Mário Ruivo (1927-2017), um político dos oceanos

Figura ímpar e visionária. Tinha uma visão holística dos oceanos. Era um dos grandes embaixadores de sempre nos assuntos do mar. Expressões utilizadas para descrever o oceanógrafo.

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Morreu o oceanógrafo Mário Ruivo na madrugada desta quarta-feira em Lisboa. Tinha 89 anos. O corpo está em câmara ardente desde as 17h30/18h desta quarta-feira, na Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa. Às 14h de amanhã, quinta-feira, haverá ali uma cerimónia organizada pelo Centro Nacional de Cultura, onde falará Guilherme d'Oliveira Martins, João Guerreiro e Manuel Braga da Cruz. O funeral sairá pelas 15h para o cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

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Morreu o oceanógrafo Mário Ruivo na madrugada desta quarta-feira em Lisboa. Tinha 89 anos. O corpo está em câmara ardente desde as 17h30/18h desta quarta-feira, na Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa. Às 14h de amanhã, quinta-feira, haverá ali uma cerimónia organizada pelo Centro Nacional de Cultura, onde falará Guilherme d'Oliveira Martins, João Guerreiro e Manuel Braga da Cruz. O funeral sairá pelas 15h para o cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

Sempre vestido com roupa de uma só cor há anos – verde seco –, Mário Ruivo nasceu em Campo Maior e licenciou-se em biologia em 1950 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Depois, entre 1951 e 1954, na Universidade de Paris – Sorbonne, doutorou-se em oceanografia biológica e gestão de recursos vivos. Ainda fez investigação científica, mas cedo começou a desempenhar cargos de coordenação de organismos portugueses e internacionais, principalmente ligados ao mar. Mais do que um oceanógrafo que vai para o mar, era um político dos oceanos.

Esteve ligado a movimentos antifascistas desde a sua juventude até Abril de 1974. Antes do doutoramento em França, viu-se impedido de dar aulas em colégios privados em Lisboa por informações da polícia política, segundo Ricardo Serrão Santos, agora eurodeputado socialista e ex-director do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores. Com Mário Ruivo, Ricardo Serrão Santos diz ter partilhado ter “uma profunda amizade”, sublinhando: “Tinha uma personalidade excepcional, ímpar e visionária que marcou a agenda nacional e internacional do ‘oceano’, no contexto do conhecimento e da governação. Era um optimista por natureza, nada o vergava na sua missão de promover a importância do oceano. Inspirou gerações e inspirou alguns dos mais importantes documentos relativos ao conhecimento dos mares e à governação global do oceano.”

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Como exilado político em Roma a partir de 1961, Mário Ruivo ajudou muitos antifascistas, e só regressou a Portugal em 1974. Luta que o Partido Socialista destaca, numa nota: “Foi um incansável lutador contra a ditadura derrubada em Abril de 1974, o que lhe chegou a custar a prisão e a obrigatoriedade de se refugiar fora do país.” E acrescenta: “Para além de destacado democrata e lutador antifascista, foi um pioneiro da causa dos oceanos, internacionalmente reconhecido, relevando sempre a natureza decisiva do mar para o futuro da humanidade.”

Depois da revolução que pôs fim à ditadura e ao Estado Novo em 1974, fez parte de vários governos provisórios de Vasco Gonçalves, nos quais foi secretário de Estado das Pescas (em 1974 e 1975) e ministro dos Negócios Estrangeiros (em 1975).

Entre 1974 e 1978, foi o chefe da delegação portuguesa nas negociações para a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, também conhecida apenas por Lei do Mar das Nações Unidas, que foi assinada em 1982. Só entraria em vigor em 1994 (seria necessária a ratificação de 60 países e havia vários, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido, que tinham reservas), ocasião assinalada com a segunda Conferência Internacional de Oceanografia, que se realizou precisamente há 22 anos em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, e foi organizada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO. A primeira conferência do género tinha sido mais de 30 anos antes, em Copenhaga.

Em Lisboa, Mário Ruivo foi o organizador dessa conferência que juntou gente de todo o mundo ligada às questões do mar, e na sessão solene de abertura estava o então Presidente da República português, Mário Soares. Ao PÚBLICO, Mário Ruivo dizia então que Portugal começava a recuperar algum protagonismo nos oceanos.

E ainda haveria de se comemorar o Ano Internacional dos Oceanos, em 1998. Nesse mesmo ano, em Lisboa, abriu a Expo-98, a exposição mundial dedicada aos oceanos, um património para o futuro. Mário Ruivo foi conselheiro científico da Expo-98.

E igualmente naquele mesmo ano, a Comissão Mundial Independente para os Oceanos – criada em 1995 e que foi presidida por Mário Soares e de que Mário Ruivo foi o coordenador – lançava o relatório O Oceano: Nosso Futuro. Este relatório, que Mário Ruivo coordenou, contém reflexões e recomendações prospectivas sobre os oceanos, além de fazer uma revisão da situação nessa altura. Mário Soares, no prefácio do relatório, escrevia: “Precisamos de forjar uma relação uma nova relação ético-política entre a humanidade e os oceanos, uma relação com uma base política e jurídica que crie uma atmosfera de partilha e solidariedade e que proporcione um novo universalismo centrado no conhecimento dos oceanos.” O então Presidente da República defendia ainda, tal como Mário Ruivo, a necessidade urgente de Portugal regressar ao mar.

