A lei protege os azulejos mas há quem os continue a vender

Alteração à lei passou a proteger todas as fachadas azulejadas do país, uma medida há muito desejada por grupos de defesa do património. Mas a luta destes grupos continua: há que regular a venda de azulejos antigos e proteger também os interiores.

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A Feira da Ladra só fecha às seis, mas antes das cinco já é hora de começar a arrumar a trouxa. Os comerciantes vão embrulhando lentamente as porcelanas em folhas de jornal, os discos em capas plásticas e os livros em caixas de cartão. Os azulejos, dispostos sobre toalhas e tapetes ou enfiados em caixas de fruta, vão ficando para o fim. São mais pesados do que a maioria das bugigangas que por ali se vendem e sempre se pode dar o caso de aparecer algum cliente de última hora.

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A Feira da Ladra só fecha às seis, mas antes das cinco já é hora de começar a arrumar a trouxa. Os comerciantes vão embrulhando lentamente as porcelanas em folhas de jornal, os discos em capas plásticas e os livros em caixas de cartão. Os azulejos, dispostos sobre toalhas e tapetes ou enfiados em caixas de fruta, vão ficando para o fim. São mais pesados do que a maioria das bugigangas que por ali se vendem e sempre se pode dar o caso de aparecer algum cliente de última hora.

Nesta feira lisboeta, que todas as terças e sábados se instala no Campo de Santa Clara, há muitos anos que se vendem azulejos. Uns são os típicos azuis e brancos portugueses, mostram pedaços de figuras que nos deixam a imaginar se pertenceriam a painéis com cenas campestres, de caça ou da vida de santos. Outros são mais coloridos: verdes, castanhos, azuis e amarelos convivem pacificamente em mosaicos que se percebe logo terem saído de uma qualquer fachada de prédio.

“Isto é uma coisa que os estrangeiros não têm lá na terra deles e gostam sempre de levar”, confidencia-nos uma comerciante, sem se identificar. Uma mulher italiana e as duas filhas andam em redor de uma caixa a escolher um azulejo que sirva de recordação da passagem por Lisboa. Noutra banca, dizem, prometeram vender-lhes quatro azulejos por cinco euros se regressassem no sábado. Aqui não se deixam ir na conversa: cinco euros por cada azulejo ou nada feito.

É o preço praticado por quase todos os feirantes. Os azulejos mais baratos custam três euros, há outros a quatro, a maioria é a cinco. Alguns, cuja representação vive sozinha – um caçador a cavalo pintado a azul, por exemplo – podem custar 12 euros. Mas, geralmente, consegue-se um “preço de amigo” para os mosaicos mais simples: por 15 euros levam-se quatro azulejos e não se fala mais nisso. “Se não fossem os estrangeiros nem se vendia nada disto”, acrescenta a mesma vendedora.

É por causa desta apetência de alguns turistas, que em vez de levarem um íman para o frigorífico preferem um souvenir mais typical, que continuam a ser roubados azulejos de muitas fachadas lisboetas e não só. Por outro lado, muitos prédios são reabilitados com demolição integral do seu interior, onde muitas vezes se esconde um tesouro azulejar ainda mais impressionante que os das fachadas.

Em Lisboa, desde 2013 que é proibido demolir edifícios com fachadas revestidas a azulejos – embora esta regra possa ser contornada. Essa proibição, bem como a de remover os pequenos mosaicos durante obras de reabilitação, estendeu-se agora a todo o país, através de uma revisão do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) que era há muito desejada por grupos de defesa do património. Em comunicado, os responsáveis do projecto SOS Azulejo, que funciona na dependência da Polícia Judiciária e que propôs a alteração legislativa, afirmam que esta “lei vem estancar a tendência destrutiva dos últimos 30 anos, que fez desaparecer — por via legal — centenas, senão milhares de edificações azulejadas em todo o país”.

“Estamos todos de parabéns!”, começava o comunicado. Ainda assim, a luta continua. O SOS Azulejo quer agora que “limitar e controlar a venda de azulejos antigos”, como a que se faz na Feira da Ladra, lojas de antiguidades e outras feiras de velharias pelo país. Os mosaicos colocados no interior dos edifícios continuam também relativamente desprotegidos.

Ovar cria incentivos à recuperação de azulejos

Lisboa tem, desde 2016, um banco municipal do azulejo que contava, em Abril deste ano, com 30 mil peças. A iniciativa da câmara da capital chegou tarde, comparativamente a outras autarquias. O concelho de Ovar, por exemplo, tem um Atelier de Conservação e Restauro do Azulejo (ACRA) desde 2001.

Entre esse ano e 2017, o ACRA “já terá intervencionado mais de 200 edifícios”, diz o presidente da câmara de Ovar, Salvador Malheiro, que garante que o município tem “apostado muito nesta riqueza”. Tanto assim é que, já este ano, o executivo autárquico aprovou um novo regulamento de apoio à reabilitação urbana que “discrimina pela positiva” os proprietários que queiram recuperar os azulejos das fachadas dos seus imóveis.

Até agora, a manutenção e valorização destes elementos nas fachadas não era obrigatória, embora os serviços do ACRA sejam muito requisitados. “Não temos meios suficientes para fazer face a tanta procura”, diz Salvador Malheiro. Com a nova legislação e o novo regulamento, afirma, essa preservação passa a ser incentivada. A câmara pode agora conceder “apoio financeiro de 50%” ou, em certos casos, “até 100%” às obras de reabilitação que recuperem azulejos.

“Temos a estratégia bem definida em torno do azulejo”, diz o autarca, enumerando diversas parcerias com universidades e instituições públicas, bem como iniciativas destinadas a miúdos e graúdos, locais e turistas. “Tem sido um sucesso impressionante”, conclui.