Cérebro encolhe sinapses para fazer reset enquanto dormimos

Cientistas revelam imagens a três dimensões do cérebro de ratinhos onde se vêem os pontos de contacto entre as células nervosas a encolher durante o sono. Para quê? Pode ser uma forma arranjar espaço para crescer e reter mais informação no dia seguinte.

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Reconstrução tridimensional de imagens dos prolongamentos de neurónios e das espinhas dendríticas Centro do Sono e da Consciência da Universidade de Wisconsin

A observação do que se passa no cérebro durante o sono resultou em dois estudos publicados esta sexta-feira na revista Science que se centraram especificamente nas sinapses, as zonas de contacto entre os neurónios. Durante cerca de quatro anos, uma equipa de cientistas analisou e mediu 6920 sinapses no cérebro de ratinhos para constatar que encolhiam durante o sono tornando as ligações sinápticas mais fracas. Outra equipa esclareceu como é que isso acontecia a nível molecular e bioquímico, identificando alguns genes importantes para o funcionamento deste mecanismo.

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A observação do que se passa no cérebro durante o sono resultou em dois estudos publicados esta sexta-feira na revista Science que se centraram especificamente nas sinapses, as zonas de contacto entre os neurónios. Durante cerca de quatro anos, uma equipa de cientistas analisou e mediu 6920 sinapses no cérebro de ratinhos para constatar que encolhiam durante o sono tornando as ligações sinápticas mais fracas. Outra equipa esclareceu como é que isso acontecia a nível molecular e bioquímico, identificando alguns genes importantes para o funcionamento deste mecanismo.

Os dois estudos publicados agora levam-nos à velha questão sobre a função do sono. Para que serve? Sobre isto, há duas teorias principais. E o mais provável, tal como referem dois neurocientistas num comentário publicado também na revista Science, é que ambas estejam correctas. Assim, há quem defenda que o sono serve sobretudo para “restaurar” o nosso cérebro, reparando a maquinaria celular, repondo energias e eliminando o lixo químico que acumulamos. Uma espécie de processo de limpeza e arrumação, portanto. Depois, há cientistas que valorizam mais o processamento da informação que fazemos quando dormimos, numa tarefa que nos possibilita armazenar dados e consolidar memórias. Aqui, estaremos num mais complexo processo de arquivamento e selecção de informação. Tal como já referimos, o mais provável é o sono sirva para isso tudo, limpar e arquivar.

Independentemente do propósito do sono, sabe-se que o cérebro funciona de forma diferente quando dormimos. Uma das ideias que estes dois estudos fortalecem tem a ver com o enfraquecimento das ligações sinápticas que “descansam” à noite para compensar a intensa actividade que lhe exigimos quando estamos acordados. Num dos trabalhos, os cientistas recorreram à microscopia electrónica para analisar o tecido cerebral do córtex motor e sensorial de ratinhos e conseguiram reproduzir bonitas imagens tridimensionais das extensões dos neurónios que recebem os impulsos, conhecidas como espinhas dendríticas. Ao estudar milhares destas imagens, perceberam que as sinapses encolhiam durante o sono e que depois, durante o próximo período de vigília, voltavam a expandir-se e crescer.

Segundo explicam no artigo, as sinapses encolhem cerca de 20% durante o sono, criando espaço para o dia seguinte. Mas nem todas. É que estes pontos de contacto entre os neurónios não são todos iguais. As maiores e mais fortes e que os investigadores acreditam que estão associadas a memórias mais estáveis, parecem permanecer ilesas sem sinais de encurtamento das suas espinhas dendríticas. Ainda assim, cerca de 80% das sinapses encolhem, conclui o estudo.

Mas para quê?

“Isto mostra, de forma estruturalmente inequívoca, que o equilíbrio do tamanho e da força das sinapses é perturbado durante o tempo que estamos acordados e restabelecido pelo sono”, refere Chiara Cirelli, investigadora no Centro do Sono e da Consciência da Universidade de Wisconsin, nos EUA, e uma das autoras do trabalho, num comunicado sobre o estudo. E acrescenta: “É impressionante que a maioria das sinapses no córtex passe por uma mudança tão grande de tamanho em poucas horas de vigília e sono.”

Giulio Tononi, investigador da mesma universidade, faz a leitura que faltava: “Extrapolando dos ratinhos para os humanos, os nossos resultados significam que todas as noites, milhões de milhões de sinapses no nosso córtex podem ficar 20% mais fracas.”

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Imagem tridimensional das estruturas nos neurónios onde ocorrem as sinapses Centro do Sono e da Consciência da Universidade de Wisconsin

A outra equipa de cientistas (da Universidade Johns Hopkins, nos EUA) que publica um artigo na mesma revista não só confirma este enfraquecimento das sinapses, como ajuda a explicar como acontece. Usando análises bioquímicas e moleculares, o estudo identifica um gene (homerla) importante para desencadear este enfraquecimento das sinapses durante o sono.

Apesar de os dois estudos confirmarem que a estrutura das sinapses muda durante o sono, ainda há muita coisa que fica por esclarecer, tal como constatam László Acsády (da Academia de Ciências Húngara) e Kenneth Harris (da University College de Londres), dois neurocientistas que escreveram um comentário na Science sobre estes trabalhos. “Apesar de termos mais provas sobre as mudanças na força sináptica durante o dia, a função precisa destas alterações permanece tão misteriosa como sempre”, referem. Ou seja, as sinapses mudam de tamanho, mas para quê?

A verdade é que o mistério do sono é, sem dúvida, sedutor para os cientistas. Numa rápida pesquisa sobre artigos centrados no sono nos últimos dias vemos, por exemplo, que um estudo em ratinhos demonstrou que a privação do sono prejudica a capacidade do cérebro em formar novas memórias. Ou que, num outro estudo que envolveu apenas mulheres na pós-menopausa, os problemas no sono podem interferir na qualidade da vida sexual. Ou ainda uma investigação que aconselha as pessoas que têm dificuldades em dormir a fazer um fim-de-semana de campismo no Verão para acertar o “relógio” biológico, comprovando que os nossos ritmos e hábitos “electrónicos” de vida nos podem tirar o sono.