“Há indústrias onde o emprego atípico se está a tornar normal”

Mariya Aleksynska, economista da OIT, alerta que em sectores como a hotelaria o uso de formas contratuais precárias está a tornar-se norma.

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A economista Mariya Aleksynska, uma das técnicas que colaborou no relatório sobre o emprego atípico no mundo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho, diz que, perante o crescimento deste tipo de emprego, é preciso garantir que há condições e direitos que se aplicam a todos os trabalhadores independentemente do vínculo contratual.

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A economista Mariya Aleksynska, uma das técnicas que colaborou no relatório sobre o emprego atípico no mundo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho, diz que, perante o crescimento deste tipo de emprego, é preciso garantir que há condições e direitos que se aplicam a todos os trabalhadores independentemente do vínculo contratual.

Quando se fala de emprego atípico, estamos a falar exactamente de quê?
A legislação laboral da maior parte dos países é construída à volta da ideia de uma relação de trabalho standard. E quando dizemos standard, assumimos que é uma relação de trabalho que existe, que tem carácter permanente, a tempo inteiro e com subordinação directa do trabalhador ao empregador. Quando uma destas condições é violada, estamos perante emprego atípico: contratos a termo, diários, trabalho sazonal, a meio-tempo, à chamada (on call work), contratos zero horas, relações laborais triangulares e, finalmente, situações em que a relação de emprego não existe formalmente. Na Europa, a principal forma de trabalho atípico são os contratos a termo.

Esse tipo de trabalho começou por ser usado em determinadas actividades económicas, nomeadamente as sazonais, mas acabou por se estender a outras áreas. Por que é que isso aconteceu?
O emprego atípico tem aumentado em praticamente todo o mundo, incluindo em Portugal, e isso é o resultado de muitos factores. Um deles é o desenvolvimento do sector dos serviços, onde as flutuações da procura são muito mais frequentes do que na indústria e onde há necessidade de ter uma força de trabalho mais flexível. Mas há também factores relacionados com as mudanças sociais, nomeadamente o facto de as mulheres participarem cada vez mais no mercado de trabalho, criando a necessidade do trabalho a meio-tempo. A regulação tem também um papel importante no aumento do trabalho atípico. Em muitos países do Sul da Europa, nos anos 70 e 80, os contratos temporários apenas eram permitidos por razões objectivas e não abrangiam todo o tipo de trabalho mas, pouco a pouco, os países, incluindo Espanha e Portugal, foram liberalizando o mercado laboral e, claro, as empresas aproveitaram essa possibilidade.

A utilização de contratos atípicos é uma escolha consciente das empresas?
As empresas recorrem a estes contratos por diferentes razões. Porque precisam de flexibilidade e porque precisam de poupar nos custos. Ao mesmo tempo são também estratégias organizacionais. Temos empresas que empregam trabalhadores temporários de forma intensiva. Há uma pequena percentagem de empresas em quase todos os países, cerca de 7%, em que mais de 50% da sua força de trabalho é temporária. Aqui vemos claramente que organizar a produção à volta da possibilidade de usar este trabalho flexível se tornou uma escolha ao nível da gestão dos recursos humanos.

Quais os riscos deste tipo de gestão?
No curto prazo, pode haver vantagens ao nível das poupanças e da flexibilidade. Mas no longo prazo há riscos, nomeadamente a dificuldade de as empresas gerirem pessoas que trabalham lado a lado, exercem exactamente a mesmas funções, mas têm vínculos contratuais diferentes. Se os trabalhadores não esperam que os seus contratos se convertam em contratos regulares podem ter um maior grau de absentismo e menor motivação. O que temos visto é que as empresas que recorrem a trabalho atípico preferem não investir nos seus trabalhadores, mas também investem menos em formação, em inovação e em tecnologia. Há também riscos de perdas de produtividade da empresa e dos próprios países. Alguns estudos notam um decréscimo da produtividade dos países, incluindo em países como Portugal, que se deve à excessiva dependência de contratos temporários.

Esses riscos são tidos em conta pelas empresas?
É difícil as empresas não recorrerem a este tipo de contratos, quando isso é uma tendência e os seus concorrentes também os usam. Se há uma situação geral de crise, se os mercados de trabalho têm um desempenho fraco, tudo isso afecta as escolhas das empresas. Ao mesmo tempo, é verdade que as empresas podem escolher outras vias e há exemplos disso. A Mercadona [cadeia de supermercados espanhola] teve de repensar a sua estratégia para sobreviver face à concorrência e decidiu colocar todos os seus trabalhadores em contratos permanentes. Foi um passo pouco usual na indústria do retalho, mas permitiu-lhes ganhar nos custos de reter e formar os trabalhadores e em produtividade.

É possível ter empresas maioritariamente com trabalhadores temporários?
Há exemplos de indústrias onde o emprego atípico se está a tornar o emprego normal. Na indústria hoteleira, por exemplo.

A lei pode travar essas tendências?
Pode-se pensar em limitar o uso das diferentes formas de trabalho atípico. O problema é que quando já se liberalizou o mercado de trabalho, é muito difícil voltar atrás. Não só pela impopularidade política, mas porque as empresas habituam-se a ter um mercado laboral flexível e mesmo que se altere a lei, tentam encontrar soluções diferentes, porque já adaptaram o seu processo tecnológico a esta possibilidade. O que os países podem fazer, adicionalmente ou em vez de limitar [o uso de contratos temporários], é garantir que o trabalho é decente em qualquer circunstância, seja atípico ou standard.