Merkel admite papel da política de refugiados em derrota eleitoral

Chanceler alemã mantém que a decisão de abrir porta a quem fugia da guerra foi "certa", mas está a pagar o preço político com o seu partido a ficar pela primeira vez atrás dos populistas anti-imigração da AfD no estado-federado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.

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Merkel mantém que a sua decisão de abrir as portas ao refugiados foi certa Fabrizio Bensch/Reuters

A decisão de abrir as portas da Alemanha a milhares de refugiados parados numa estação de caminhos-de-ferro em Budapeste no ano passado está a ter um cada vez maior custo político para a chanceler alemã, Angela Merkel. A política de refugiados é considerada um dos factores fundamentais para o resultado das eleições no pequeno estado-federado (Land) de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental (Nordeste), em que a CDU de Merkel ficou em terceiro lugar, atrás dos populistas anti-imigração da Alternativa para a Alemanha (AfD).

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A decisão de abrir as portas da Alemanha a milhares de refugiados parados numa estação de caminhos-de-ferro em Budapeste no ano passado está a ter um cada vez maior custo político para a chanceler alemã, Angela Merkel. A política de refugiados é considerada um dos factores fundamentais para o resultado das eleições no pequeno estado-federado (Land) de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental (Nordeste), em que a CDU de Merkel ficou em terceiro lugar, atrás dos populistas anti-imigração da Alternativa para a Alemanha (AfD).

Quebrando a regra de não falar de questões internas em viagens de Estado, Angela Merkel fez uma declaração aos jornalistas à margem do G20, em Pequim, onde se mostrou desagradada com o resultado e reconheceu a ligação. “Naturalmente teve qualquer coisa a ver com a política de refugiados”. Mas Merkel mantém-se firme na sua posição: “Acho que a decisão foi certa.”

No entanto, ainda declarou: “Todos devem agora reflectir no que podemos fazer para voltar a ganhar a confiança [dos alemães], naturalmente e em primeiro lugar, eu também.”

Merkel já sobreviveu a vários revezes em eleições em estados-federados ao longo dos 11 anos em que é chanceler. Além disso, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental é um estado-federado de 1,5 milhões de habitantes, não muito significativo num país de mais de 80 milhões. Mas o resultado das eleições de domingo é muito significativo: com 20,8%, a AfD conseguiu ultrapassar a CDU de Merkel que se ficou pelos 19%, fazendo com que quase ninguém fale do verdadeiro vencedor, o Partido Social-Democrata (SPD), com 30,8%.

Além disso, este é o círculo eleitoral onde Merkel é eleita directamente desde a década de 1990, é tradicionalmente dominado pelos democratas-cristãos, e nunca a AfD tinha ficado à frente da CDU numa eleição num Land (nas eleições na Saxónia Anhalt em Março já tinha conseguido um segundo lugar, mas atrás da CDU). Este é o nono estado-federado em que o partido obteve representação parlamentar.

Ironicamente, o medo dos refugiados, ou a sensação de que estes têm melhor tratamento pelo Estado do que os alemães, é dos motivos mais invocados pelos eleitores do partido, nota uma análise do Frankfurter Allgemeine Zeitung, mesmo que este estado-federado seja dos que menos estrangeiros tem e dos que menos refugiados recebeu durante o último ano.

Um fardo em 2017?

“Nenhum outro partido para além da AfD se opôs à política de Merkel, e assim, todos os que estão descontentes e que dão grande importância à questão, votaram nesse partido”, nota ao Público por email Carsten Koschmieder, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim. 

Os populistas – na Alemanha discute-se como chamar a este partido; se é certo que é populista e de direita, a caracterização de extrema-direita é usada só por alguns – olham com optimismo para as eleições do Outono de 2017.

“Finalmente temos de novo uma oposição real”, disse Leif-Erik Holm, o cabeça de lista da AfD no estado-federado, reagindo aos resultados. “A única questão que interessa aos eleitores é a política irresponsável de migração”, disse, concluindo: “Talvez hoje seja o início do fim de Angela Merkel como chanceler.”

A imprensa dividiu-se entre críticas e conselhos à chanceler. “Esta já não foi uma pequena eleição num estado-federado, isto foi uma eleição sobre Merkel”, escreve a revista Der Spiegel num comentário. “Nunca a chanceler esteve sob uma pressão tão grande”, diz a revista. Avisa: “Se não trouxer pragmatismo, tornar-se-á um fardo para os democratas-cristãos.”

Já o diário Süddeutsche Zeitung aconselha Merkel a clarificar a sua política de refugiados (como irá ser feita a integração, quando no primeiro ano muito foi feito por cidadãos e associações locais), e a investir nas regiões que precisam. O objectivo do défice zero não pode continuar a ser sacrossanto, defende: “Onde as pessoas têm perspectivas, a AfD tem menos hipóteses”, argumenta.

Sem negar o significado para Merkel e as suas políticas de refugiados, o analista político da Universidade de Colónia Thomas Jäger acrescenta outra crítica: “Ela vai ser durante muito tempo fustigada por permitir o surgimento de um partido à direita dos conservadores”, uma enorme mudança na paisagem política alemã, onde o peso da História foi impedindo o avanço deste tipo de formações. “Mas ninguém no partido tentará derrubá-la”, garante, em declarações à agência Reuters.

Isto embora não seja claro se Merkel, cuja taxa de aprovação desceu para 45% (já foi de 67%), concorrerá às eleições de 2017.

O jornal de grande circulação Bild perguntava em título quantos golpes poderá Merkel suportar, e de seguida o que poderia parar o curso da AfD.   

Próximo capítulo: Berlim

Este partido, formado mesmo antes das legislativas de 2013, não conseguiu então eleger deputados para o Parlamento, ficando aquém dos 5% necessários para um grupo ter representação nacional.

A AfD de então tinha como principal missão a luta contra os empréstimos aos países do euro em dificuldades, fazendo campanha sobretudo contra os resgates, mas mudou de liderança e paradigma e tornou-se um partido anti-refugiados, anti-imigração, com ocasionais tiradas racistas, explorando ainda a imagem de partido de outsiders da política.

A nível nacional, as projecções dão entre 11% a 14% à AfD, e um dos seus maiores sucessos parece ter sido entre eleitores que normalmente se abstêm.

Além dos esperados ataques da AfD, Merkel foi logo criticada pela União Social-Cristã, o partido-gémeo da CDU na Baviera, que sempre defendeu uma linha própria de política de refugiados (mais uma vez, responsáveis bávaros insistiram num “limite máximo anual” de entrada de refugiados).

O próximo capítulo são as eleições na cidade-estado de Berlim, dentro de duas semanas. A capital recebeu muitos refugiados e a atmosfera geral é a de boas vindas, com iniciativas de cidadãos a multiplicarem-se. Mas muitos espaços, incluindo ginásios de escolas, servem há quase um ano de “abrigos de emergência” e a cidade está agora a pedi-los de volta e a mudar os refugiados para outros locais, um processo moroso e complicado, porque há escassez de casas e quartos. Aqui, as sondagens prevêem que a AfD entre no Parlamento com cerca de 15%. A pressão sobre Merkel vai continuar.