Emigrar já não é o drama que era: uma realidade matizada e um debate desnecessariamente emotivo

Este discurso desnecessariamente emotivo baseia-se em memórias e narrativas que refletem uma experiência histórica muitas vezes traumática e dramática da emigração portuguesa. Por exemplo, só na década antes de 1974 saíram de Portugal cerca de dois milhões de pessoas. Muitos destes emigraram para fora do espaço Europeu – para o Brasil, para a Venezuela, e para os Estados Unidos. Outros tantos emigraram ilegalmente, em particular para a Europa, sendo a França o caso mais paradigmático. Na maioria dos casos, eram emigrantes com baixas qualificações profissionais e com enormes barreiras, quer linguísticas quer culturais. Muitas vezes, iam à aventura, sem saber exatamente onde iriam viver ou no que iriam trabalhar. Naturalmente, nestas condições, emigravam sozinhos e sem família. Na esperança de vir a construir um futuro melhor para si e para os seus, muitos se sujeitaram a condições de trabalho e de vida bem difíceis, e a um isolamento e a uma solidão psicologicamente devastadoras.

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Este discurso desnecessariamente emotivo baseia-se em memórias e narrativas que refletem uma experiência histórica muitas vezes traumática e dramática da emigração portuguesa. Por exemplo, só na década antes de 1974 saíram de Portugal cerca de dois milhões de pessoas. Muitos destes emigraram para fora do espaço Europeu – para o Brasil, para a Venezuela, e para os Estados Unidos. Outros tantos emigraram ilegalmente, em particular para a Europa, sendo a França o caso mais paradigmático. Na maioria dos casos, eram emigrantes com baixas qualificações profissionais e com enormes barreiras, quer linguísticas quer culturais. Muitas vezes, iam à aventura, sem saber exatamente onde iriam viver ou no que iriam trabalhar. Naturalmente, nestas condições, emigravam sozinhos e sem família. Na esperança de vir a construir um futuro melhor para si e para os seus, muitos se sujeitaram a condições de trabalho e de vida bem difíceis, e a um isolamento e a uma solidão psicologicamente devastadoras.

Estas memórias e narrativas do passado, aplicadas à nova vaga de emigração, conduzem-nos a um discurso totalmente desajustado da realidade contemporânea. De facto, hoje em dia a emigração é maioritariamente legal e centra-se na Europa – tem destinos como o Reino Unido, a Suíça, a Alemanha, a vizinha Espanha e o Luxemburgo. É uma emigração composta no geral por pessoas de qualificações acima da média. As diferenças linguísticas e culturais são muito menos significativas do que já foram no passado. Em muitos casos, os emigrantes vão com destino e emprego garantidos. Em muitos casos, levam também a família. Mais ainda, as distâncias encurtaram-se muito significativamente num mundo que é muito mais globalizado e tecnologicamente avançado do que aquele que existia há quarenta anos. Vivemos na era da Internet em que a comunicação e a informação fluem com toda a facilidade.  Longe vai o tempo em que um emigrante podia estar meses sem saber da família ou do país. Vivemos hoje numa era em que o transporte aéreo chega a quase todo o lado e há muitos voos low cost. Longe vai o tempo em que o emigrante podia estar anos sem vir a Portugal. O isolamento, a solidão e as saudades de casa são agora mais fáceis de matar. Emigrar hoje é bem menos oneroso e dramático, atrevo-me a dizer, do que era para as gerações passadas vir da ‘província’ para viver e trabalhar na ‘cidade’.

A nossa emigração sempre foi e continua a ser na sua essência uma busca por uma oportunidade de emprego. Mas proporciona também um rasgar de novos horizontes pessoais e profissionais. O contacto com outras culturas é precioso. O potencial para o enriquecimento profissional é grande. De um ponto de vista social permite perceber distintamente o que de bom temos no país, e o que verdadeiramente importa na nossa vida. Se, por um lado, é verdade que esta busca de mais e melhores oportunidades não deixa de ter custos pessoais, o ponto é que hoje o equilíbrio entre os custos e os benefícios para o emigrante é muito diferente do que era no passado. E por isso mesmo, emigrar hoje já não é o drama que era, e está muito longe de ser uma experiência inequivocamente negativa para o emigrante.

