O pior pai do mundo

Ainda não passas de uma máquina-de-dar-pontapés-na-barriga e já me roubaste o meu santuário doméstico, que tanto me custou a conquistar e que agora é o TEU quarto

Foto
Pixabay

A escassas semanas de ser pai pela primeira vez ,estou menos preparado a cada minuto que passa. Por isso quero começar por pedir-te desculpa desde já, Alice.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A escassas semanas de ser pai pela primeira vez ,estou menos preparado a cada minuto que passa. Por isso quero começar por pedir-te desculpa desde já, Alice.

Desculpa porque vou fazer muitas asneiras, e sobretudo dizê-las. Qualquer motivo será suficiente para uma daquelas bujardas começadas por F. Um grande e sonoro F, capaz de corar o mais labrego dos camionistas. E motivos não vão faltar, desde não perceber porque choras até algo tão seminal como ver os meus tão cuidadosamente planeados horários totalmente devassados. Provavelmente merecias melhor, o problema é que eu ainda não sou pai, sou apenas um mero filho. Um filho onde a linhagem familiar termina, portanto, de certa forma, por ser o último e mais recente elo evolucionário da espécie, estou habituado a usufruir de algum estatuto, mas isso também está prestes a acabar. Já para não falar de que ainda não passas de uma máquina-de-dar-pontapés-na-barriga e já me roubaste o meu santuário doméstico, que tanto me custou a conquistar e que agora é o TEU quarto.

Para agravar isto tudo, dizem-me que hei-de chorar quando nasceres. Eu, que acho os bebés todos iguais e igualmente aborrecidos. Dizem-me também que vou tornar-me um sentimentalão, eu que fui criado a filmes do Stallone e do Chuck Norris. Principalmente dizem-me que a vida como eu a conhecia acabou, mas isso talvez seja uma coisa boa. Porque deve ser triste ser adolescente depois dos 40 anos.

Não que vá deixar de ser um, mas ao menos posso fingir melhor.

Sei que vou ter lutas novas, com os outros pais, com os médicos, com os professores, com os pediatras, e provavelmente comigo próprio e sobretudo com quem quer que seja que se meter contigo. E também sei que a razão nem sempre estará do meu lado. Mas qual é a novidade?

Depois há os rapazes. Sobre isso já ouvi todas as piadas que havia para dizer, excepto as piores. As piores seriam as minhas se não fosse eu quem está nesta situação, portanto é melhor nem falar sobre isto. Só não sejas nem demasiado libertina nem demasiado reprimida, mas acima de tudo nunca te envergonhes de fazer algo só para experimentar. É assim que se cometem os maiores erros da vida mas também é assim que se descobrem as maiores paixões. E se fores inteligente, os erros apenas são cometidos uma vez, depois aprende-se com eles e passas ao próximo. Porque não há mal nenhum em errar, há mal em ser conformado e alinhado, vivendo à espera que tudo aconteça.

Quanto às expectativas que possa ter, não te preocupes. Além de esperar sempre o pior do mundo, sei perfeitamente que os filhos têm de fazer o contrário do que os pais dizem. E essa é a única exigência que tenho, filha, que te revoltes, especialmente contra mim, o teu pai. Porque essa é a ordem natural das coisas e a vida é tua para viveres como quiseres, desde que com consciência, ardor e garra. Se conseguires fazer esta única coisa, talvez eu não falhe como pai.