Quando os fantasmas de Paris tinham um só nome: Belphégor

No Portugal dos anos 1960, numa televisão ainda a preto-e-branco, esta série francesa deixou marcas. Era um susto e era uma festa, para toda a família, seguir Belphégor e os seus misteriosos enigmas.

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Mesmo para quem não acredita em fantasmas, este era absolutamente irresistível: um vulto negro de olhos cintilantes a sobressaírem de uma inexpressiva máscara, como uma figura egípcia arrancada das trevas, ágil e aparentemente indestrutível. E isto em cenários assombrados, as galerias de um museu desertas, atemorizantes. Era um susto e era uma festa, para toda a família, seguir Belphégor e os seus misteriosos enigmas.

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Mesmo para quem não acredita em fantasmas, este era absolutamente irresistível: um vulto negro de olhos cintilantes a sobressaírem de uma inexpressiva máscara, como uma figura egípcia arrancada das trevas, ágil e aparentemente indestrutível. E isto em cenários assombrados, as galerias de um museu desertas, atemorizantes. Era um susto e era uma festa, para toda a família, seguir Belphégor e os seus misteriosos enigmas.

No Portugal dos anos 1960, numa televisão ainda transmitida a preto-e-branco, com horários curtos, seguida em aparelhos de ecrã arredondado que se assemelhavam a aquários, esta foi uma das séries que deixou marcas. Talvez por não ser um simples policial (também era), nem um romance (também tinha), nem um filme de terror (mas aterrorizava). Nesse tempo, as séries francesas ainda marcavam lugar por cá. Basta lembrar Thierry La Fronde (1963-1966) ou Les Compagnons de Baal (1968). Ora foi neste lote que surgiu Belphégor. O genérico era, desde logo, um tratado. O Sena, com uma ponte ao fundo, as letras "Paris 1965…" (o pormenor das reticências, a lembrar o "era uma vez…" das histórias), o troar de dois tiros, a fachada do Louvre, um irritante alarme a soar e a música de Antoine Duhamel a insinuar-se, com uma breve tempestade de tambores a abrir caminho a uma inquietante "valsa" espectral.

E isso era apenas o início. De que tratava Belphégor? De uma obsessão. De medos. De amores. De terror. De coisas banais. De coisas fantásticas. De coisas inexplicáveis. Em França, estreou-se a 5 de Março de 1965, no meio de enorme expectativa. Na véspera, no Figaro, Claude Barma (realizador da série, com Jacques Armand), explicava que decidira dividir Belphégor em quatro grandes episódios de 70 minutos cada, porque isso lhe lembrava "os filmes em série de antigamente". Sim, era vulgar ver filmes no cinema em duas, três ou quatro partes, em dias diferentes.

Assim foi: em França, durante os quatro sábados de Março de 1965 (a série foi rodada em 1964 e nela participava a já então célebre cantora Juliette Gréco), Belphégor fez colar aos ecrãs qualquer coisa como 10 a 15 milhões de telespectadores por episódio, isto num país de 48 milhões de habitantes, dos quais apenas 40% tinham televisão em casa. O fenómeno teve duas faces: a atracção e o repúdio. Pais houve que proibiam as crianças de vê-lo. E, segundo Barma afirmou, já em 1985, também ao Le Figaro, houve até "professores que protestaram, porque a silhueta aterrorizante do fantasma traumatizava os seus alunos e perturbava-lhes o sono." Mesmo assim, toda a França falava de Belphégor. Havia até visitantes do Louvre a perguntarem insistentemente por ele aos guardas do museu.

Mas afinal o que nos prendia à série? O fantasma? Não só. Também o ambiente de tensão e mistério que o rodeava, com a agravante de se passar num quotidiano normal. E essa foi talvez a chave do seu êxito. Não era em Marte ou na Lua, era no meio de nós. Os disparos que se ouvem no início são do guarda Gautrais. Viu um fantasma perto da estátua de Belphégor (que não existe no Louvre, diga-se; aliás, como não foi possível filmar no museu, este foi recriado nos estúdios de Saint-Maurice), disparou dois tiros e accionou o alarme. Alcunhado de Glu-glu, devido ao seu vício pelo álcool, duvidaram dele. Mas o fantasma voltou. E o chefe dos guardas apareceu morto. Aqui, começamos a conhecer as personagens: o comissário da polícia, Ménardier; a sua filha, Collette, que se apaixona por André (jovem estudante obstinado em resolver o enigma), que por sua vez tem um estranho affaire com Laurence (Juliette Gréco), que é a paixão do perturbante Boris Williams, filho de uma excêntrica cantora inglesa, Lady Hodwin. A esta teia de amores mistura-se, em doses infalíveis, o temor. Como quando André é atado a um dos tampões-de-choque de uma carruagem de mercadorias, de noite, e só por um triz escapa a ser esmagado pelas carruagens que se vão aproximando. Isto fazia-nos agarrar à cadeira, claro.

Um resumo da história? Boris, fanático do ocultismo, usa um "fantasma" hipnotizado para descobrir no Louvre o paradeiro do metal do Paracelso (que lhe permitirá dominar o mundo), ali escondido pela confraria Rosa-Cruz (no livro em que a série se baseou, escrito por Arthur Bernéde em 1927, a busca era pelo tesouro dos reis de França). E o metal está na estátua de Belphégor, que a um gesto do fantasma surge incandescente aos nossos olhos. Quem se esconde por detrás da máscara? Laurence, hipnotizada. Ou a sua irmã gémea, Stéphanie (também Juliette Gréco), dada falsamente como morta. Mas quem dá corpo ao fantasma durante quase toda a série é afinal um homem: o mimo, comediante e coreógrafo Isaac Alvarez, fundador em 1981 do Théâtre du Moulinage (numa cena à Hitchcock, podemos vê-lo de relance, como mordomo num jantar social dado por Boris).

Revista hoje a série, num duplo DVD editado pela TF1, com imagem e som muito bem cuidados (sem quaisquer legendas), o essencial nela não envelheceu: o mistério.

Em finais de 1965, o presidente francês, Charles De Gaulle, chegou a dizer que se ele não estivesse no poder, a França arriscava-se "a ficar numa situação à Belphégor". Nem à política escapava, seguindo a moda, o discurso do medo. Nisso não mudámos muito, até hoje.

Nome original: Belphégor ou Le Fantôme du Louvre

Protagonistas: Juliette Gréco (Belphégor, Laurence e Stéphanie), Yves Rénier (André Bellegarde), Christine Delaroche (Colette), René Dary (comissário Ménardier), François Chaumette (Boris Williams), Sylvie (Lady Hodwin)

Anos em que passou na TV: segunda metade da década de 1960

Esta série é publicada à segunda e à terça-feira. Próxima série: Quem Sai aos Seus