Entre o mar que chama e um mundo para descobrir

Um rapaz que saiu da ilha. Uma rapariga que só pensa em sair. Dois que ficaram. Quatro histórias sobre como é ser jovem numa ilha, no meio do Atlântico.

Fotogaleria

Na Rua República da Bolívia, em Benfica, mora alguém que sente falta do mar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Na Rua República da Bolívia, em Benfica, mora alguém que sente falta do mar.

Luis Duarte Sousa tem 21 anos, dois dos quais em Lisboa. E quase duas décadas no Caniçal, ali, no extremo Leste da Madeira, onde os dias correm calmos, como a espuma do Atlântico que vai desembocando na praia da vila.

Desde cedo – não consegue identificar quando, “talvez no início do secundário” – que sentiu que o Caniçal, mesmo a Madeira, era demasiado curto para os seus sonhos. Com o liceu feito, fez as malas e aterrou na Universidade Nova de Lisboa, para estudar Ciências da Comunicação. Encontrou-se.

“Viver numa ilha, pode cortar as asas. Há falta de oportunidades, e mesmo quando o talento abunda – porque existem tantas, e tantas pessoas talentosas –, é difícil mostrá-lo”, conta Luís. Em Lisboa tudo é diferente, diz. Fala, com entusiasmo, do teatro. Dos espectáculos. Das pessoas. Da oferta cultural diversificada. Da geografia larga, em que o horizonte parece mais distante. “Sempre gostei de viver na Madeira. De estar perto do mar. Mas sentia-me preso ali”, acrescenta, lamentando o que ficou (por agora) para trás. A irmã, mais nova. A família. Alguns amigos. Aquele cheiro a mar, que abraça toda a ilha.

Viver na Madeira tem “coisas boas”. A temperatura ou a segurança de poder andar na rua despreocupado. Por isso alegra-se também com os regressos. Com as férias. Com as saudades que se mata. Com as idas à praia, só para ver aquele mar, que é tanto esperança, como barreira para jovens, como o Luís, que querem saltar mais alto.

Cristiana Freitas também quer voar mais. São 18 anos a viver em Santana, aquela das casas típicas madeirenses que enchem os postais turísticos da ilha. É no coração da Madeira, na freguesia de São Jorge, que sente a falta de tanta, “mas tanta” coisa.

“Quero ir estudar para o continente”, apressa-se a dizer. Porquê? “É mundo que se ganha.” Resposta pronta na ponta da língua. O exemplo da irmã sublinha a vontade de ganhar asas estudado longe do conforto de casa. “A minha irmã [Carolina, 24 anos] estudou no continente, e quando regressou notámos a diferença. Mais interesses, mais experiências.”

É isso que Cristiana quer. É isso que Carlos e Catarina procuram na Universidade da Madeira (UMa), o único estabelecimento de ensino superior público do arquipélago. Estão a estudar gestão. Conhecem-se do curso, e das andanças da associação académica, que integram.

Catarina Gouveia, 21 anos, é mais nova. Nasceu e cresceu na Ribeira Brava, um dos concelhos mais jovens do país. A média nacional é de 16% de população na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. Na Ribeira Brava, a percentagem sobe para 20%, acompanhando a tendência das ilhas.

Segundo dados de 2015, compilados pelo Instituto Nacional de Estatísticas, dos 10 concelhos mais jovens, sete estão nos Açores e na Madeira. Como é viver numa ilha? “Eu sempre quis ficar por cá, nunca pensei em ir estudar para fora. Tenho aqui, em casa, junto dos meus amigos, tudo o que preciso”, garante, ajeitando-se na cadeira da esplanada do campus da UMa.

Ao lado, Carlos Ferreira, 22 anos, o curso de gestão acabado de fazer, acena que sim. “O que não temos aqui. O que não consigo encontrar no dia-a-dia, vou procurar nas férias.”

As novas tecnologias, a internet, a televisão por cabo, a profusão de centros comerciais, contribuíram para esbater a insularidade. Aproximaram o mundo dos jovens ilhéus, mas tanto Catarina como Carlos são realistas quanto ao futuro, e as poucas oportunidades que uma ilha oferece. "O curso de gestão é dos mais concorridos da universidade. São 50 alunos todos os anos. Não haverá lugar para todos”, observa a rapariga. Carlos interrompe. “É preciso ser flexível. Ser empreendedor." Ele tem uma porta já aberta, a empresa do pai. Mas se não funcionar, se não se sentir realizado, não coloca de parte procurar noutra geografia o que a Madeira não conseguir oferecer.

Catarina também. No próximo ano, quer fazer um Erasmus. Ganhar experiência fora do “ninho” e conhecer outras realidades.

Como Luis tem feito. Descobriu-se em Lisboa. Foi ali que começou um blog, onde vai relatando a vida na Rua República da Bolívia, e vai matando as saudades do mar.