Só dois membros da “seita” que abusaria de crianças falaram em tribunal

Julgamento começou à porta fechada. Entre as crianças abusadas estão os filhos de dois dos oito arguidos. O caso tem algumas particularidades, explica psicólogo forense.

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Rui Gaudêncio

É um caso raro, pouco usual. Ao contrário das situações mais frequentes de agressores sexuais, que actuam de forma individual e com crianças da sua família ou proximidade, no caso da falsa seita no concelho de Palmela, distrito de Setúbal, que começou a ser julgado nesta terça-feira, à porta fechada, a acusação de crimes de abusos, proferida em Julho de 2016, foi contra adultos que agiram em grupo.

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É um caso raro, pouco usual. Ao contrário das situações mais frequentes de agressores sexuais, que actuam de forma individual e com crianças da sua família ou proximidade, no caso da falsa seita no concelho de Palmela, distrito de Setúbal, que começou a ser julgado nesta terça-feira, à porta fechada, a acusação de crimes de abusos, proferida em Julho de 2016, foi contra adultos que agiram em grupo.

Os oito arguidos, acusados de abusos sexuais de pelo menos 10 crianças entre os cinco e os 14 anos no anexo de uma grande vivenda em Brejos do Assa, aldeia de Palmela, respondem no Tribunal de Setúbal: a mãe de dois filhos e mulher do principal arguido que abusou de um deles e de mais crianças; um amigo, divorciado e pai de um rapaz, na altura com cinco anos, também ele abusado; e outros três homens e duas mulheres, que terão entrado no circuito através de contactos na Internet e que, na residência do principal arguido, terão abusado das crianças a troco de contrapartidas. Os cinco homens estão em prisão preventiva.

O principal arguido, que tinha 34 anos quando foi deduzida a acusação, responde por dezenas de crimes de abuso sexual de crianças, crimes de violação agravada, actos sexuais com adolescentes, crimes de pornografia de menores agravados, seis crimes de lenocínio agravado e um crime de usurpação de funções. Terá atraído as crianças a sua casa, apresentando-se primeiro como treinador de futebol, depois como psicólogo e organizador de actividades de tempos livres. Depois, quando já os conhecia, dizia ser “mestre” da seita “Verdade Celestial”.

O Ministério Público afirma que este homem invocava um mundo irreal, dizia-se detentor de poderes “purificadores” – através dos contactos que forçava os rapazes a ter sob a ameaça de que se recusassem ou contassem a alguém o que tinham feito seriam por ele, suposto líder da seita, amaldiçoados.

De acordo com a Lusa, que cita fonte judicial, este principal arguido remeteu-se ao silêncio naquele que foi primeiro dia de julgamento. Já dois outros prestaram declarações, refere ainda a Lusa.

Todos terão partilhado a mesma casa

“O facto de haver vários arguidos, que em conjunto planeiam uma série de crimes continuados, não é inédito – veja-se a acusação do caso Casa Pia – mas é ainda assim relativamente raro”, disse ao PÚBLICO Rui Abrunhosa, professor de Psicologia Forense do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho. “É sabido que, muitas vezes, nos casos de abuso sexual, há ligações entre vários abusadores, nomeadamente quando se trata da partilha de ficheiros de pornografia infantil. Pode porém acontecer que esses arguidos nunca tenham contacto entre si ou apenas um contacto virtual.”

Aqui foi diferente. Todos se conheciam e partilharam a casa de forma provisória ou permanente, de acordo com a acusação.

Outra particularidade deste caso será o de os indivíduos terem fracas competências de integração social e criarem – juntando-se neste grupo – um falso sentido de pertença.

“Os abusadores sexuais de menores são especialistas na dissimulação dos seus crimes, mas é evidente que o carácter compulsivo dos mesmos é uma das brechas que permite muitas vezes que estes crimes acabem por ser denunciados”, explica Rui Abrunhosa. “[Isso acontece] não só por haver comportamentos ou circunstâncias que geram desconfiança na comunidade, mas, sobretudo, por causa do impacto nas vítimas que começam a apresentar sintomatologia significativa e grave”, acrescenta.

Neste caso, a comunidade que os rodeava não se terá apercebido dos crimes praticados ao longo de mais de um ano, entre Janeiro de 2014 e Junho de 2015.