Disparidades entre ricos e pobres são flagrantes e crescentes nas crianças

Angola continua a ser o país com a taxa de mortalidade infantil mais elevada do mundo. Relatório da UNICEF 2016 é publicado esta terça-feira.

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Houve avanços nalguns países mas as desigualdades continuam a ser extremas entre Estados e dentro dos próprios países entre os mais ricos e os mais pobres, resume a UNICEF Manuel Roberto

Os avanços conseguidos para se alcançarem os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM) em 2015 permitem olhar para a pobreza e níveis de desenvolvimento numa perspectiva mais positiva nalgumas partes do planeta. Globalmente, as taxas de mortalidade de crianças até aos cinco anos baixaram para menos de metade do que em 1990 e o total das pessoas a viver na pobreza extrema é quase metade do que era nessa década.

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Os avanços conseguidos para se alcançarem os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM) em 2015 permitem olhar para a pobreza e níveis de desenvolvimento numa perspectiva mais positiva nalgumas partes do planeta. Globalmente, as taxas de mortalidade de crianças até aos cinco anos baixaram para menos de metade do que em 1990 e o total das pessoas a viver na pobreza extrema é quase metade do que era nessa década.

Mas isso apenas nalguns países e regiões do globo, escreve o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no seu relatório Uma oportunidade justa para todas as crianças publicado hoje. Angola continua a ser o país do mundo onde morrem mais crianças: 157 em mil com menos de cinco anos. Este país produtor de petróleo tem assim a maior taxa de mortalidade infantil, seguido do Chade e da Somália. Também a Guiné Equatorial, outro Estado petrolífero e membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde 2014, apresenta uma taxa elevada, posicionando-se em 11º, logo a seguir à República Democrática do Congo e do Níger, com 93 mortes em cada mil crianças com menos de cinco anos.

Guiné-Bissau e Moçambique também estão na lista dos 25 países onde essa taxa é mais elevada, com 93 mortes por mil e 79 mortes por mil respectivamente, sendo os dois únicos países lusófonos onde a UNICEF encontrou uma carência extrema de médicos, enfermeiros e parteiras – com números abaixo dos 10 profissionais do sector por 10 mil pessoas, sendo o nível considerado mínimo para a Organização Mundial de Saúde de 23 profissionais de saúde por cada 10 mil habitantes.

O relatório identifica causas para retrocessos e exemplos de sucesso e coloca o enfoque na igualdade, ao admitir  que “os progressos alcançados não foram uniformes nem justos”. As expectativas negativas traduzem-se em números avassaladores no relatório e o prefácio do director-executivo Anthony Lake, alerta para isso mesmo, se nada for feito para inverter a tendência.

“O tempo de agir é agora”, escreve o responsável da UNICEF. É urgente esbater as desigualdades “que colocam milhões de crianças em perigo e ameaçam o futuro” num mundo onde é dez vezes mais provável uma criança da África Subsariana morrer antes dos cinco anos, do que uma criança num país rico, defende.

Os Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio não foram atingidos entre 2000 e 2015. E 2030 passou a ser a nova meta para se alcançarem idênticos indicadores – os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável – que introduzem, entre outras coisas, a redução das desigualdades dentro dos países mas também entre eles.

Em média, e tendo em consideração a dimensão da população, a desigualdade aumentou 11% entre 1990 e 2010 nos países em desenvolvimento. E uma grande maioria de famílias, mais de 75% segundo as Nações Unidas, vive em sociedades onde o rendimento é menos bem repartido do que na década de 1990.

Avanços e diferenças

No mundo inteiro, as crianças que nascem hoje têm 40% mais hipótese de sobreviver antes de completarem cinco anos e de irem à escola do que as crianças nascidas no início da década de 2000, conclui o documento de mais de 180 páginas. Porém, ao mesmo tempo que assinalam avanços, as médias nacionais escondem disparidades flagrantes – e por vezes crescentes – entre crianças de famílias mais pobres e crianças de famílias mais ricas. “Não podemos deixar que a história se repita”, assume o documento que quantifica claramente custos e consequências do fracasso e qualifica-os de “enormes”.

O fracasso é previsível, se as tendências dos últimos 15 anos se mantiverem nos próximos 15 anos. Se assim for, 167 milhões de crianças poderão estar a viver na pobreza extrema, a maioria das quais na África Subsariana. Estima-se igualmente que 3,6 milhões de crianças por ano poderão morrer antes dos cinco anos, ainda e na maior parte dos casos por doenças ou causas que poderiam ter sido evitadas se tivessem sido prestados cuidados de saúde.

Síria e refugiados entre as principais preocupações

A África Subsariana, a Síria devido ao prolongamento e à violência da guerra, e os milhões de refugiados que fugiram deste e de outros países são os três focos de maior preocupação da UNICEF relativamente à pobreza infantil. A população pobre da Síria mais do que triplicou, ao passar de 12,3% do total em 2007 para 43% do total em 2013. Estima-se que entre os milhões de refugiados, sobretudo sírios, mais de dois terços sejam pobres. E neste conjunto, as crianças representam mais de metade. Nalguns casos, só há dados estatísticos disponíveis até 2013.

A UNICEF constata por outro lado que depois de vários anos em que a pobreza baixou nos países do Norte de África e Médio Oriente, voltou a estagnar ou mesmo a aumentar nalguns países. Nos países da África Subsariana, vive não apenas a maioria da população pobre mas aquela que continua a aumentar. Lê-se no relatório que, partindo das tendências actuais, e se nada se alterar, nove em cada 10 crianças a viver com menos de 1,9 dólares por dia (1,7 euros) serão em 2030 de países da África Subsariana.