A moda dos Marques'Almeida está na moda

São portugueses com uma marca de moda britânica. Receberam o prémio Louis Vuitton, Rihanna adora-os e Sarah Jessica Parker acaba de os convidar para uma aventura em Nova Iorque. Se o sucesso se mede assim, Marta Marques ?e Paulo Almeida estão nos ombros ?de gigantes.

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Sim, esta é uma história de “portugueses de sucesso”. No estrangeiro. E na moda. Imaginem-se modelos como arranha-céus e celebridades de óculos escuros encandeadas por flashes a borboletear à volta dos designers Marta Marques e Paulo Almeida. Não é bem assim a moda dos Marques’Almeida, cuja jovem marca é mais Kate Moss e menos Gisele Bündchen. É mais atitude e menos medidas rígidas, é mais uma T-shirt e ganga e menos mulheres-fantasia. Esta é a sua filosofia. A sua prática? Código juvenil cool e urbano. E depois há o saco pousado no seu atelier em Londres, singelamente endereçado a “Rihanna”. Este é um símbolo do seu sucesso.

Outro é o prémio dourado sobre uma pilha de livros no estúdio onde se corta e cose, se planeiam vendas e se recebe a imprensa. LVMH, diz ele, ou Louis Vuitton-Moët Hennessy, o gigante do luxo que é dono de casas históricas como a Chanel, Dior, Givenchy, a marca de Marc Jacobs ou a tão relevante Céline. Enquanto a pequena e jovem equipa trabalha no estúdio quadrado de paredes brancas, uns nas longas mesas pretas debruçados sobre os detalhes de uma peça, outros à máquina de costura, o galardão está silencioso. Mas grita-nos “crescimento”. Para uma marca com apenas quatro anos e uma mão-cheia de colecções que gerou tendências que, quase sem sabermos, estão nas nossas vidas.

“Somos cinco mais nós os dois”, dizem os designers. A portuguesa Rita trata da imprensa, a catalã Marta faz design gráfico, a também portuguesa Sónia gere o estúdio e o desenvolvimento das colecções, por exemplo. Tudo numa sala sem paredes dividida em quatro espaços — o canto de quem está com as mãos na roupa a fazer protótipos ou ajustes; o dos cabides e peças, sacos e caixotes cheios de mais roupa; secretárias para marketing, venda e design gráfico; e a mesa-escritório daqueles que têm o nome na porta do luminoso estúdio no edifício de tijolo dos Mare Street Studios.

Marta tem 28 anos, Paulo tem 29. Fazem moda para uma rapariga abstracta mas que muitas vezes se confunde com a irmã mais nova de Marta Marques, Sofia, de 22 anos, que é a cara e o corpo das imagens de ambiente (lookbooks) das colecções da dupla. As mais recentes estão na parede da zona reservada para escritório dos designers, Sofia a dançar, Sofia espraiada, Sofia tropical num Brasil filtrado pela Marques’Almeida num vestido de folhos que foi desmanchado pelos designers até se tornar quase um suporte de folhos em falência. Faz parte de uma colecção acabada de lançar e que completa o resto do escritório minimal, cuja estante branca acumula fotocópias de caras e mais caras, jovens e mais jovens, que coleccionaram no mestrado que os pôs em Londres. De onde não mais saíram. Em cima da mesa, um portátil, um açucareiro e um pequeno pisa-papéis. Só.

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Cortesia Marques’Almeida

Para descrever a sua roupa, usam termos como “despreocupação” ou “effortless” e são indissociáveis da ganga — embora só tenham feito calças, jeans, há muito pouco tempo. “Nunca quisemos ser uma marca de jeanswear, uma Diesel, uma Salsa”, sublinha Paulo. O seu “emblema”, como diz Paulo, “é o T-shirt dress”.

O LVMH não é o seu primeiro prémio, nem a primeira confirmação de que o seu conceito, alicerçado na filosofia cuidadosamente despreocupada e na potência da cultura juvenil da década de 1990, resulta. Mas no fim de Maio, quando falaram com alguns dos membros do júri estrelar constituído pelos directores criativos das nove grandes casas do grupo LVMH (de Karl Lagerfeld, da Chanel, a Riccardo Tisci, da Givenchy), estavam “completamente aterrorizados”.

