Eu já desactivei a minha conta no Facebook, e tu?

De então para cá sinto um alívio que nem vos conto, é como se tivesse tirado um peso das costas, até ando mais direito, despreocupado, informado, perdi peso e ando mais elegante

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Pixabay

“Quer desactivar a sua conta no Facebook?“, pergunta o algoritmo, “Tem mesmo a certeza de que quer desactivar a sua conta no Facebook?“, volta a repetir o algoritmo na página a seguir, “Por favor indique-nos a razão pela qual pretende desactivar a sua conta no Facebook“, “Outras“, respondo eu, “Pense em todos os amigos que vai deixar para trás no Facebook“ (e agora já entramos na lamechice e a lágrima no canto do olho), “Por favor digite a sua palavra passe“, digito a minha palavra passe e, finalmente, desactivo a minha conta no Facebook!

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“Quer desactivar a sua conta no Facebook?“, pergunta o algoritmo, “Tem mesmo a certeza de que quer desactivar a sua conta no Facebook?“, volta a repetir o algoritmo na página a seguir, “Por favor indique-nos a razão pela qual pretende desactivar a sua conta no Facebook“, “Outras“, respondo eu, “Pense em todos os amigos que vai deixar para trás no Facebook“ (e agora já entramos na lamechice e a lágrima no canto do olho), “Por favor digite a sua palavra passe“, digito a minha palavra passe e, finalmente, desactivo a minha conta no Facebook!

A partir de agora acabaram-se as bisbilhotices, as maledicências, as fotografias das férias de quem se diz nosso amigo constantemente esfregadas na cara quando são seis da manhã e vamos para o trabalho, ou à procura de trabalho, as "selfies" aos pratos de comida, as "belfies" e os desafios, amigos que se gabam de viver à custa das cunhas e dos pais, porque isto não é para quem quer, é para quem pode, e uma coisa é ter o cu virado para a lua e outra é ter de viver com a lua enfiada no cu, para já não falar na multitude de fotografias de gatinhos, frases etéreas e bocas indirectas, sem esquecer todas as crianças cujas fotografias navegam agora à deriva da necessidade de afirmação de certas mães e onde a filharada não tem voto na matéria, “porque neste mundo só há "dois" tipos de pessoas, as mães e as grávidas, e todos os outros.“

E agora? E agora precisamos de um substituto, que é para não cair na tentação de voltar a pedir mil e um pedidos de amizades a todos os colegas do Secundário e da Universidade, os quais não vejo há 20 anos e que, apesar dos inúmeros “Olá, está tudo bem?“, ainda hoje ignoram as minhas mensagens. Instalo quinze “apps“ entre jogos e notícias, as quais serão a pastilha elástica do fumador nos primeiros dias a seguir a largar o maço no cesto de papéis do parque ao pé de casa, porque entretanto a palavra de ordem é só uma: mascar.

E agora? E agora não digas a ninguém, se com os cigarros foi o que foi, agora é que ninguém vai acreditar em ti! Por isso nada de comportamentos suspeitos, até porque lá em casa está tudo agarrado ao telemóvel enquanto, placidamente, me dedico à leitura de um jornal, daqueles feitos de papel e tudo, e onde é preciso virar as páginas ora da esquerda para a direita, ora da direita para a esquerda com o auxílio dos dois braços, das duas mãos e dos dez dedos, ao invés de um polegar apenas. Felizmente, e porque lá em casa ainda está tudo agarrado ao telemóvel, ninguém me pergunta nada, absortos que estão em mundos paralelos onde a presença de um botão faz a destrinça entre o virtual e o real. De então para cá, e com o passar dos dias, deslizar o dedo no écran do telemóvel tornou-se não só um exercício deprimente como uma pura perda de tempo.

De então para cá já li três livros, de fio a pavio, daqueles sem imagens, quadradinhos, links para vídeos no “YouTube“ ou banda sonora, apenas letras pretas num fundo branco ao longo de quatrocentas páginas e todos os sonhos do Homem.

De então para cá já estou no nível 24 do “SimCity“, construí agora o aeroporto e enquanto produzo baldes de tinta, vigas de metal e maçarocas de milho, mantenho-me a par de tudo quanto se vai passando pelo mundo.

De então para cá tenho o email cheio com mensagens do Facebook e um sem fim de sugestões de amizades de quem, um dia, foi supostamente meu "amigo".

De então para cá já disse a toda a gente não ter conta no “Facebook“, sendo que de então para cá toda a gente sente a necessidade de correr atrás de mim a gritar “Já viste o que puseram no “Face“?“ mais ao menos ao mesmo tempo que fecho a porta do quarto.

De então para cá sinto um alívio que nem vos conto, é como se tivesse tirado um peso das costas, até ando mais direito, despreocupado, informado, perdi peso e ando mais elegante, porque a vida não só continua como existe para além dos cigarros e para além do “Face“, num admirável mundo novo onde nos é permitido existir e sorrir sem que disso se faça um álbum de fotografias para partilhar com os amigos. Até porque se os meus amigos quisessem mesmo saber de mim, já me tinham mandado uma mensagem, e até agora nada.