No Ano Internacional dos Oceanos, José Mariano Gago (1948-2016) era o ministro da Ciência e da Tecnologia e lançava o Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Mar como um reforço financeiro da investigação científica nesta área, uma das maneiras de voltar ao mar. Mário Ruivo foi o coordenador deste programa.

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Mário Ruivo ladeado, à nossa esquerda, pelo físico e político José Mariano Gago, e à direita, pelo oceanógrafo Luiz Saldanha nas Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, em Lisboa em 1987 DR

Aliás, a relação entre Mariano Gago e Mário Ruivo, dois amigos, vinha muito de trás. Se recuarmos a 1987, por exemplo, até a umas (agora históricas e na memória de muitos cientistas) Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, em Lisboa, há fotografias dos dois juntos. Mariano Gago era na altura presidente da Junta de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT, que depois deu lugar à Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e reunia em Lisboa a então pequena comunidade científica portuguesa, para que se apresentassem propostas de desenvolvimento da ciência no país. As ciências marinhas não faltaram, representadas, além de Mário Ruivo, por nomes como o oceanógrafo Luiz Saldanha (1937-1997).

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Mário Ruivo nas famosas jornadas que reuniram a pequena comunidade científica portuguesa existente na altura DR

Mário Ruivo foi também fundador, em 2000, do EurOcean, um centro europeu dedicado à informação em ciências e tecnologias do mar com sede em Lisboa, e depois o seu presidente de 2002 a 2008. De destaque é a sua participação na candidatura de Lisboa a sede da Agência Europeia para a Segurança Marítima, criada em 2002, e onde veio a ficar.

“Uma referência internacional”

Actualmente, era o presidente do comité português da COI, organismo criado em 1960 (em Paris) e de que foi seu secretário-geral entre 1980 e 1989. Era também até agora o presidente do Fórum Permanente para os Assuntos do Mar e o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.

“Acabámos de perder a última referência internacional em governação dos oceanos e um dos pioneiros da construção da Lei do Mar das Nações Unidas e um dos fundadores da COI da UNESCO”, considera Telmo Carvalho, que trabalhou com Mário Ruivo nos últimos 15 anos, desde a criação do EurOcean. “O relatório da Comissão Mundial Independente para os Oceanos foi o último grande exercício internacional sobre governação dos oceanos e deu origem ao Dia Internacional dos Oceanos das Nações Unidas, a 8 de Junho”, explica Telmo Carvalho, que trabalha na área da política científica e gestão de informação em ciências e tecnologias do mar.

Para Luís Menezes Pinheiro, presidente adjunto do comité português da COI e professor do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, Mário Ruivo é uma “figura ímpar, no plano nacional e internacional, no que respeita à política e governação dos oceanos”: “Altamente reconhecido internacionalmente como uma grande autoridade nestes domínios, participou na criação da COI da UNESCO, na qual sempre desempenhou um papel da maior relevância. Teve um papel único na realização da Expo-98, na atracção para Portugal de agências europeias e internacionais na área do mar, no lançamento de programas dinamizadores em ciências do mar, e em muitos outros domínios”, resume o investigador. “Foi um dos nossos maiores embaixadores de sempre nos assuntos do mar. Foi e será sempre um exemplo de vida”, sublinha.

“Vulto notável, deixa um legado extraordinário na rede de investigadores que, motivados pela sua visão holística do oceano, pugnam diariamente por estabelecer uma aliança forte e profícua entre a ciência, a tecnologia, e a sociedade”, considera António Pascoal, professor e investigador em robótica marinha do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “A sua visão norteou os meus primeiros passos na aproximação entre a robótica marinha e as ciências do mar. Foi com ele que despertei para os assuntos da governação dos oceanos e para a necessidade de pautar os desenvolvimentos tecnológicos pelos grandes desafios científicos e da sociedade”, diz ainda António Pascoal.

“Livre e comprometida, foi toda a vida pública do Prof. Mário Ruivo. Na política, mas sobretudo no ambiente, deixa um legado inultrapassável”, refere por sua vez o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, em comunicado. “Deixa-nos a memória de um profundo sentido de responsabilidade social e humana, para além de uma invulgar sensibilidade política de perceber a ciência e o compromisso que Portugal tem de assumir com o conhecimento. O seu legado deve ser inspirador para todas as actuais e futuras gerações”, afirma o ministro da Ciência, Manuel Heitor, em comunicado.

“Biólogo de formação e político por vocação, o professor Mário Ruivo foi um reputado cientista, pioneiro na defesa dos oceanos e no lançamento das políticas de ambiente em Portugal”, afirma, também em comunicado, Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República. “Destacado antifascista, desde cedo ligado aos movimentos da resistência, exerceu inúmeros cargos e funções relevantes no governo português”, acrescenta Ferro Rodrigues. “Precisamente pelo seu percurso pessoal, académico e profissional ímpar, foi reconhecido pelo Parlamento Europeu com o Prémio Cidadão Europeu 2015, assinalando, entre outros, o papel fundamental que teve na coordenação da Comissão Mundial Independente dos Oceanos.” E para Assunção Cristas, a anterior ministra do Mar, actual líder do PP-CDS, “foi uma voz que ajudou a pensar Portugal na sua relação com o mar, de forma inteligente e inovadora”.

Entre várias distinções que recebeu inclui-se o doutoramento honoris causa pela Universidade dos Açores e a grande-oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Estada e grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique. A última vez que Mário Ruivo apareceu em público foi no funeral de Mário Soares, a 10 de Janeiro, de quem era grande amigo.