Tribunal Europeu condena Portugal por violação da liberdade de expressão

Em causa está um artigo de opinião da revista Visão, de 2004, condenado em Portugal, pelos tribunais, por danos morais ao então primeiro-ministro Santana Lopes. Artigo questionava se as críticas ao comentador Marcelo Rebelo de Sousa não se ficavam a dever ao consumo de drogas duras.

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Pedro Santana Lopes ENRIC VIVES-RUBIO

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou nesta terça-feira o Estado português ao pagamento de uma multa de 30 mil euros, mais perto de nove mil euros para custas, por violação da liberdade de expressão. Em causa está um artigo de opinião do jornalista Filipe Luís publicado na revista Visão a 7 de Outubro de 2004 que questionava se o então primeiro-ministro Pedro Santana Lopes não tomaria “drogas” duras pelas reiteradas críticas que fazia ao comentador da TVI Marcelo Rebelo de Sousa.

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O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou nesta terça-feira o Estado português ao pagamento de uma multa de 30 mil euros, mais perto de nove mil euros para custas, por violação da liberdade de expressão. Em causa está um artigo de opinião do jornalista Filipe Luís publicado na revista Visão a 7 de Outubro de 2004 que questionava se o então primeiro-ministro Pedro Santana Lopes não tomaria “drogas” duras pelas reiteradas críticas que fazia ao comentador da TVI Marcelo Rebelo de Sousa.

A revista Visão e o jornalista Filipe Luís foram condenados pelo Tribunal de Oeiras, em Novembro de 2010, a pagar uma indemnização a Pedro Santana Lopes por danos morais no valor de 30 mil euros devido ao conteúdo da crónica. O antigo primeiro-ministro tinha movido um processo cível contra a revista e contra o jornalista pelo que este escrevera na crónica com o título O Despertar do Presidente.

Filipe Luís dizia nessa crónica que, por causa das críticas reiteradas do comentador no Jornal Nacional da TVI, "o primeiro-ministro mandou, um tanto ou quanto covardemente, o seu mais fiel servidor, Rui Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares, acusar Marcelo de mentiroso e deturpador, ameaçando com queixas à Alta Autoridade". “Será um delírio provocado por consumo de drogas duras, uma nova originalidade nacional ou apenas um disparate sem nome?”, questionava Filipe Luís.

O TEDH diz que "é evidente que o jornalista não queria imputar o consumo de drogas duras ao primeiro-ministro, nem lançar um rumor desta natureza, mas sim utilizar a ironia para contestar uma proposta política".

Segundo alegou Santana Lopes na altura, o artigo induziu na opinião pública portuguesa a ideia de que ele, então primeiro-ministro, "era um potencial consumidor de drogas duras".

Santana Lopes considerou que o artigo colocou em causa, "de forma grave e séria", a sua consideração pessoal e profissional e ainda a sua capacidade para exercer o cargo. Por isso, pedia uma indemnização não inferior a 150 mil euros para compensar os danos não patrimoniais e patrimoniais.

Em 2010, o Tribunal Cível de Oeiras deu razão a Santana Lopes e condenou a revista Visão e o jornalista ao pagamento de 30 mil euros por danos morais num processo intentado em 2004 pelo então ainda primeiro-ministro.

Em 2012 o caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça que validou a decisão, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, numa sentença desta terça-feira, adoptada por unanimidade pelos juízes da 4.ª secção, vem considerar uma violação da liberdade de expressão.

"Pode ser que o Tribunal Europeu seja a água mole em pedra dura"

Para o advogado e colunista do PÚBLICO Francisco Teixeira da Mota, "esta condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu vem demonstrar, mais uma vez, que muitos juízes portugueses ainda não aceitaram — ou não querem aceitar — o papel que a liberdade de expressão inevitavelmente ocupa numa sociedade democrática”.

“Os nossos tribunais, em violação da lei, continuam, em muitos casos, a só aceitar como legítimas as críticas inócuas e que não ofendem, empobrecendo, assim, irremediavelmente o debate público”, acrescenta.

Francisco Teixeira da Mota diz ainda que “pode ser que o Tribunal Europeu seja a água mole em pedra dura….”

“O único problema é que, enquanto os tribunais não evoluírem, estamos todos a pagar por isso, tanto pela diminuição da qualidade da discussão pública, como pelas indemnizações que o Estado — e não o criticado — é condenado a pagar", conclui.

O Ministério da Justiça fez saber que o Estado encontra-se a analisar a decisão do Tribunal Europeu "e a avaliar se existem fundamentos para interpor recurso, decisão que deverá ser tomada no prazo de três meses".

Já Santana Lopes optou por não fazer declarações, mas a sua advogada, Andreia Campos, contactada pelo PÚBLICO, disse “não poder deixar de estranhar” a decisão. Lembrando que a condenação de hoje foi ao Estado Português e não a Santana Lopes, Andreia Campos afirma que do artigo em causa constavam “factos falsos” e afirmações que atentavam contra o bom nome do então primeiro-ministro, como a sugestão do “consumo de drogas duras”.

Filipe Luís também optou por não fazer declarações, por entender que, a haver uma reacção, ela deve vir dos responsáveis da Visão.

O que diz o artigo 10?

O Tribunal Europeu alega que os tribunais portugueses violaram o artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem relativo à liberdade de expressão

“Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras”, diz o ponto um do artigo 10 da convenção. "O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia."

No ponto dois, é acrescentado que “o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.

O acórdão do TEDH na íntegra (versão em francês)