Rir para não chorar

Há dias duros, quero ouvir os pássaros cantar que o vosso cacarejo dói-se-me. Nascer novamente, renascer, à hindu, recomeçar, que tenho a entranhada sensação que não é a primeira vez que galgo isto. Amar-vos a todos a maior parte do tempo é complicado

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Pixabay

E agora com vocês: candeia! De dia, ao meio-dia, no fórum, sem ironia nem graça, a ver se entrevejo razão para insistir...

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E agora com vocês: candeia! De dia, ao meio-dia, no fórum, sem ironia nem graça, a ver se entrevejo razão para insistir...

Se só voltasse depois de me encontrar nunca mais sabiam de mim. Apago o cigarro na poça só pelo barulhinho bom, perguntam-me porque é que os fumadores fumam, respondo “porque no fundo queremos morrer” (Freud explica) e choco o interrogador, não se pode ser honesto!

“Isso de estares sempre de 'phones' no pátio é maneira de impedir o contacto humano”, diz-me o colega psicólogo, assento com os olhos sem abrir a boca: “Podes crer!” penso de mim para mim. Porquê? É o pátio assim tão interessante?! Tão pouco criador de úlceras e arritmias.

Pois é assim, há dias duros, quero ouvir os pássaros cantar que o vosso cacarejo dói-se-me. Nascer novamente, renascer, à hindu, recomeçar, que tenho a entranhada sensação que não é a primeira vez que galgo isto, pior ainda: que ainda não é desta, pior um pouco mais: que ainda vou ter que o voltar a fazer... amar-vos a todos a maior parte do tempo é complicado.

Como-me, bebo-me, fumo-me, durmo-me, encharco-me em música e banda-desenhada, qualquer coisa para não ter que lidar com o real o tempo todo. Mas o "Correio da Manhã" e a secção de comentários online também são nossos, Davos e as 10.000 crianças refugiadas que se evaporaram na Europa também somos nós! Vá, digam-me lá que o povo é bom! Bom, bonzinho... há dias que temos dias.

Enxoto os momentos Agent Smith (“somos uma doença, um cancro, uma praga no planeta”), empurro o meu grão de areia à espera que a montanha se mova... mas às vezes só porque o desalmar-me seria tão feio, tão horroroso. Ponho os olhos nos exemplos dos meus maiores, nos velhinhos ainda tortos e teimosos no acreditar na humanidade. Semicerro-me com meio sorriso e empurro: vá lá cabranotes, força!

E eu bem sei que no longo prazo já ganhámos, ganhamos sempre, passámos os últimos 200 anos a ganhar... E no entanto ranjo... é que eu não vivo no longo prazo, diz lá como é tio Zé Mário: “Cabrões de vindouros!!”.

Dez para as duas da manhã e eu a olhar para vocês... amanhã entro às 9h00 (o que vale é que durmo pouco), para convencer os virgens da realidade do relativismo cultural: numa turma tenho uma determinista geográfica, noutra uma que “não acredita nos esquimós” (podia ser pior!).

Cinco para as cinco da tarde, entro pelo pátio do infantário para apanhar a garota: os diminutos cabriolam mais ou menos à solta, as educadoras e as “auxiliares” divertem-se demasiado para quem está a ser pago (menos a Celeste, a Celeste está sempre com o mesmo ar sério de sempre), evoluo lento por entre as bolas e os sacos e os pneus e os casacos e as marmitas e os bonecos e os curtíssimos e inocentes sociopatas. Sem classes, nem sexos, nem géneros, nem “raças”, nem fenótipos (“há uns meninos cor-de-rosa e outros castanhos” diz a minha, bendita!), tudo à balda aos saltos na risota do pátio, minúsculos bálsamos da alma.

Pois é, retratos abonatórios de nós mesmos, pequeninas razões para nos tornarmos responsáveis, desgrenhadas esperanças do futuro, ranhosas absolvições de tudo o resto que nos forçam à próxima remada. Cabrões de vindouros!