Câmara de Lisboa apropriou-se de três prédios em 2002 e não indemnizou donos

O Provedor de Justiça considera o caso “reprovável”, acusando o município de não ter cumprido os “procedimentos legais” e de ter causado danos aos proprietários.

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Os três prédios, um dos quais está "vedado por um muro de suporte e gradeamento", ficam na zona do antigo Casal Ventoso Rui Gaudêncio/Arquivo

Numa recomendação publicada na sua página na Internet, José de Faria Costa explica que estão em causa “três prédios urbanos, sitos na antiga freguesia de Santo Condestável”, dos quais a câmara se apossou em 2002 com o argumento de que seriam utilizados na recuperação e reconversão urbanística do bairro do Casal Ventoso.

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Numa recomendação publicada na sua página na Internet, José de Faria Costa explica que estão em causa “três prédios urbanos, sitos na antiga freguesia de Santo Condestável”, dos quais a câmara se apossou em 2002 com o argumento de que seriam utilizados na recuperação e reconversão urbanística do bairro do Casal Ventoso.

De acordo com a queixa que chegou ao Provedor de Justiça em 2013, “além de o município se ter investido na posse dos três prédios foram neles executadas operações materiais: um deles encontra-se vedado por um muro de suporte e gradeamento; em outro foi executada uma ciclovia e, por fim, o terceiro encontra-se atravessado por uma escada de uso público”. Uma situação com a qual os proprietários, que sublinham nunca ter sido notificados da decisão do município e que “continuam a liquidar anualmente o imposto municipal sobre os imóveis em questão”, não se conformam.

Na recomendação datada de 16 de Junho, José de Faria Costa dá nota de que a câmara lhe transmitiu, em 2014, “que estava a ser calculado o montante indemnizatório pela extinção dos direitos reais sobre os mesmos prédios e que as restrições orçamentais não têm permitido satisfazer, em tempo útil, os compromissos assumidos”. Uma resposta que o Provedor de Justiça não aceita.

“A satisfação das necessidades colectivas não pode postergar as regras mais elementares da boa-fé e do cumprimento pontual das obrigações”, afirma José de Faria Costa, sublinhando que não pode deixar de “reprovar que se proceda a outros investimentos quando ainda não estão honrados os compromissos anteriores”. 

Para o Provedor de Justiça é claro que a câmara “causou danos aos proprietários [três, em regime de co-propriedade], designadamente ao privá-los da posse das parcelas sem os indemnizar”. Lembrando que “a indemnização, para ser justa, há-de comportar uma tendencial contemporaneidade”, José de Faria Costa constata que neste caso “o prazo de conclusão dos procedimentos será sempre manifestamente excessivo e inaceitável”.

E não se ficam por aqui os reparos à forma como a câmara conduziu este processo. Na sua recomendação, o Provedor de Justiça diz que “pese embora os imóveis se situem em zona declarada área crítica de recuperação e reconversão urbanística, não há indícios de ter sido seguido o procedimento especial aplicável”. Ou seja, os imóveis em causa “foram afectos aos fins de recuperação e reconversão urbanística, sem que tenha sido provada a notificação dos interessados da posse dos terrenos”. Além disso, continua, “não foi apresentado nenhum auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam destinada a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem”.

José de Faria Costa conclui que “se a Câmara Municipal de Lisboa necessitava de se apropriar de imóveis sob propriedade privada de terceiros para prosseguir a reconversão urbanística, encontrava-se vinculada a observar os procedimentos legalmente definidos, salvaguardando os direitos dos interessados”. Face a isso, o Provedor de Justiça afirma que “urge concluir os procedimentos de aquisição dos terrenos, de forma a indemnizar os proprietários pela privação dos seus bens”.

Esta recomendação foi transmitida ao presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, ao qual o Provedor de Justiça solicitou que lhe transmitisse no prazo de 60 dias a sua posição sobre o assunto. O PÚBLICO pediu esclarecimentos sobre este caso ao município, mas não obteve resposta em tempo útil.