De costas voltadas

Pergunto à minha geração: porquê deixar o vosso futuro ser moldado por algo que não compreendem, não porque vos falta capacidade de compreensão, mas sim porque vos falta vontade de compreender?

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StockSnap/ Pixabay

Com o estado da relação em "é complicado" há consideravelmente mais tempo do que seria expectável, as ligações entre a população jovem e a política caíram numa triste rotina que prevê um futuro preocupante para o país. O que muitos, inclusive os mais jovens, não entendem é que, enquanto o gosto atentivo pela política e pelas suas peripécias é opcional, o interesse mínimo pela mesma é algo que, obrigatoriamente, vem com o cartão de cidadão. Pertencer a uma sociedade civil e, consequentemente, estabelecer relações, como cidadão, com uma implica que exista uma correspondência de préstimos. Ora, a participação activa na vida política de uma nação, que tem como mínimo o uso do poder de voto, figura-se com um dos préstimos que caem nos ombros dos residentes desse mesmo país. Após uma ligeira análise da conjuntura actual, verificamos que, aos olhos da massa juvenil, o Parlamento serve como palco de uma peça de teatro, cujo enredo é demasiado confuso e a acção demasiado fastidiosa, para que o interesse seja despertado e, quando é, a reacção motivada por este é tida com inconsequente. Esta visão, aliada à crescente perda de confiança nos actores que presenciam as cenas, sentenciaram-nos a esta posição: em que os que vão viver no amanhã não o ajudam a construir.

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Com o estado da relação em "é complicado" há consideravelmente mais tempo do que seria expectável, as ligações entre a população jovem e a política caíram numa triste rotina que prevê um futuro preocupante para o país. O que muitos, inclusive os mais jovens, não entendem é que, enquanto o gosto atentivo pela política e pelas suas peripécias é opcional, o interesse mínimo pela mesma é algo que, obrigatoriamente, vem com o cartão de cidadão. Pertencer a uma sociedade civil e, consequentemente, estabelecer relações, como cidadão, com uma implica que exista uma correspondência de préstimos. Ora, a participação activa na vida política de uma nação, que tem como mínimo o uso do poder de voto, figura-se com um dos préstimos que caem nos ombros dos residentes desse mesmo país. Após uma ligeira análise da conjuntura actual, verificamos que, aos olhos da massa juvenil, o Parlamento serve como palco de uma peça de teatro, cujo enredo é demasiado confuso e a acção demasiado fastidiosa, para que o interesse seja despertado e, quando é, a reacção motivada por este é tida com inconsequente. Esta visão, aliada à crescente perda de confiança nos actores que presenciam as cenas, sentenciaram-nos a esta posição: em que os que vão viver no amanhã não o ajudam a construir.

Debrucemo-nos sobre o seguinte: é mais do que sabido que o que move os eleitores move os candidatos. Logicamente, se os mais novos não constituem um grupo eleitoral promitente, as suas necessidades não serão tidas como prioritárias e, num cenário de desinteresse e ignorância, as más políticas florescem. “Se querem fazer algo errado, escondam-no atrás de algo aborrecido.”. Neste novo Mundo, a gratificação imediata é algo esperado. Todo e qualquer assunto que não possa ser reduzido a um vídeo de três minutos ou a um artigo com quatro parágrafos não é digno do nosso tempo. A política está longe de pertencer a este prisma, não é preto no branco, nem direita ou esquerda, como muitos crêem, é um espectro, é cansativa, extensa e intensa, porém, os resultados do seu exercício regem toda a sociedade, da educação e saúde à defesa e relações internacionais, daí a indiferença pela mesma ser tão problemática.

E que desinteresse é este? Será pela política como um todo ou apenas pela política como se figura agora? “São todos iguais.”, “Não vale a pena votar, porque vai dar sempre ao mesmo.” – frases do género são proferidas por desculpa eficaz, mas esfarrapada. A crise iniciada em 2010 e a consequente aplicação de medidas de austeridade vieram escurecer o já negro cenário.

Para além do referido, há um foco que distrai e rouba recursos – as "microagressões". Falo pois das histórias da semana, das notícias que proporcionam mais cliques: o país debate, ferozmente, se Salvador Sobral ultrapassou um limite ao fazer uma observação relativa a flatulência e, no entretanto, o nosso Governo, publica e fortemente, contra medidas de austeridade, corta na saúde, na educação e defesa mais 1000 milhões de euros, através de cativações e pouca discussão se ouve sobre isso. Podia argumentar-se que o segundo acontecimento não foi tão publicitado, que é compreensível que as pessoas se interessem mais por uma polémica num concerto de solidariedade, do que por algo que ocorre no Parlamento. Contudo, argumente-se o que se argumentar, não deixa de ser chocante o facto de, se pesquisarmos no Google
"Salvador Sobral peido", obtermos quase o dobro dos resultados, do que se pesquisarmos "cativações orçamentais 2017".

