Desenhos de crianças sobre Alcântara vão decorar azulejos e candeeiros contra o desemprego

Projecto Fábrica Alcântara Mar vai usar desenhos para decorar peças que adultos desempregados irão produzir.

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Os painéis de Almada Negreiros na Gare Marítima de Alcântara foram visitados pelas crianças Daniel Rocha

Crianças do Alvito Velho, em Lisboa, estão a desenhar referências artísticas de Alcântara, como os painéis de Almada Negreiros, em azulejos e caixas de vinho, que desempregados deste bairro carenciado deverão produzir para vender, num projecto de empreendedorismo social.

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Crianças do Alvito Velho, em Lisboa, estão a desenhar referências artísticas de Alcântara, como os painéis de Almada Negreiros, em azulejos e caixas de vinho, que desempregados deste bairro carenciado deverão produzir para vender, num projecto de empreendedorismo social.

O projecto Fábrica Alcântara Mar, na sede da Cooperativa de Produção e Consumo de Alcântara – Segunda Comuna, pretende criar empregos neste bairro periférico, realizar actividades culturais e intervenções de urbanismo social, com o apoio do programa de intervenção em territórios prioritários Bip/Zip, da Câmara de Lisboa, num valor que ronda os 50 mil euros.

“Trata-se de criar uma marca, a marca Fábrica Alcântara Mar, com a produção de produtos manufacturados por pessoas do bairro no desemprego, com o objectivo de terem um complemento financeiro ou até poderem criar pequenas empresas”, explicou Ruth Calvão, do Teatro Umano Associação Cultural, gestora do projecto.

O Alvito Velho começou por ser um bairro dos operários que no século passado vinham trabalhar nas muitas fábricas que existiam em Alcântara.

O fim das fábricas e a construção da ponte 25 de Abril contribuíram para reduzir o bairro à sua situação de hoje, uma “ilha” de casas degradadas, servidas por uma estrada íngreme, onde a única entrada de carro é também a única saída.

Um terço dos habitantes são idosos e 24% da população tem até 25 anos e faz parte de famílias com baixos rendimentos, elevados índices de abandono escolar, marginalização e desemprego, além de terem pouca noção de comunidade.

Quando o trabalho a fazer é o de dar aos moradores uma identificação e um sentido de pertença ao bairro, “nada melhor do que começar pelos mais pequenos”, afirmou à Lusa Carlos Gomes, professor há 30 anos na escola Francisco Arruda, um dos parceiros da Fábrica.

Assim, 12 crianças do bairro, com cerca de 10 anos, andaram a conhecer Alcântara, o Alto de Santo Amaro e a zona envolvente, como os painéis de Almada Negreiros na Gare Marítima de Alcântara e Rocha Conde de Óbidos, o museu da Carris e a Igreja de Santo Amaro.

Registaram estes locais em desenhos, que agora estão a reproduzir em protótipos para decorar os azulejos, candeeiros e caixas de madeira para vinhos, que os adultos deverão produzir.

“Isso é a parte mais difícil, que é conseguir a sustentabilidade dos adultos. Neste momento penso que deveria haver mais gente comprometida. Mas isso tem a ver com o local. É um local muito difícil”, disse o docente, explicando que, “quando acabaram com o Casal Ventoso, a droga disseminou-se e um dos [principais] locais [para onde se disseminou] é onde está localizada agora a Fábrica”.

Carlos Gomes está optimista, porque “já é bom as crianças não terem desistido”, e espera que elas possam trazer os pais a participar em actividades.

Nesta fase, as crianças conhecem melhor Alcântara, sentem-se úteis porque estão "a ajudar as pessoas a terem emprego" e até apresentaram à Lusa sugestões para melhorar o bairro, como “um parque para brincar e alargar a estrada”, “tirar os prédios” e arranjar “empregos, fábricas, espaços para as pessoas trabalharem”.

Ruth Calvão admite que é muito difícil conseguir que os adultos do bairro trabalhem numa base regular. O projecto esperava ter dez pessoas a produzir, mas só tem sete.

Uma delas, Luísa Ventura, mostra com orgulho os sacos de pano e os azulejos decorados com a ponte sobre o Tejo, que está a realizar para uma encomenda da Junta de Freguesia de Alcântara.

“São todos confeccionados por mim. Já fazia antes, mas vendia mais para os amigos: Fazer assim para uma Junta de Freguesia era impensável. E isso já veio levantar o meu astral, porque tive alguém que gostou do meu trabalho”, disse.

O pagamento destes trabalhos é avaliado consoante a produção dos artesãos e parte da retribuição é, muitas vezes, em géneros, como produtos de supermercado.

Segundo Ruth Calvão, os produtos produzidos na Fábrica deverão adaptar-se às competências de cada artesão participante, mas os azulejos, os candeeiros e as caixas vão ser a imagem de marca da Fábrica e continuarão a ter temas relacionados com Alcântara e com os percursos dos alunos, nomeadamente os painéis de Almada Negreiros.