Marinha portuguesa ajuda a conter crime organizado no Mediterrâneo

Operação conta com 24 militares e cinco fuzileiros. Facilitadores do Leste da Europa transportam migrantes em iates de luxo numa nova rota que envolve a Albânia e novas redes de criminalidade com possível financiamento a células terroristas.

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A Marinha portuguesa participa desde 2014 nas operações da agência europeia Frontex no Mar Mediterrâneo para patrulhas realizadas entre a Itália e a Líbia. Mas enquanto nos primeiros anos a sua presença resultou sobretudo em operações de salvamento de homens, mulheres e crianças que faziam a travessia, actualmente a acção do Navio Patrulha Tejo, que chegou à área de operações no dia 22 de Julho, é destinada a conter actividades ilícitas com possíveis ligações ao crime organizado.  

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A Marinha portuguesa participa desde 2014 nas operações da agência europeia Frontex no Mar Mediterrâneo para patrulhas realizadas entre a Itália e a Líbia. Mas enquanto nos primeiros anos a sua presença resultou sobretudo em operações de salvamento de homens, mulheres e crianças que faziam a travessia, actualmente a acção do Navio Patrulha Tejo, que chegou à área de operações no dia 22 de Julho, é destinada a conter actividades ilícitas com possíveis ligações ao crime organizado.  

É esse o objectivo expresso do pedido feito pela Frontex (de segurança das fronteiras europeias), ao qual a Marinha respondeu com o envio do Tejo até 8 de Setembro, que será substituído por uma fragata da classe Vasco da Gama entre 15 de Outubro e 15 de Dezembro.

Concretamente, o navio de Marinha portuguesa está a operar numa nova rota escolhida por facilitadores que transportam migrantes, e onde está a desenvolver-se um "novo fenómeno" com "um novo meio de transporte" que levanta menos suspeitas entre a Albânia e a Itália, e a Turquia e a Itália, disse ao PÚBLICO o comandante Pedro Coelho Dias, porta-voz da Marinha.

São iates, ou veleiros de luxo, alugados na Grécia (ou na Turquia), registados em qualquer outro país, mas com bandeira hasteada dos Estados Unidos, que tentam assim fazer-se passar por barcos turísticos numa zona de ilhas muito procurada para visitas e passeios e por onde, todos os anos, passam milhares de iates ou veleiros do mesmo género.

Esta rota está a ser usada por facilitadores da Rússia e da Ucrânia, também nunca antes vistos no transporte de migrantes na tradicional rota entre a Líbia e a Itália, o que significa ligações deste tipo de actividade a novas redes de crime organizado.

Criminalidade organizada

"Estamos na presença de dois tipos diferentes de criminalidade organizada, uma proveniente de um Estado falhado – Líbia, nas mãos das diferentes facções, algumas com certeza ligadas às conhecidas células terroristas e que controlam parte do território, e para quem o transporte clandestino de pessoas passou a ser um negócio", diz Coelho Dias. "E outra, muito recente e de contornos distintos, de redes mafiosas do Leste da Europa, ucranianos e russos essencialmente. Para já tem sido essa a nacionalidade dos facilitadores que asseguram o transporte de migrantes com algumas posses em iates, alguns deles de luxo."

Há pouco mais de um mês no local, o navio Tejo que tem a bordo 24 militares e uma equipa de cinco fuzileiros da Marinha, interceptou dois iates no intervalo de menos de três semanas: um a 29 de Julho que transportava 45 pessoas; outro a 13 de Agosto com 50 pessoas a bordo. Nestes casos, o que aparenta ser uma viagem com cinco ou seis pessoas a bordo (as únicas que se vêem no convés) é afinal uma forma de transporte clandestino de dezenas de pessoas encurraladas e escondidas na parte interior do barco.

Num terceiro caso, no domingo passado, 20 de Agosto, os militares do navio da Marinha portuguesa detectaram um iate que navegava com 49 migrantes (mulheres, homens e crianças provenientes da Síria e Iraque) mas a operação foi conduzida totalmente pelas autoridades italianas. Este terceiro caso “atesta bem o fluxo que se verifica de iates com migrantes naquela área”, diz o comandante Pedro Coelho Dias. Com os Fuzileiros "estamos a dar uma resposta militar", continua Pedro Coelho Dias. "Entramos em força" porque no meio das pessoas que viajam por necessidade "pode haver pessoas armadas que retaliam". Nunca houve confontos ou retaliações, esclarece.

A bordo do navio de patrulha, para além dos militares, seguem uma enfermeira, um inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e um agente (que embarcou em Itália e confere legitimidade de actuação em todas as circunstâncias ao navio português em território marítimo italiano) pertencente à Guarda Italiana de Finanças (que investiga crimes de contrabando, tráfico de droga e de pessoas e auxílio à imigraçao ilegal).

Grupos extremistas? 

Nas recomendações aos oficiais de ligação dos serviços secretos, contidas em relatórios internos consultados pelo PÚBLICO, a agência Frontex destaca a necessidade de “reunir informação sobre grupos extremistas islâmicos envolvidos no transporte ilegal de migrantes da Líbia para Itália”. Os agentes são igualmente instados a “obter informação sobre os migrantes do Bangladesh, qual o seu destino final na Europa, e se chegam à Líbia directamente de países como a Arábia Saudita, o Qatar, Omã ou os Emirados Árabes Unidos”.

O financiamento do terrorismo será um entre outros fins das actividades ilícitas sob suspeita da Frontex? "Temos um país onde vivemos em segurança mas ao contribuirmos além-fronteiras para desmantelar uma rede de tráfico de seres humanos ou rede criminosa de introdução clandestina de migrantes na Europa, estamos a quebrar o financiamento indirecto para o desenvolvimento de outras actividades ilícitas", explica Coelho Dias.

Nas "outras" actividades ilícitas, podem estar "o tráfico da droga, o contrabando, o tráfico de armas e explosivos, o transporte de matérias perigosas não autorizadas [como armas ou explosivos que poderão] ter como destino as mãos dos grupos terroristas, das células que operam na Europa, na Síria, no Iraque”, acrescenta. O transporte clandestino e os elevados ganhos que proporciona podem também servir de “base de sustentação para o financiamento e operação das próprias células terroristas que operam globalmente”, conclui.

A Frontex recomenda ainda às equipas de identificação que estejam particularmente atentas a raparigas menores de 18 anos, de países da África subsariana, que tentam parecer adultas, ou ainda jovens mulheres acompanhadas por homens que se fazem passar por seus maridos ou familiares. Estes podem ser sinais de alerta de que se está perante casos de tráfico de seres humanos para exploração sexual ou laboral na Europa.