Por outro lado, novos modos de criar mensagens políticas aparecem: o boicote (a eventos, organizações, produtos, empresas etc.), os protestos presenciais, as petições… – todas formas válidas de expressar opiniões que, obviamente, têm um impacto substancial. Porém, isso não se compara à força do voto. E quais são os valores da abstenção jovem? A plataforma noticiosa JPN avança que aceder à informação pessoal dos eleitores – a data de nascimento é um dado pessoal – implica a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados. "Chegar aos cadernos eleitorais implica, por sua parte, um pedido a cada tribunal de comarca, onde os votos são depositados, para conferir, registo a registo, a idade dos eleitores.” Ou seja, não há dados concretos em relação à mesma, sabemos apenas, de acordo com a Pordata, que, nas legislativas de 2015, a taxa de abstenção geral ficou pelos 44.1% e, nas presidenciais de 2016, pelos 51.3%, por isso, é fácil presumir que o número de jovens eleitores que não votam é alarmante.

Soluções? Bem, não sou especialista em política, muito menos sou uma, mas sou jovem e penso entender o suficiente para estar certa de que há, pelo menos, três medidas a adotar no que toca a remendar esta conflituosa relação: Primeiro, há que incutir o interesse pela política e pelo conhecimento dos procedimentos da mesma na escola – não seria, de todo, escandaloso dizer que o currículo do nosso (e muitos outros) sistema educativo está desatualizado, incompleto e mal-estruturado. Entre as disciplinas: "Área de Projecto", "Formação Cívica", apenas encontramos boas ideias no papel que, na prática, falharam, redondamente. Ninguém devia graduar-se do ensino secundário sem ter um conhecimento mínimo de economia, sem saber o que defendem as diferentes ideologias políticas e, presumivelmente, com a qual se identifica mais, sem compreender a importância de votar, etc. Segundo, os políticos precisam de reconhecer, verdadeiramente, que a única forma de criar um impacto duradouro é quebrando o ciclo, apostando na mudança de mentalidades, não só políticas, porque, enquanto essas caem com governos, as demais penduram, criando capital humano que se reproduzirá no futuro. A conversa passou de cafés para o Facebook, de debates ao vivo para fóruns online, o boom digital mudou o jogo, mas nem todos os jogadores parecem acompanhar as mudanças. Aliado ao amor por comida processada, há um desejo por informação processada, que cativa, que emociona. Neste novo prisma, os políticos têm a tarefa de não só “trazer à mesa” temas que importam, mas também de moldá-los de forma a salientar a sua importância e, principalmente, de forma a torná-los interessantes, focando os seus esforços nas plataformas que são relevantes hoje, não há 10 anos atrás. E, para finalizar, uma falha semelhante pode ser aponta aos media: não basta publicar o que é essencial, há que adorná-lo, há que usar as técnicas que são usadas para vender revistas cor de rosa. Não é justo culpabilizar os leitores por quererem passar um bom bocado, não é justo esperar que jovens, por muito sensibilizados que sejam, liguem a televisão para ver a ARTV. Os media têm o dever de vigiar e escrutinar a actividade política, levantando o véu de ignorância sempre que necessário, pois, apesar de haver registos, provas, declarações, etc. em registo público, é lógico que nada chegará a ser conhecido pelo eleitorado se os media não filtrarem, processarem e difundirem o que nos mesmos há de útil.

Por fim, dirigindo-me diretamente a vós, jovens que, como eu, têm de lidar com as consequências de uma crise que não é vossa e que compromete um futuro que é, uma crise que herdaram dos vossos pais, questiono: Porquê deixar o vosso futuro ser moldado por algo que não compreendem, não porque vos falta capacidade de compreensão, mas sim porque vos falta vontade de compreender? Nós somos, indiscutivelmente, a geração mais capaz de sempre e está na hora de começarmos a agir como tal. Há que recusar perder aquela esperança que nos diferencia, porque eu sei, aliás, tenho a certeza de que o primeiro passo para criar um futuro melhor é acreditar que ele é possível.