Ministério de Educação anulou concursos mas manteve delegados regionais nos cargos

Violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da isenção “não está dependente da prova de concretas actuações parciais".

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Concurso foi lançado no tempo de Nuno Crato Foto: Miguel Manso

A violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da transparência é uma das ilegalidades invocadas nos pareceres que levaram o secretário de Estado do Desenvolvimento Educativo e da Administração Escolar do último Governo de Passos Coelho a anular os concursos para os cargos de delegados regionais de Educação do Centro, do Alentejo e do Algarve que, ainda assim, se mantêm nos cargos que ocupam desde Fevereiro.

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A violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da transparência é uma das ilegalidades invocadas nos pareceres que levaram o secretário de Estado do Desenvolvimento Educativo e da Administração Escolar do último Governo de Passos Coelho a anular os concursos para os cargos de delegados regionais de Educação do Centro, do Alentejo e do Algarve que, ainda assim, se mantêm nos cargos que ocupam desde Fevereiro.

Em causa está um concurso lançado há cerca de um ano. Através de um despacho 15 de Dezembro de 2014, o director-geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE) do Ministério da Educação e Ciência de Nuno Crato determinou a abertura dos procedimentos destinados ao recrutamento e selecção de cinco pessoas: os delegados regionais do Norte, do Centro, de Lisboa e Vale do Tejo, do Alentejo e do Algarve.

O júri reuniu pela primeira vez no dia 6 de Janeiro e decidiu, entre outros aspectos, a aplicação faseada dos métodos de selecção – a todos os que cumprissem os critérios legais seria feita a avaliação curricular, com uma ponderação 60% da classificação final. E já só passariam à entrevista pública (com ponderação de 40%) os candidatos com um mínimo de dez valores na fase anterior.

Aquela foi uma das decisões que mais tarde viria a ser criticada pela Provedoria de Justiça (num parecer enviado ao MEC a 7 de Agosto, depois da denúncia feita por um dos candidatos preteridos). Sustentou a provedora-adjunta Helena Vera-Cruz Pinto que o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos do Estado (EDP) determina que os métodos de selecção a aplicar no recrutamento de titulares de direcção intermédia devem ser os definidos no aviso no concurso (onde não constava que um dos métodos de selecção seria eliminatório) e incluem, necessariamente, a realização de uma fase final de entrevistas públicas.

No mesmo parecer, a provedora-adjunta chama a atenção para outro aspecto: num momento em que já tinha conhecimento de quem eram os candidatos e em que já estava há uma semana na posse dos respectivos currículos, no dia 30 de Janeiro, o júri fez um aditamento à acta da primeira reunião.

Este foi um dos argumentos que veio a ser valorizado pela própria Secretaria Geral do MEC nos pareceres que deram origem à anulação dos concursos.

“[O júri] alterou deliberadamente um dos instrumentos de avaliação de avaliação que previamente havia fixado, eliminando os intervalos de pontuação da escala classificativa da entrevista pública, sem que disso fosse dado conhecimento aos candidatos”, sublinha-se nos três pareceres produzidos pela Secretaria-Geral do MEC produzidos na sequência de outros tantos pedidos de impugnação do concurso, feitos por candidatos preteridos na selecção para delegados regionais de Educação do Centro, do Alentejo e do Algarve, respectivamente.

As alterações foram as seguintes: cada item da entrevista pública deixou de ser classificado de acordo com a escala inicialmente definida (Excelente, de 19 a 20 valores; Muito Bom, de 16 a 18; Bom, de 13 a 15; Suficiente, de 10 a 12; e Insuficiente, de 0 a 9) para ser classificada de acordo com outra (Elevado, 20 valores; Bom, 16; Suficiente, 12; Reduzido, 8; Insuficiente, 4).

No âmbito do processo, a DGESTE (cujo director-geral era presidente do júri) argumentou que a igualdade de oportunidades “não foi beliscada” porque a escala “foi aplicada de igual modo a todos os candidatos”. A secretaria-geral do MEC contrapôs que a violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da isenção  “não está dependente da prova de concretas actuações parciais, bastando que haja o perigo de que tal possa acontecer, independentemente de ser ter produzido, em concreto essa actuação”.

“Em abstracto, estavam verificados os pressupostos para que a imparcialidade não existisse, traduzindo-se na possibilidade real e efectiva de beneficiar algum dos candidatos, pondo em causa a confiança por que se devem pautar os concursos públicos, verificando-se nestas circunstâncias, uma ilegalidade”, lê-se nos três pareceres.

Outro dos argumentos da Provedoria de Justiça acolhidos pela Secretaria Geral do MEC diz respeito à alegada “falta de objectividade e de fundamentação da avaliação” feita na entrevista. “Não tendo sido previamente fixados os parâmetros da avaliação nem sendo possível apreendê-los através da fundamentação, não pode dar-se por demonstrado que todos os opositores ao concurso tenham sido avaliados com idênticos critérios e em condições de igualdade, como impõem os princípios jurídicos fundamentais da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da transparência dos procedimentos concursais”, advertiu a provedora adjunta.

Vai no mesmo sentido a argumentação nos pareceres produzidos pela secretaria-geral do MEC: “O júri limitou-se a inscrever a pontuação atribuída a cada candidato relativamente a cada um dos factores em apreciação na entrevista, o que não permite descortinar as razões da classificação atribuída”.

Ao que o PÚBLICO apurou junto do actual ME, apesar de o despacho do secretário de Estado do Desenvolvimento Educativo e da Administração Escolar, com data de 19 de Novembro, anular os três concursos, os delegados regionais mantiveram-se nos respectivos cargos. Do despacho não consta qualquer explicação para este facto ou para o de as alegadas ilegalidades serem comuns aos concursos para o recrutamento dos restantes delegados regionais, mas a anulação não se estender àqueles. Também não se sabe se foi aberto algum inquérito para apuramento de responsabilidades na promoção das alegadas ilegalidades. Questionado pelo PÚBLICO, o actual Ministério da Educação respondeu, na noite desta quinta-feira, que "a secretária de Estado Adjunta e da Educação, tendo tomado posse há uma semana, não dispõe de informação que permita responder desde já às questões formuladas". "No entanto, está a desenvolver todas as diligências para apurar os factos e agir em conformidade", acrescenta, através do gabinete de imprensa.

Nos pareceres, a secretaria-geral do MEC faz notar a morosidade no tratamento deste caso. Faz notar que apesar de ter pedido o processo de impugnação dos concursos à DGESTE a 8 e Maio e de ter insistido no pedido a 20 do mesmo mês e a 29 de Junho, ele só deu entrada na secretaria no dia 6, na véspera do envio do parecer da Provedoria de Justiça. Nota, ainda, que a instrução só ficou concluída a 27 de Agosto, com o ofício do DGESTE. Os pareceres viriam a ser remetidos para o então secretário de Estado no dia 2 de Outubro de 2015, ou seja, dois dias antes das eleições legislativas. E o despacho de anulação foi assinado a 19 de Novembro por José Alberto Morais Pereira Santos, que deixaria se ser secretário de Estado no dia 26, com a tomada de posse de António Costa e da respectiva equipa.