Alemanha ordena inspecção-geral a quartéis após descoberta de peças de colecção nazis

Caso do tenente xenófobo leva a maior escrutínio sobre inclinações de militares para a extrema-direita.

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As casernas alemãs estão a ser alvo de uma busca por material de extrema-direita CLEMENS BILAN/EPA

Alguns objectos do Exército nazi foram encontrados em instalações militares alemãs, levando o inspector-geral das Forças Armadas a ordenar uma revista a todas as unidades para procurar objectos relacionados com o regime nazi.

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Alguns objectos do Exército nazi foram encontrados em instalações militares alemãs, levando o inspector-geral das Forças Armadas a ordenar uma revista a todas as unidades para procurar objectos relacionados com o regime nazi.

A acção segue-se a investigações relacionadas com o caso do tenente Franco A. (o nome não é revelado – as leis de privacidade não permitem publicar nomes de suspeitos). Este militar estaria a planear um atentado, e tinha-se registado antes, de modo fraudulento, como refugiado. Foi detido depois de tentar recuperar uma arma que deixara escondida no aeroporto de Viena, Áustria, e teria guardado irregularmente munições militares (cerca de 1000 segundo a revista Der Spiegel).

No quartel de Franco A, havia peças de colecção da Wehrmacht, o Exército que serviu às ordens de Hitler, numa sala comum das instalações militares em Illkirch, Norte de França, onde estava a companhia de Franco A.. No quarto do militar, foi encontrada uma pistola com uma cruz suástica gravada, e na parede as letras HH (da saudação nazi, Heil Hitler).

Pouco mais tarde, a revista Der Spiegel noticiava um segundo caso, numa caserna no Sul da Alemanha (em Fürstenberg in Donaueschingen), em que havia uma vitrina com fotografias de soldados da Wehrmacht, e ainda armas, capacetes e condecorações militares. Responsáveis sublinharam à agência britânica Reuters que nenhuma era, no entanto, ilegal à luz da lei alemã, que proíbe a exposição de suásticas ou símbolos nazis que glorifiquem esta época.

O caso do tenente Franco A., que tinha feito uma tese de mestrado com ideias racistas mas ainda assim tinha continuado no Exército, provocou um debate sobre se os militares alemães teriam um problema de complacência com ideias de extrema-direita. A ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, disse que teria havido um “mau entendimento do espírito de corpo” militar, que teria levado os superiores a ignorar a inclinação xenófoba do sargento.

A ministra reiterou, no entanto as suas críticas, que despertaram enorme polémica entre os militares.

A Alemanha já teve outros problemas com forças de ordem e ideias de extrema-direita. Quando se descobriu, em 2011, completamente por acaso, que uma série de crimes – na sua maioria assassínios de turcos ou de alemães de origem turca — cometidos entre 2000 e 2007 tinham sido obra de um mesmo trio, a chamada célula de Zwickau (o julgamento da única sobrevivente do trio ainda decorre), questionou-se por que é que a polícia não pôs mais vezes a hipótese de motivo de ódio, racismo ou xenofobia para os crimes.

Na maioria dos casos, as autoridades suspeitaram de confrontos entre grupos criminosos, dívidas, ajustes de contas, mesmo quando as famílias alertavam para a possibilidade de uma acção de neonazis. A polícia foi acusada, então, de ser “cega do olho direito”, ou seja, de ter dificuldade em ver motivação racista em crimes.

Se a história da célula de Zwickau expôs algo como nunca se tinha visto – um grupo que fugiu das autoridades e foi capaz de viver clandestino, sobrevivendo com assaltos a bancos, e ir matando pessoas durante anos a fio – a história de Franco A. parece trazer também algo inédito, com o seu registo como refugiado. Há ainda outra ligação entre os dois casos: um dos elementos da célula de Zwickau passou pelo Exército e, apesar de ter sido detido por ter um retrato de Hitler e propaganda neonazi ilegal, manteve-se no Exército e foi mesmo promovido.

Ambos os casos levantam a questão de uma certa complacência em alguns meios para com ideias de extrema-direita, e ainda sobre a rede de apoio destas pessoas. No caso da célula de Zwickau foram ainda acusados quatro outros cúmplices. No caso de Franco A. há um outro militar, da mesma cidade que ele, suspeito de partilhar das mesmas ideias e de ser cúmplice no plano, mas o grau de decoração de um espaço na caserna, assim como o facto de ter conseguido desviar tantas munições, faz suspeitar de um círculo maior. Que plano havia exactamente para as armas e o registo como refugiado, ainda não é claro. Mas a teoria principal é que pretenderia fazer recair as culpas de um ataque sobre um refugiado.