Artes e Ofícios renascem em Loulé pela mão de investigador de Arte Contemporânea

O oleiro português faz o prato, a pintora escocesa dá-lhe a cor e assim nascem peças feitas a quatro mãos, numa residência artística. Na próxima semana é vez de provar o xarém.

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Renato Cruz Santos

Ao fundo da sala, de pé, Nuno Sacramento parece estar tricotar. Mas, o curador, vindo da Escócia está apenas a ensaiar o entrelaçar das folhas de palma para fazer uma alcofa. Durante duas semanas, a arte contemporânea e o artesanato juntam-se em Loulé, numa residência artística. Na próxima segunda-feira vão cozer os pratos de barro, onde irão comer umas papas de milho (xarém) confeccionadas com os temperos da dieta mediterrânica.

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Ao fundo da sala, de pé, Nuno Sacramento parece estar tricotar. Mas, o curador, vindo da Escócia está apenas a ensaiar o entrelaçar das folhas de palma para fazer uma alcofa. Durante duas semanas, a arte contemporânea e o artesanato juntam-se em Loulé, numa residência artística. Na próxima segunda-feira vão cozer os pratos de barro, onde irão comer umas papas de milho (xarém) confeccionadas com os temperos da dieta mediterrânica.

Nuno Sacramento, director do Centro de Escultura da Escócia, redescobriu a importância do artesanato algarvio quando pisou as terras do barrocal. “Estas palmas foram apanhadas há dois dias ”, diz, destacando a importância da relação das pessoas com a terra, num contexto de escassez e dificuldades económicas. “Vamos voltar a precisar deste tipo de conhecimento outra vez”, enfatiza. O curador, com carreira feita na Arte Contemporânea, dirige a residência artística como se fosse um aluno. Pelas ruas da zona histórica da cidade, o martelar sincopado dos caldeireiros no cobre soa a memória de um passado recente. “Encontramos um, que foi mestre há 40 anos, agora está ensinar-nos como se faz”, diz.

Os trabalhos encerram na próxima semana, dia 23, com um almoço especial – os doze elementos do grupo que participam no encontro, entre os quais dois estrangeiros, vão comer uma papas de milho (xarém) mas não foram comprar talhares aos supermercados. Todas as peças estão a ser feitas pelos próprios artesãos - um faz a panela, outro a mesa e os bancos onde se vão sentar, mas também os pratos de barro saíram das mãos dos artistas, que se tratam entre si como se todos fossem professores e alunos ao mesmo tempo. “Há aqui um certa espiritualidade que nada tem a ver com a religião ”, diz Nuno Sacramento, sublinhando o lado “colectivo” do trabalho, num aproximar de pessoas de diferentes formações e gerações. De certa forma, adianta, estão a ensaiar o projecto da criação de Escola de Artes e Oficiais que o município pretende vir a criar. A olaria é outra das artes que deixou de atrair jovens, restando apenas um mestre na cidade.

Nuno Sacramento vive na Escócia há 18 anos. Costumava passar férias em Portugal mas desde que adquiriu uma casa no interior do concelho de Loulé, na Nave do Barão, descobriu sítios e pessoas que lhe falam de uma outra cultura, fora do ambiente das bienais em que participa. “Adoro andar por aqueles montes e vales”, enfatiza. Filipa Faísca, de 81 anos, é uma das lendas vivas da história local, descoberta um dia pelo antropólogo Manuel Viegas Guerreiro. Na quinta-feira, ao fim da tarde, foi a convidada a falar na residência artística. Embora também seja artesã, fizeram -lhe um pedido pouco comum: conte estórias. E assim se regressou ao tempo em que os animais “falavam” para ensinar aos homens lições de filosofia de vida. A dada altura, numa das lendas, lembrou a zorra (raposa) matreira que saltou da toca para se meter com um grou. O pássaro apercebeu-se do logro em que estava a cair, e acabou por tramar a raposa. Moral da história: não tentes enganar o próximo, se não quiseres ser enganado.

Na base das narrativas que foi desfiando até ao cair da noite, estavam sempre as lutas pela alimentação e alguns jogos de poder traduzindo assim as dificuldades de uma região que nem sempre foi o bilhete-postal dos hotéis e campos de golfe. Nuno Sacramento, em declarações ao PÚBLICO, concluiu: “Acho que no século XXI vamos ter episódios de escassez outra vez”. Com o preço do petróleo a subir, adiantou, “na melhor das hipóteses vamos ter escassez, na pior, vai haver colapso”.