ONU volta a dizer que Portugal deve ter políticas específicas para afrodescendentes

Relatório de 2012 já sublinhava a necessidade de Portugal avançar com medidas para estes grupos. Cortes financeiros no Alto Comissariado para as Migrações e manuais escolares também preocupam peritos.

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ONU volta a marcar como prioridade a desagregação de dados sobre minorias étnicas e raciais para se ter uma análise “da forma como os direitos económicos, sociais e culturais estão a ser vividos pelas minorias” Nuno Ferreira Santos

Tal como 22 associações de afrodescendentes reivindicaram numa carta enviada ao Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD, em inglês), este organismo recomendou nesta sexta-feira a criação de medidas específicas para estes grupos. Esta era uma recomendação que já tinha feito em 2012.

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Tal como 22 associações de afrodescendentes reivindicaram numa carta enviada ao Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD, em inglês), este organismo recomendou nesta sexta-feira a criação de medidas específicas para estes grupos. Esta era uma recomendação que já tinha feito em 2012.

Na avaliação que acaba de ser publicada, o CERD afirma que continua a estar preocupado com o racismo de que os afrodescendentes são alvo em Portugal e com o facto de não existirem programas “especialmente direccionados às suas preocupações”. Sublinha que é preocupante que os afrodescendentes sejam ainda “invisíveis nos sectores mais importantes da sociedade”.

Outra das sugestões deixadas é que o Estado se envolva num “diálogo aberto e construtivo” com os afrodescendentes, com o objectivo de abordar as suas queixas de “discriminação racial”. Chama por isso a atenção para a ausência da presença de Organizações Não Governamentais (ONG) neste processo de avaliação de Portugal (os peritos da ONU não receberam relatórios dessas organizações, como recomendado).    

O CERD volta a insistir que Portugal deve desagregar dados estatísticos sobre minorias étnicas e raciais para se ter uma análise “da forma como os direitos económicos, sociais e culturais estão a ser vividos" por estes grupos — a Constituição portuguesa proíbe esta recolha, mas "para casos excepcionais" o primeiro-ministro poderia autorizá-la.

As Nações Unidas reconhecem ainda que o Estado tomou medidas para recolher informação desagregada nos seus diversos Observatórios, como o das Comunidades Ciganas, Migrações e Tráfico de Seres Humanos: “Porém alguns dos dados recolhidos não cobrem os seus grupos na totalidade.”

Há mais recomendações a Portugal: que controle de forma eficaz as queixas sobre discriminação racial e investigue e puna o discurso de ódio, incluindo o de políticos. Além disso, é necessário conduzir uma efectiva investigação de cada uma das denúncias de uso excessivo da força por parte das polícias, garantir a punição de quem a pratica e indemnizações para as vítimas. O comité quer, aliás, para o próximo relatório de Portugal, obter informação detalhada sobre estes casos, como o número de queixas às forças de segurança e o seu desfecho.

A ONU está igualmente preocupada com o número limitado de queixas relativas ao artigo 240 do Código Penal (que criminaliza o racismo). A ausência de denúncias “não significa ausência de discriminação racial”. Portugal deve assim investigar quais as causas: se são as próprias vítimas que não têm informação sobre os seus direitos; se sentem medo de represálias; se têm acesso limitado à polícia; se não confiam nela e no sistema judicial ou se, por outro lado, há falta de atenção das autoridades para casos de discriminação.

Dizem ainda os 18 peritos independentes que avaliaram Portugal que é preciso acelerar a Lei contra a Discriminação Racial. E mudar alguns aspectos do funcionamento da Comissão para a Igualdade e Discriminação Racial. Esta deve ser reforçada a nível de recursos financeiros e humanos. O processo de apresentação de queixa tem de ser mais simples e é preciso rever o modo como é feita a prova: o suposto agressor é que deve provar que não cometeu aquilo de que é acusado.

Manuais escolares com imagens discriminatórias

No capítulo sobre as comunidades ciganas, o CERD afirma que “continuam a ser alvo de discriminação em muitas áreas da vida, como acesso a habitação e educação” — e para isso devem ser intensificadas medidas específicas. “O Comité também está preocupado com a ausência de consulta a pessoas de etnia cigana em todos os estágios de implementação e avaliação da Estratégia Nacional para a Integração de Comunidade Cigana.” E diz que o financiamento desta estratégia deve ser reforçado.  

Refere ainda que os cortes orçamentais de que foi alvo o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a extensão das funções deste organismo e as novas tarefas que lhe competem podem sacrificar a sua missão de promover a igualdade e inclusão de migrantes.

Outro dos aspectos que preocupam o CERD são os livros escolares que ainda tenham imagens discriminatórias e estereotipadas da ciganos e afrodescendentes e outros grupos minoritários — por isso, recomenda que o Estado avalie os currículos e os manuais de modo a que estes retratem melhor o passado colonial e a herança cultural dos diversos grupos, bem como o seu contributo para a sociedade e culturas portuguesas.

Portugal ratificou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1982. Periodicamente, os países submetem relatórios para a apreciação dos peritos independentes que fazem parte do comité da ONU. O relatório português que foi entregue em Genebra foi redigido pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos, sob supervisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e baseia-se em informação dada pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e vários ministérios.