De férias na Portela

Dez horas depois de termos saído de um país distante chegámos a casa. Pelo caminho a esquizofrenia, mas não à partida, não pelo cansaço de um ano inteiro de trabalho, mas por tudo quanto nos aguarda à chegada a uma terra cuja ambição de crescer tropeça sobre si própria

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Miguel Manso

Aterrámos em Lisboa. Aterrámos, mas sair do aeroporto é que nem por isso. Por isso, o melhor é rir. Rir dos milhares de turistas enfileirados ao melhor estilo nórdico na direcção das quatro máquinas automáticas à entrada do metro, das quais uma está fora de serviço mas ninguém sabe, e como o gabinete de apoio ao cliente está fechado, também não há ninguém para nos dizer.

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Aterrámos em Lisboa. Aterrámos, mas sair do aeroporto é que nem por isso. Por isso, o melhor é rir. Rir dos milhares de turistas enfileirados ao melhor estilo nórdico na direcção das quatro máquinas automáticas à entrada do metro, das quais uma está fora de serviço mas ninguém sabe, e como o gabinete de apoio ao cliente está fechado, também não há ninguém para nos dizer.

Rir dos cinco cartões Lisboa Viva adquiridos pela altura do Natal e obviamente caducados, assim obrigando à compra de mais dois de modo ajudar a economia local, mas nem por isso a nossa. Rir do único canal de acesso preparado para bagagens de porão naquela que é a estação de metro do maior aeroporto do País. Rir da falta desse mesmo canal à chegada ao Oriente (está avariado e tem umas fitas brancas e vermelhas à volta, tipo penso rápido à espera de uma cura que não vem). Rir do facto de termos aterrado à uma da tarde e de já serem três quando, sem almoçar nem trincar o que nos mate a fome, estamos na fila (mais uma) para a compra dos bilhetes de comboio que nos hão-de levar a casa. No antigamente ainda havia máquinas, no lugar dos homens, para a venda de bilhetes. Uma avariou, e depois outra.

E deixar de rir quando, nos últimos vinte minutos que nos separam do comboio, pedir uma Coca-Cola ao rapaz do café, o qual prontamente me diz que já não há, mesmo se à minha frente vejo uma, resplandecente, no balcão frigorífico. "Mas então e esta?", pergunto eu enquanto aponto. Resposta do rapaz: “essa é a última“. E eu, fazendo força para não gritar, “Mas então, posso ficar com esta?“, e o rapaz, outra vez, “Essa não, é a última, já não há“. Peço uma Fanta, e comer já nem por isso, passou-me a fome.

Dez horas depois de termos saído de um país distante chegámos a casa. Pelo caminho a esquizofrenia, mas não à partida, não pelo cansaço de um ano inteiro de trabalho, mas por tudo quanto nos aguarda à chegada a uma terra cuja ambição de crescer tropeça sobre si própria, levando às lágrimas quem pôde aqui chegar mas já cá não volta, não para este postal, não para este Portugal.