Podemos fotografar o futuro?

Maybe, a série de auto-retratos em que Phil Toledano imagina o que ainda não lhe aconteceu, coloca no centro dos Encontros da Imagem de Braga uma questão central para a fotografia: o poder da imagem enquanto ilusão.

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A exposição do artista norte-americano tenta produzir um efeito que não faz habitualmente parte do universo da fotografia: retratar o futuro. E, nesse sentido, é o melhor exemplo das possibilidades da imagem enquanto ilusão, um dos eixos em torno do qual se constrói a edição deste ano do festival. Foi essa hipótese de criação de um futuro imaginário que interessou a Toledano. Em lugar do exercício de passado que a fotografia costuma ser – “tira-se uma foto e ela ficou ali atrás” –, esta série de auto-retratos mostra a vida como ela pode vir a ser. Para isso, o artista fez uma investigação acerca do seu futuro: submeteu-se a um teste de ADN para tentar perceber de que tipo de doenças pode vir a sofrer, consultou médiuns, quiromantes e cartomantes, submeteu-se a sessões de hipnotismo, elencou os seus próprios medos.

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A exposição do artista norte-americano tenta produzir um efeito que não faz habitualmente parte do universo da fotografia: retratar o futuro. E, nesse sentido, é o melhor exemplo das possibilidades da imagem enquanto ilusão, um dos eixos em torno do qual se constrói a edição deste ano do festival. Foi essa hipótese de criação de um futuro imaginário que interessou a Toledano. Em lugar do exercício de passado que a fotografia costuma ser – “tira-se uma foto e ela ficou ali atrás” –, esta série de auto-retratos mostra a vida como ela pode vir a ser. Para isso, o artista fez uma investigação acerca do seu futuro: submeteu-se a um teste de ADN para tentar perceber de que tipo de doenças pode vir a sofrer, consultou médiuns, quiromantes e cartomantes, submeteu-se a sessões de hipnotismo, elencou os seus próprios medos.

O resultado deste processo é uma colecção de personagens cativantes, entre a extravagância e a tragédia. Toledano é aquele velho punk numa discoteca, mas também é o guru de uma seita, um cansado escriturário ou um banqueiro detido pelo FBI. Um obeso de meia-idade, um idoso demente e também um suicida. “Com estas figuras, criei uma linguagem. E com ela pude ter um diálogo comigo mesmo, para perceber o que estava a passar-se na minha vida”, explica ao Ipsilon.

A série Maybe é o culminar de um ciclo de trabalhos marcadamente pessoais da produção fotográfica deste artista radicado há muito nos EUA, mas nascido em Londres há 47 anos. Um processo de auto-descoberta que começou com Days with my father (2010), acerca da vida ao lado de um pai doente, e prosseguiu com The reluctant father (2013), a outra face da mesma ideia, sobre a sua experiência enquanto pai.

Antes de aqui chegar, Phil Toledano tinha-se interessado por questões sócio-políticas, afloradas em trabalhos como Bankrupt (2001), em que mapeava escritórios e instalações de uma economia americana em desmantelamento, ou Phonesex (2008), em que retratava trabalhadores de linhas eróticas. Depois disso, chegou o momento que virou radicalmente a sua vida: a mãe morreu e o artista encontrou-se sozinho a cuidar do pai, que sofria de demência. “Não estava preparado para a forma radical como a minha vida ia mudar literalmente da noite para o dia."

Maybe foi parte da resposta a essa inquietação. Todavia, apesar de íntimo, o trabalho que apresenta em Braga esteve longe de ser solitário. Produzir cada uma destas imagens foi “como fazer um pequeno filme”, recorda o autor – e, na realidade, o processo acabou mesmo por dar um filme, lançado no início deste ano, The many sad fates of mr. Toledano, de Joshua Seftel.

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Fotografar esta série não foi um acto exclusivamente pessoal. O processo de encarnar as dezenas de personagens em que Toledano se projectou durou quase quatro anos e envolveu uma produção pesada, incluindo especialistas em próteses e maquilhagem. A equipa que acompanhava o artista chegava a ter, em algumas sessões, oito ou nove pessoas.

Mas Phil Toledano não é o único autor a explorar as possibilidades da auto-representação nos Encontros da Imagem deste ano. É num campo semelhante que se joga Un autre jeu (Mosteiro de Tibães). A partir de fotografias recolhidas em feiras de velharias e lojas de produtos em segunda mão, Benoît Luisiére ocupa um lugar na vida de outras pessoas, tentando um equilíbrio difícil entre a representação narcisista e a relação com o outro. O jogo entre a realidade e a ficção é igualmente a linha de força de um dos mais interessantes trabalhos nacionais apresentados nesta edição do festival. 5 pm, Hotel de la Gloria, de Eduardo Brito e Rui Hermenegildo (Casa das Bombas, na rua do Souto), reflecte sobre a ilusão do cinema a partir de um plano do filme Profissão: Repórter (1975), de Michelangelo Antonioni.

O roteiro para entender os caminhos da ilusão nos Encontros da Imagem não está completo sem uma passagem pela Casa dos Crivos. É ali que se apresenta This is what hatred did, da espanhola Cristina De Middel, a autora do delirante Afronauts (2012), acerca do “sonho impossível” do programa espacial da Zâmbia. Na exposição que é apresentada em Braga, a artista regressa a África e à fronteira entre ficção e realidade, num trabalho feito na Nigéria a partir de um livro do escritor Amos Tutuola sobre o Bush, um território mágico onde não são permitidos humanos e apenas vivem os espíritos yoruba.