Milhares de embalagens de sal vão invadir o Sado mas há quem lhes prometa luta

Centenas de mariscadores aproveitando a baixa-mar vão proceder à apanha do lingueirão com ajuda de sal fino. Equipas de voluntários tentarão recolher o lixo que a actividade deposita no ecossistema marinho.

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Ocean Alive

A partir das 8 horas desta sexta-feira e até ao início da tarde vai repetir-se o cenário que se tornou comum nesta altura do ano: centenas de mariscadores “invadem” o estuário do Sado para se dedicarem à apanha do lingueirão. um bivalve que vive enterrado na vasa dos estuários dos rios. À medida que passam, deixam um rasto de lixo que equipas de voluntários se propõem apanhar para evitar que cheguem ao mar,

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A partir das 8 horas desta sexta-feira e até ao início da tarde vai repetir-se o cenário que se tornou comum nesta altura do ano: centenas de mariscadores “invadem” o estuário do Sado para se dedicarem à apanha do lingueirão. um bivalve que vive enterrado na vasa dos estuários dos rios. À medida que passam, deixam um rasto de lixo que equipas de voluntários se propõem apanhar para evitar que cheguem ao mar,

As artes de pesca que utilizam resumem-se a um balde de plástico que transporta embalagens com sal fino. O mariscador, à medida que percorre o estuário no período da baixa-mar, vai localizando sinais da presença do molusco enterrado na areia através de um pequeno buraco em forma de oito, e é dentro dele que injecta sal. Decorridos alguns segundos, o lingueirão sai parcialmente da sua “toca” por ser muito sensível à salinidade, é agarrado e retirado cuidadosamente de forma a trazê-lo inteiro.

À medida que as embalagens de sal são despejadas, vão sendo deixadas no local da apanha e substituídas no balde pelos lingueirões. É aqui que vão intervir os voluntários da associação Ocean Alive, liderados pela bióloga marinha Raquel Gaspar, para evitar que os mariscadores deitem as embalagens ao mar.

“Estimamos que cada mariscador utilize cerca de dez frascos por dia de apanha”, salienta ao PÚBLICO Raquel Gaspar, explicando que ao longo do ano, a apanha acontece sobretudo “durante as marés grandes”, isto é, duas vezes por mês. O grande pico da afluência de mariscadores é na sexta- feira santa. Todos os anos, só neste dia, são deixadas no mar muitas centenas de embalagens de plástico. “Se formos bem sucedidos, conseguiremos num só dia evitar que muitas centenas de embalagens de plástico sejam incorporadas no ecossistema marinho e assim ajudamos a salvar o habitat dos golfinhos do Sado”, explica a bióloga.

Se o lixo de plástico não for recolhido acabará por ser incorporado “pelos peixes, mariscos e os golfinhos do Sado, ao longo de um processo de degradação que demora dezenas a centenas de anos”, realça Raquel Gaspar. Neste longo processo, as embalagens desfazem-se em partículas de médias dimensões que poderão “ferir, asfixiar, causar úlceras ou a morte de animais marinhos”. E quando se transformam em partículas mais pequenas, aumenta a sua toxicidade porque aglutinam compostos organoclorados “com efeitos nefastos no sistema imunitário e na reprodução animal”, adverte a coordenadora da Ocean Alive.  

O seu impacto afecta sobretudo as pradarias marinhas, habitat único de plantas aquáticas, pertencentes a um grupo que evoluiu a partir de ancestrais terrestres, há mais de 100 milhões de anos e que ocupam extensões em fundos de areia ou lodosos. “Têm raízes, caule e folhas e a capacidade de produzir flores, frutos e sementes”, assinala a bióloga, explicando como estas ervas marinhas realizam a fotossíntese utilizando a ”luz solar e algumas moléculas simples, como o dióxido de carbono, a água e os sais minerais, para fabricarem a sua própria matéria orgânica, gerando ao mesmo tempo oxigénio”.

Funcionam como refúgio contra predadores para várias espécies nos estados larvares e juvenis e como suporte das posturas, “como por exemplo o choco e o búzio”, explica Raquel Gaspar, que diz ter lido num artigo publicado na revista científica Nature que as pradarias marinhas são “o terceiro ecossistema do nosso planeta com mais valor.”  

A bióloga, natural de Leiria e que se encontra a estudar os ecossistemas do estuário do Sado desde 1994, diz que a única forma de proteger os golfinhos passa pela protecção do seu habitat - as pradarias marinhas do estuário do Sado.

Na véspera da acção de sensibilização dos mariscadores, Raquel Gaspar ainda não tinha conseguido assegurar o número mínimo de voluntários. “Temos 20 pessoas mas precisamos no mínimo de 40 para recolher as embalagens de plástico nos lugares de Eurominas, Gambia e em frente da fábrica da Portucel e próximo da doca da Polícia Marítima” em Setúbal.

Vão aparecer centenas de mariscadores que levarão milhares de embalagens de plástico para o interior do estuário do Sado quando “já há muitas no areal junto à costa” que precisam de ser recolhidas, observa a bióloga que deixa um apelo a todos aqueles que queiram participar na sensibilização para se inscreverem no site info@ocean-alive.org.