E sim, também “estávamos starstruck”, ri-se a portuense Marta com a Revista 2 num fim de tarde de sexta-feira quente, mas cinzento, em Londres. Starstruck, no inglês que se intromete na conversa de quem estudou e vive em Londres há meia dúzia de anos, quer dizer que estavam entre o incrédulo e o assarapantado pelo encontro com tanta gente que admiram. Atingiram um novo patamar.

“O Raf [Simons, o belga director criativo da Dior] veio dizer-nos que tinha comprado um par de jeans nossos há algum tempo na Opening Ceremony”, um dos primeiros e importantíssimos pontos de venda da Marques’Almeida, uma loja multimarcas que começou em Nova Iorque e se espalhou pelo mundo com a sua reputação cool e seleccionada, conta Marta. “Estar a falar destas nossas referências dos anos 1990 com o Marc Jacobs e a pensar na colecção dele para a Perry Ellis”, aquela em que o criador americano interpretou a cena grunge na passerelle de uma marca mais betinha e que lhe custou o emprego em 1992, “tínhamos de nos beliscar para perceber o que raio se estava a passar”, suspira uma Marta cansada mas recompensada.

E o que é que se vai passar agora, com a vitória na segunda edição de um prémio que lhes entrega 300 mil euros e um ano de acompanhamento pelos peritos do grupo? “Foi provavelmente das melhores experiências que podíamos ter tido”, classifica Paulo Marques, natural de Viseu. E Marta completa: falar com Jacobs sobre como “se notava que era algo muito natural e autêntico para nós”, fazer camisolas de ganga azul desfiadas nas mangas e cós, vestidos rectangulares no mesmo denim ou os sapatos de solas grossas brancas e dentadas que puseram no mercado e geraram mil cópias e “interpretações” nos últimos anos, “dá-nos uma tranquilização de que estamos a fazer as coisas bem.”

Com essa segurança, gostariam de empregar este prémio que agora se empoleira em livros sobre Alexander McQueen, Rick Owens, Comme des Garçons ou Frida Kahlo na criação de mais emprego. Querem “continuar a fazer crescer a empresa de uma forma sustentável”, explica Paulo sobre uma pequena grande marca que mora num estúdio numa rua como outra qualquer na zona leste de Londres. Há crianças fardadas a sair da escola, autocarros de dois pisos vermelhos a passar à porta, um supermercado asiático aberto a todas as horas.

No edifício mora também um ramo de uma pequena universidade, empresas de design, escritórios sortidos. Mas quando passamos a porta preta lisa da Marques’Almeida, apenas identificada pelo seu nome impresso num dos tijolos brancos da parede do átrio do segundo andar, há um verdadeiro estendal de moldes de cartão bege a pender do tecto e uma jovem equipa que veste de preto ou de ganga. Muita roupa de toque macio e formas descontraídas que está na ponta da lança da moda londrina.

Quando tudo começou, “éramos só nós a trabalhar de casa, porque não tínhamos dinheiro para ter um estúdio, e a fazer produções de 50 ou 60 peças”, recorda Marta. E “a vender para dois pontos do mundo — para duas lojas extremamente importantes mas eram apenas duas lojas”, entrecorta Paulo sobre a presença desde a sua primeira colecção na Opening Ceremony e na Joyce em Hong Kong. “A costurarmos tudo à mão”, continua Marta, “e de um momento para o outro [temos] 85 pontos de venda” atalha Paulo e “sete ou oito mil unidades por colecção e o tamanho e a escala do negócio… começamos a sentir-nos sobrecarregados”, diz um derradeiro fôlego de Marta. Cansados? Eles também.

Como muitas pessoas que trabalham a quatro mãos, e ainda mais se são, como eles, um casal desde o primeiro ano a estudar no CITEX no Porto, Paulo e Marta terminam as frases um do outro. É um final de uma semana que não sabemos se será uma “cake Friday” — normalmente há bolos cremosos para rematar a semana, às vezes uns bombons ou uma garrafa de Prosecco para a diminuta equipa de rapazes e raparigas que faz com que os chariots cheios de peças das novas colecções apareçam nos sítios certos à hora certa. Às quartas-feiras, avisa um papel rabiscado numa coluna, reúne-se o clube de corrida do estúdio, after work, às 19h ou 19h30.

