Bancos centrais não conseguem quebrar o ciclo dos estímulos

Há pressão prolongarem os estímulos, mas os bancos centrais não podem fazer tudo sozinhos.

Foto
Haruhiko Kuroda, governador do Banco do Japão, terá de avaliar o efeito das suas políticas, mas dificilmente poderá recuar Reuters/Yuya Shino

Nos dias que correm, quando os responsáveis dos bancos centrais param para pensar, há apenas uma ideia que não lhes passa pela cabeça: recuar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nos dias que correm, quando os responsáveis dos bancos centrais param para pensar, há apenas uma ideia que não lhes passa pela cabeça: recuar.

Veja-se o exemplo de Haruhiko Kuroda, governador do Banco do Japão. Tendo ajudado a sua instituição a adoptar cada vez mais medidas de estímulo pouco convencionais e reflacionárias, muito mais do que os seus homólogos noutros bancos centrais, vê-se agora pressionado para efectuar uma avaliação alargada sobre os efeitos desses mesmos estímulos, que já se diluíram ou mesmo desapareceram. A única coisa que o Banco do Japão não decidirá quando a avaliação estiver terminada e for debatida na reunião de Setembro, afirma Kuroda, é fazer menos.

Tudo isto se assemelha ao dilema que os líderes dos bancos centrais deverão discutir no final deste mês no encontro anual Fed, que se realiza em Jackson Hole, no estado do Wyoming. Enquanto os governos começam a libertar-se das garras da austeridade que tem impedido o crescimento económico nos últimos anos, o apoio das autoridades na Europa, no Japão e mesmo nos EUA tem sido, na melhor das hipóteses, modesto, e fica longe das soluções a longo prazo, mantendo a pressão sobre os bancos centrais para prolongarem os seus próprios estímulos.

“Se bem que os responsáveis dos bancos centrais se mostrem exasperados por estarem sobrecarregados e não parem de falar sobre reformas estruturais, eles também sabem que não podem dar a impressão de que estão a desistir”, afirma Janet Henry, directora de economia global no banco HSBC de Londres. “Têm de ser muito, muito cautelosos, e não passarem a ideia de que já fizeram tudo o que podiam fazer”, afirma.

Isto sucede em parte devido à sensibilidade dos mercados face à percepção de que os bancos centrais estão a tirar o pé do acelerador – veja-se a súbita valorização do iene a 21 de Julho quando surgiram notícias de que Kuroda tinha rejeitado avançar com uma injecção maciça de dinheiro, ou a queda dos mercados de valores globais a 3 de Dezembro após o BCE não ter avançado, como se esperava, com estímulos adicionais. E também porque os banqueiros centrais não conseguem admitir os seus falhanços.

Ao tentar atingir o objectivo dos 2% de inflação anual, o Banco do Japão alargou o seu balanço a mais de 80% do PIB, um valor muito mais elevado do que o alcançado pelas medidas de estímulo semelhantes na Europa ou nos EUA. Apesar de alguns resultados positivos iniciais no sentido de reverter a deflação, após os efeitos do aumento de impostos indirectos (IVA) de 2014 se terem desvanecido e o preço do petróleo ter entrado em colapso, o índice de preços no consumidor desceu de forma abrupta e tem deslizado sistematicamente ao longo da maior parte deste ano.   

Foto
Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, foi o último a cortar os juros e a reforçar compra de activos AFP/ DYLAN MARTINEZ

As críticas que foram feitas, tanto no Japão como no estrangeiro, em Janeiro, à decisão de introduzir uma taxa de juro negativa em alguns depósitos, poderão ter também ajudado a alterar a linha de pensamento. Enquanto os investidores têm questionado se os estímulos do Banco do Japão não terão já chegado aos limites das suas possibilidades, a maioria dos economistas sondados pela Bloomberg News afirma que a avaliação irá provavelmente resultar em mais estímulos, e não menos.  

Na Europa, a política monetária também está preparada para ser reforçada. O presidente do BCE, Mario Draghi, enfrenta o risco de uma nova desaceleração da economia no rescaldo da decisão do Reino Unido de sair da UE, bem como uma nova pressão negativa na inflação através dos preços do petróleo em queda. A inflação na zona euro cresceu uns meros 0,2% em Julho. Mais estímulos, na forma de uma prolongada compra de activos, poderão ser ponderados na reunião de 8 de Setembro.       

E isso apesar da intensa retórica dos responsáveis do BCE no sentido de os governos dos 19 países da zona euro terem de aumentar os apoios orçamentais à economia, e intensificar as reformas estruturais. Draghi utiliza as suas conferências de imprensa para apelar a que “outros protagonistas” façam também o seu papel.

O Banco de Inglaterra, que cortou nas taxas de juro e aumentou a compra de activos, numa tentativa de evitar uma recessão provocada pela saída da União Europeia, está a equilibrar-se numa linha cada vez mais fina que separa as funções do governo e o seu próprio mandato.  

Embora negue que a política monetária tenha esgotado as suas possibilidades, Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, tem-se comprometido a “dizer a verdade absoluta, doa a quem doer” sobre quais são os limites da instituição que dirige num ambiente de elevadíssimas incertezas.  

Em qualquer caso, as previsões do Banco de Inglaterra de uma desaceleração da economia em consequência da decisão de abandonar a UE estão a começar a concretizar-se. Uma sondagem efectuada junto de responsáveis empresariais e publicada na semana passada mostra que “as intenções de [criação de] emprego e de investimento baixaram em termos absolutos”. 

Foto
Mari oDraghi e Janet Yellen vão voltar a encontrar-se em Jackson Hole REUTERS/David Stubbs

As medidas de estímulo constituem também uma questão debatida nos EUA. Embora a maior economia a nível mundial deva crescer quase 2% neste ano e a Fed tenha embarcado numa política mais restritiva, a expansão revela-se lenta em termos históricos. Isso sugere que o banco central sozinho “não consegue fazer grande coisa tendo em vista a aceleração da potencial taxa de crescimento a longo prazo”, de acordo com Stephen Stanley, economista-chefe na Amherst Pierpont Securities em Nova Iorque. 

Janet Yellen, a presidente da Fed que irá discursar no dia 26 deste mês em Jackson Hole, declarou em Junho que o banco central ainda possui ferramentas para apoiar a procura se tal for necessário. Nas raras circunstâncias em que surjam “severos riscos de diminuição”, a política monetária e a política orçamental não deverão “funcionar em sentidos opostos”, afirmou Yellen.

Mas um pouco por todo o Mundo industrializado, enquanto as economias enfrentam populações envelhecidas, fraco crescimento da produtividade e uma queda das taxas de juros, o alinhamento entre as políticas monetárias e orçamentais poderá não ser suficiente. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, por exemplo, teve pouco sucesso ao tentar forçar mudanças estruturais que vão para além do estímulo orçamental a curto prazo.    

Sem auxílio, corre-se o risco de os bancos centrais continuarem fechados num ciclo de estímulos que não conseguem quebrar.

“Existe uma maior consciência dos limites da política monetária, mas não tenho a certeza de que exista também uma vontade de usar activamente a política orçamental”, diz Domenico Lombardi, director do programa de economia global no Centre for International Governance Innovation na Universidade de Waterloo, Ontário (Canadá). *Com Toru Fujioka. Bloomberg/PÚBLICO