Osso guardou marcas de uma velha ligação entre os humanos modernos e os neandertais

Análises de ADN mitocondrial a um fémur antigo encontrado numa gruta na Alemanha revelaram o que parece ser um novo “episódio” na história sobre a evolução humana. A descoberta esclarece o calendário da viagem dos genes africanos até aos neandertais.

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É mais uma peça de um complexo puzzle que vai sendo construído com análises genéticas a velhos e raros fósseis. Desta vez, os resultados de uma investigação liderada por cientistas da Universidade de Tubinga e do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha, apontam para um novo marco no calendário da viagem (ou viagens) dos hominíneos que partiram de África para a Europa. As análises de ADN mitocondrial a um fémur pertencente a um neandertal, que foi encontrado numa gruta na Alemanha, denunciam um encontro com os humanos modernos e uma mistura de genes que terá ocorrido há cerca de 220 mil anos.

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É mais uma peça de um complexo puzzle que vai sendo construído com análises genéticas a velhos e raros fósseis. Desta vez, os resultados de uma investigação liderada por cientistas da Universidade de Tubinga e do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha, apontam para um novo marco no calendário da viagem (ou viagens) dos hominíneos que partiram de África para a Europa. As análises de ADN mitocondrial a um fémur pertencente a um neandertal, que foi encontrado numa gruta na Alemanha, denunciam um encontro com os humanos modernos e uma mistura de genes que terá ocorrido há cerca de 220 mil anos.

As peças do puzzle recolhidas em anteriores investigações, apoiadas em análises do ADN nuclear (que contém os 46 cromossomas, 23 da mãe e 23 do pai), levavam à conclusão de que a separação entre os “ramos” que levaram aos neandertais (já extintos e que só existiram na Europa) e aos humanos modernos (nós) terá acontecido há aproximadamente 765 mil e 550 mil anos. No entanto, alguns estudos que olharam para os resultados de análises ao ADN mitocondrial (herdado da mãe) encontraram sinais de uma separação mais recente, com cerca de 400 mil anos.

Os estudos feitos até agora também já nos revelaram que, depois da separação destes dois ramos, os humanos modernos (que surgiram em África há cerca de 300 mil a 350 mil anos) e o homem de Neandertal se cruzaram mais tarde na Europa e, mais do que isso, procriaram, misturando os seus genes. Já se sabia, portanto, que todos nós temos um pouco de neandertal nos nossos genes e, claro, que eles também ficaram com marcas nossas.

As análises a fósseis de neandertais mostraram mesmo que o seu ADN mitocondrial é mais parecido com o dos humanos modernos do que com os seus parentes mais próximos chamados “denisovanos” (outra espécie humana com quem partilhámos o território). Aqui surge um buraco no puzzle. Que peça faltava para explicar esta proximidade mitocondrial?

Os cientistas apostavam num encontro entre as duas espécies humanas, anterior à grande dispersão dos humanos modernos de África para a Europa, há cerca de 50 mil anos. Ou seja, um pequeno grupo de hominíneos, mais próximo dos humanos modernos do que dos neandertais, teria introduzido o seu ADN mitocondrial na população de neandertais da Europa mas não se misturou com os denisovanos. Este grupo só se “apaixonou” pelos neandertais, numa versão romântica desta antiga história. Mas faltava encontrar sinais desta ligação íntima entre humanos modernos e neandertais, anterior ao grande momento Out of Africa de há 50 mil anos, que permitissem dar consistência a esta versão e também situá-la no tempo.

Um fémur de um neandertal, encontrado em 1937 na gruta Hohlenstein-Stadel, na Alemanha, pode ser um importante para explicar estas semelhanças genéticas.

Cosimo Posth, investigador do Instituto Max Planck e o principal autor do artigo publicado esta terça-feira na revista Nature Communications, refere num comunicado que a tradicional datação por radiocarbono não permitiu uma conclusão sobre a idade do fóssil, recorrendo-se a um método apoiado na taxa de mutações para estimar uma idade aproximada de cerca de 124 mil anos. Isto, nota o cientista, faz deste exemplar (que os cientistas chamaram HST) um dos mais antigos indivíduos até hoje a ter o seu ADN mitocondrial analisado. Aliás, segundo explica, o HST revelou diferenças no ADN mitocondrial quando comparado com outros neandertais, o que comprova que também neste ramo terão existido divergências e uma maior diversidade genética do que se pensava. Os testes ao ADN mitocondrial mostram que o HST se separou (geneticamente) dos outros neandertais há 220 mil anos, no mínimo.

Segundo os cientistas, este osso preservou marcas do tal encontro íntimo entre os humanos modernos (ou uma forma já aproximada da nossa espécie) e os neandertais. Algo que terá acontecido na sequência de uma migração desses humanos de África para a Europa ocorrida há entre 470 mil anos e 220 mil anos. Ou seja, no período entre o marco da divergência genética (mitocondrial) detectada entre neandertais e humanos modernos (no máximo há 470 mil anos) e o marco da separação de HST e dos outros neandertais (no mínimo há 220 mil anos).

“Esta migração de hominíneos terá sido suficientemente pequena para não ter um grande impacto no ADN nuclear dos neandertais. No entanto, foi suficientemente grande para substituir a linhagem de ADN mitocondrial dos neandertais (que era mais próxima dos denisovanos) por um tipo de linhagem mais semelhante à dos humanos modernos”, refere o comunicado do Instituto Max Planck.

Mas esta é ainda apenas uma hipótese. Para que as promíscuas e velhas relações entre os humanos modernos e os neandertais ficassem ainda mais claras e precisas (no tempo e no espaço), era fundamental recolher informação do ADN nuclear, um desafio difícil tendo em conta o degradado estado do fóssil e os níveis elevados de contaminação da amostra. Ainda assim, a história parece ser uma peça do puzzle sobre as nossas origens que está cada vez maior, mais completo e detalhado.