As minhocas têm moléculas que impedem a Terra de se atulhar em folhas de árvores

As folhas de árvores estão repletas de polifenóis, que dificultam a digestão de proteínas. Agora encontraram-se substâncias produzidas pelas minhocas que anulam a acção dos polifenóis e permitem que estes invertebrados digiram as folhas.

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Até agora, os cientistas não sabiam como se fazia essa digestão. As árvores têm polifenóis, moléculas complexas que tornam as folhas difíceis de digerir para os herbívoros que andam à procura das proteínas nas folhas. Mas as minhocas encontraram uma forma de bloquear estes polifenóis. Uma equipa de cientistas descobriu que produzem no tracto digestivo substâncias chamadas “drilodefensinas”, que anulam a acção dos polifenóis, permitindo a digestão das proteínas das folhas.

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Até agora, os cientistas não sabiam como se fazia essa digestão. As árvores têm polifenóis, moléculas complexas que tornam as folhas difíceis de digerir para os herbívoros que andam à procura das proteínas nas folhas. Mas as minhocas encontraram uma forma de bloquear estes polifenóis. Uma equipa de cientistas descobriu que produzem no tracto digestivo substâncias chamadas “drilodefensinas”, que anulam a acção dos polifenóis, permitindo a digestão das proteínas das folhas.

O estudo, publicado nesta terça-feira na revista Nature Communications, contribui para se compreender melhor a dinâmica dos solos justamente em 2015, o Ano Internacional dos Solos, declarado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas.

As minhocas pertencem ao filo anelídeo do reino animal, tal como os poliquetas e as sanguessugas. Estes animais são todos constituídos por segmentos repetidos ao longo do corpo. Mas as minhocas têm um papel importante nos ecossistemas terrestres. Elas “formam a maior componente de biomassa animal em muitos solos, e são consideradas engenheiras de ecossistemas devido ao seu papel-chave na reciclagem de matéria orgânica”, lê-se no artigo da equipa liderada por Jacob Bundy, do Imperial College de Londres, no Reino Unido.

Os polifenóis são uma família de compostos que funcionam como antioxidantes e também ajudam a dar cor às folhas. Mas estas moléculas ligam-se às proteínas, fazendo com que elas se precipitem, ou seja, deixem de estar solúveis na água. Esta transformação impede as proteínas de serem digeridas pelas enzimas e de servirem de alimento, o que acaba por ser uma protecção das árvores contra os herbívoros.

Por isso, surgiram diferentes adaptações nos animais para contornar este problema. Alguns mamíferos produzem na saliva péptidos (moléculas compostas por um conjunto pequeno de aminoácidos) que sequestram os polifenóis, impedindo-os assim de se ligarem às proteínas.

Charruas da natureza
Os cientistas foram à procura da adaptação das minhocas para lidarem com os polifenóis. “Mostrámos que as minhocas, que são referidas por Charles Darwin como as ‘charruas da natureza’, têm um mecanismo metabólico para lidarem com uma gama de dietas à base de lixo de folhas. As drilodefensinas apoiam o papel das minhocas como ‘engenheiras de ecossistemas’ dentro do ciclo de carbono”, explica o investigador David Spurgeon, do Centro de Ecologia e de Hidrologia, em Oxford, citado num comunicado do Imperial College.

Para chegar a esta conclusão, a equipa começou por analisar secções transversais de minhocas, usando uma técnica recente que une a espectrometria de massa à microscopia, e permite a identificação de moléculas nos tecidos que se estão a estudar. Desta forma, a equipa foi procurar moléculas ditas “surfactantes”, que já sabia que são usadas por outros invertebrados para dificultar a precipitação das proteínas, impedindo o efeito negativo dos polifenóis.

No tubo digestivo das minhocas, os cientistas encontraram uma nova classe de moléculas surfactantes a que chamaram de “drilodefensinas” (inspirado no nome em latim da ordem Megadrilacea, que inclui as minhocas). Estas moléculas estão especialmente concentradas no início do tubo digestivo, logo a seguir ao esófago, e vão desaparecendo ao longo do caminho.

A equipa demonstrou no laboratório que aquelas substâncias impedem as proteínas de se precipitarem e, ao mesmo tempo, não degradam uma enzima importante na digestão das minhocas. Na presença de polifenóis, os cientistas mediram um aumento da produção de drilodefensinas, o que revela uma relação entre ambos os compostos.

Os investigadores identificaram esta classe de moléculas em 14 espécies diferentes de minhocas, mas não noutros anelídeos como numa espécie de sanguessuga europeia.

Por cada uma das 7000 milhões de pessoas na Terra, há um quilo de drilodefensinas presentes em minhocas nos solos, avança o comunicado. A inexistência destas substâncias iria traduzir-se numa catástrofe ecológica, defende Jacob Bundy: “Sem as drilodefensinas, as folhas caídas iriam manter-se no solo durante muito tempo, construindo uma camada grossa. O campo iria tornar-se irreconhecível, e todo o sistema de reciclagem de carbono entraria em ruptura.”