O impacto económico da emigração para o país é uma questão complexa, e não é este o contexto para o discutir em detalhe. Mas vale a pena mencionar alguns efeitos positivos. A emigração de desempregados não só permite uma maior folga no mercado de trabalho para os trabalhadores residentes, como alivia também a despesa com subsídios de desemprego, melhorando assim no curto prazo o estado das finanças públicas. As comunidades de emigrantes e os seus ‘networks’ informais são também uma importante base de apoio para a internacionalização da economia portuguesa e o consequente fomento das exportações. Por outro lado, as remessas dos trabalhadores emigrantes são uma forma cada vez mais importante para financiar o país, e para assim ajudar a reequilibrar um pouco as contas externas. Finalmente, os emigrantes que regressam voltam com um capital humano enriquecido. Não se trata de dizer que a emigração é boa para o país. É sempre uma perca de recursos localmente formados e no médio e longo prazo agrava o desequilíbrio entre a população inactiva e a população activa, com importantes efeitos negativos em termos da sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões. O objetivo aqui é transmitir a ideia que a emigração nos dias de hoje está muito longe de ser uma experiência inequivocamente negativa para o país.

Além da questão dos efeitos da emigração para o emigrante e para o país, há também no debate uma preocupante ausência de contexto. Desde logo, esta vaga de emigração não começou em 2011 com o resgate e o programa de assistência que se seguiu. É, isso sim, o continuar e o acentuar de uma tendência iniciada no início deste século. Nessa primeira década – um período marcado pela estagnação da nossa economia – emigraram cerca de 700 mil portugueses, ou seja a um ritmo médio de 70 mil portugueses por ano. Portanto, a ‘nova’ vaga de emigração não é assim tão nova, e não é algo que resulte exclusivamente, nem mesmo maioritariamente, da crise atual vivida a partir de 2011. Ao ritmo da década de 2000, entre 2011 e 2014 teriam emigrado 280 mil portugueses em vez dos 400 mil – i.e., menos 120 mil do que o que se verificou efetivamente. Esta é a verdadeira medida dos efeitos da crise.

Finalmente, e ainda em termos do contexto, esta nova vaga de emigração está longe de ser um fenómeno exclusivamente português. Processos similares têm ocorrido desde o início do novo milénio em Espanha, Irlanda, Itália e Grécia, tradicionais países de emigração. E aqui é importante perceber o contexto europeu em que esta nova vaga de emigração tem lugar. Emigrar, ou seja, sair do país de origem é um direito (quase) universal. Mas imigrar, ou seja entrar num qualquer país de destino, está muito longe de o ser. Muitos países impõem limites à imigração, e reconhecem que esta pode criar enormes tensões nos seus mercados de trabalho e sistemas de proteção social, e pode representar uma pressão inaceitável sobre os seus recursos domésticos. A nova vaga de emigração na Europa surge, assim, como uma ilustração das potencialidades do Mercado Único Europeu criado em 1993 e é também uma manifestação inequívoca da solidariedade no seio da UE. A maciça emigração ilegal portuguesa dos anos sessenta e setenta, ou mesmo a atual discussão sobre os refugiados na UE ilustram bem este ponto, por contraste.

Para concluir. Claro que existem sempre custos associados a deixar o lugar onde nascemos e fomos criados. Claro que existem sempre perdas para o país de origem ao emigramos. Contudo, uma apreciação da nova vaga de emigração requer uma visão ponderada e equilibrada sobre as suas características, as suas implicações para o país, e o seu enquadramento na Europa de hoje. Só assim podem ser maximizadas as suas potencialidades para o emigrante e para o país. Só assim podem ser efetivamente abordados os problemas subjacentes e facilitar o eventual retorno dos que entretanto emigraram.

Thomas Vaughn Professor of Economics, The College of William and Mary

Nota: O autor deste artigo de opinião emigrou para os EUA em 1982.