Voluntários de centro de Rennes recebem entre 100 e 4500 euros por ensaio

Hospital confirmou óbito de participante do teste da Bial que estava em morte cerebral, mas ainda ligado às máquinas. O estado de saúde dos outros cinco internados mantém-se estável.

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Melhor que um emprego estudantil bem remunerado, uma forma de um enfermeiro oferecer umas férias à família ou um pequeno complemento de reforma. É assim que na página da Biotrial, a empresa que possui o centro de ensaios em Rennes, França, onde ocorreu o incidente grave que provocou a morte a um homem e obrigou ao internamento de outros cinco, os voluntários falam da sua experiência nos ensaios clínicos da instituição.

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Melhor que um emprego estudantil bem remunerado, uma forma de um enfermeiro oferecer umas férias à família ou um pequeno complemento de reforma. É assim que na página da Biotrial, a empresa que possui o centro de ensaios em Rennes, França, onde ocorreu o incidente grave que provocou a morte a um homem e obrigou ao internamento de outros cinco, os voluntários falam da sua experiência nos ensaios clínicos da instituição.

A empresa, criada há 26 anos e com instalações nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Bélgica, explica que “compensa” os seus voluntários com montantes que variam entre os 100 e os 4500 euros, o limite anual imposto pela lei francesa para este tipo de pagamentos. “Livres de impostos”, faz questão de sublinhar no seu site. Numa conferência de imprensa realizada no sábado, o director-geral da Biotrial, François Peaucelle, citado pelo diário L’Indépendant, adiantou que no ensaio promovido pela Bial “uma semana completa de testes” rende “um pouco mais de mil euros”.

Em Portugal, a lei proíbe “quaisquer incentivos ou benefícios financeiros”, possibilitando apenas o pagamento do “reembolso das despesas” e dos “prejuízos” que os voluntários tiveram com a participação no ensaio. Uma funcionária ligada à realização destes testes que já passou por várias farmacêuticas explicou ao PÚBLICO que o reembolso das despesas é feito doente a doente e mediante a entrega de recibos. Pode passar por pagar uma viagem de avião, um serviço de táxi, uma refeição ou o equivalente a um dia de trabalho, quando este foi descontado.

Perguntas e respostas sobre ensaios clínicos

Um panorama diferente dos voluntários da Biotrial que nos testemunhos colocados no site sublinham a segurança com que os ensaios são feitos e não relatam qualquer tipo de problemas. Entra-se são e sai-se são, é essa a mensagem repetida ao longo das mensagens.

“Não é nem mais nem menos do que uma visita médica durante a qual nos tiram a tensão, nos fazem um electrocardiograma, ou nos tiram uma amostra de sangue... Passa-se bem”, relata Michel, um reformado de 60 anos que diz ir no seu nono ensaio.

Sobre os riscos, a Biotrial afirma que os efeitos secundários das substâncias testadas são muitas vezes conhecidos e que são referidos aos voluntários numa reunião organizada pela equipa responsável pelo estudo. “Os ensaios de Fase I utilizam doses limitadas. Se ocorrerem problemas, o teste é imediatamente interrompido”, informa-se. A empresa, que segundo os meios de comunicação franceses tem 300 funcionários, garante que dispõe de equipas médicas 24 horas por dia.

A rádio Europe 1 falou com dois voluntários do ensaio que reconheceram as motivações financeiras ao participar neste tipo de teste. Christopher, como é identificado por aquela rádio francesa, conta que durante a universidade se ofereceu para testar um medicamento contra as convulsões. "A motivação é puramente financeira. Propuseram-me 1200 euros por três noites num hospital. Pensei que era uma maneira rápida e fácil de ganhar dinheiro ", explica, precisando que usou a verba para passar uma semana de férias na Tunísia.

Já Tatiana, a outra voluntária ouvida, relata uma experiência menos feliz. Pagaram-lhe 1700 euros por 12 dias a testar um complemento alimentar "Eu tive muitas dores de estômago, dores fortes. Foi insuportável”, contou a voluntária, que se queixou igualmente de um mal-estar generalizado.

Nada que se compare ao caso de Rennes. O Hospital Universitário de Rennes confirmou neste domingo o óbito do doente que estava em morte cerebral mas que permanecia ligado às máquinas. Na instituição permanecem internados mais cinco voluntários que tomaram a nova molécula a partir da segunda semana deste mês. “O estado de saúde dos outros cinco pacientes hospitalizados permanece estável”, adianta a nota.

O comunicado não indica a idade do voluntário, sabendo-se apenas que terá entre 28 e 49 anos – o intervalo de idades dos seis participantes internados – e que foi o primeiro a apresentar problemas, tendo sido internado no domingo da semana passada. Os outros, quatro dos quais com lesões cerebrais de diferentes gravidades e um internado apenas por precação, foram hospitalizados entre domingo e quarta-feira passada.

A Bial reagiu num comunicado publicado na sua página a esta morte, expressando "profundos sentimentos e solidariedade para com os familiares deste voluntário". A farmacêutica portuguesa adianta que continua a acompanhar a evolução dos restantes voluntários e a "colaborar junto das autoridades no sentido de apurar as causas desta trágica e lamentável situação".

Para que serve a molécula da Bial?

Também a Biotrial lamentou a morte do voluntário, anunciando num comunicado, citado pelos media franceses, que criou "um comité científico de referência, com o objectivo de procurar a origem deste acidente e propor, ouvindo a comunidade científica internacional, se for caso disso, a evolução dos padrões que enquadram estes ensaios". O centro de ensaios diz continuar sem uma explicação para o sucedido e insiste que os testes precedentes "com o produto experimental BIA-10-2474 não revelaram nenhuma anomalia".

Também o presidente executivo da Bial, António Portela, afirmou à Lusa não ter uma explicação para o que aconteceu, mostrando-se "profundamente chocado" com a morte do voluntário. Portela adiantou que equipas da Bial estão em França e em Portugal a "trabalhar incansavelmente para perceber as causas deste trágico acidente", assim como para "garantir que os restantes voluntários que se encontram hospitalizados possam recuperar totalmente".

Este ensaio foi aprovado pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento francesa, em Junho passado, tendo sido desde então ministrado o fármaco a 90 pessoas saudáveis, já que o teste era de Fase I, ou seja, pretendia avaliar a segurança e toxicidade da substância e não ainda a sua eficácia. Os problemas surgiram num grupo de oito pessoas (seis tomaram a molécula e duas placebo) que começou a tomar doses mais elevadas da substância a 7 de Janeiro.

O Hospital de Rennes dá ainda conta que já contactou as restantes 84 pessoas que tomaram a molécula que pretendia vir a ser um medicamento contra a dor. "Neste momento, dez delas foram sujeitas a uma consulta e examinadas no Centro Universitário Hospitalar de Rennes, no sábado à tarde", adianta a unidade no comunicado. E acrescenta: "As anomalias clínicas e radiológicas presentes nos pacientes hospitalizados não foram encontradas nestes dez voluntários".