normalmente não falam com facilidade sobre o tema.

O que pretendem fazer para responder a este problema?
Abrimos o primeiro centro de crise para vítimas de violência sexual em Portugal, num protocolo com a Associação de Mulheres Contra a Violência. Queremos dar mais passos neste sentido, e esperamos que no Norte do país possa haver alguma organização que esteja disponível para, connosco, criar também no Porto um centro desta natureza, para pelo menos ter uma resposta no Sul e uma no Norte. Isto já acontece no atendimento na área da violência das pessoas LGBTI, temos projectos a funcionar em Lisboa e um no Porto. com Margarida David Cardoso