“Sentimos que, a seguir ao Inverno 2015”, a colecção apresentada em Fevereiro deste ano e um dos pontos altos da Semana de Moda de Londres, “as vendas duplicaram outra vez, o interesse de lojas explodiu, o interesse para projectos especiais voltou”, situa Marta. Projectos como a colecção cápsula para a marca de moda rápida britânica TopShop no último Outono e cujo néon se encosta a uma das paredes do estúdio. A facturação anual da Marques’Almeida, aquilo que vendem, está agora no milhão de libras — cerca de 1,4 milhões de euros —, o dobro do ano passado.

Com o prémio e a injecção de vitalidade que ele pode trazer, querem poder dar resposta a desafios novos e inesperados. Como a mais recente novidade. “Vamos fazer figurinos para o New York City Ballet a convite da Sarah Jessica Parker. Foi uma experiência muito engraçada e um bocado surreal”, esbugalha-se Marta. O ícone que encheu de sex e de moda essa New York City emparelhou-os com o bailarino e coreógrafo Troy Schumacher para a gala de angariação de fundos de Outono da companhia americana, algo que nunca fizeram nem tinham ponderado fazer. Mais um item numa agenda feliz, que não pára de engordar e de acumular milhas de viajante.

Paulo Almeida e Marta Marques têm já o reconhecimento da indústria, assomam ao mainstream e, na moda, fazem decididamente parte da conversa. De um diálogo global. No mestrado, aprenderam quem são como designers e o que querem dizer. E o que é que querem mesmo dizer? “É isto, basicamente”, diz Marta a estender o braço para a parede que nos envolveu a conversa toda, alfinetada com imagens do Brasil, das actrizes das novelas da sua adolescência, de palmeiras e terra, ecos do livro Rio de Janeiro do fotógrafo Bruce Webber. É o mood board da sua primeira colecção intermédia, neste caso de resort (há também as de pre-Fall, vendidas em Maio), para chegar às lojas em Novembro e alimentar essa ideia “um pouco antiquada”, para Marta, das férias tropicais em Dezembro de um certo público da moda.

Estas colecções intermédias são um sintoma recente da impaciência do consumidor e da imparável engrenagem da indústria da moda. Paulo Marques e Marta Almeida funcionam de forma “muito sensorial”, diz Marta, e confessam não fazer grande análise do ar dos tempos. “A Louise [Wilson, sua professora na incontornável escola Central Saint Martins, onde estudaram em Londres] convenceu o reitor para que o nosso mestrado não tivesse uma tese escrita e possivelmente fosse dos únicos assim — era visual”, explica Marta. Paulo corrobora. “Não interessa que palavras vamos arranjar para definir o nosso trabalho. Tem de ser percebido visualmente.”

O que é que as imagens do seu trabalho, o formato das suas peças, o toque dos seus materiais, diz? Que explorar os arquétipos, exaustivamente pesquisados e genuinamente filtrados, pode fazer algo novo de uma peça tão transversal como uma T-shirt ou de um material tão democratizado como a ganga. Que um vestido de brocado de seda, uma peça de tafetá ou uma cor fora do cânone do momento podem ser tão belos como aquela capa da revista i-D que vão buscar à pilha da estante (mas que está sempre a fermentar-lhes o músculo criativo). Aquela de 1993 com uma Kate Moss adolescente, camisolão de malha vestido e zero artifício, a epifania comum de uma dupla que só decidiu trabalhar em conjunto no final do mestrado.

“Com o tempo, as coisas começaram a ficar um bocadinho mais claras e fáceis de explicar”, situa-nos Paulo. “Temos a obsessão com os anos 1990”, confirma, “em oposição aos anos 1980, em que era tudo acerca da fantasia, da mulher em saltos altos, supermaquilhada”. Nem são filhos musicais do grunge das flanelas, mas são herdeiros da estética de puzzle que ele ajudou a construir, da “despreocupação quando se usa roupa”, botas “estranhas”, “tamanhos errados” e “calças rasgadas” juntos numa imagem desconexa. Mas cool. Quando o street style que agora plastifica os blogues e um certo lado da moda era mesmo estilo da rua — pessoas vestidas que saíam para o asfalto sem um exército a fotografar. Sem expectativas.

No estúdio, continua-se a trabalhar. Têm estagiários como eles o foram, ele na Preen e ela na linha Anglomania de Vivienne Westwood, em Londres. A banda sonora ambiente tem Grimes, da década presente, ou a versão 2001 de Jennifer Lopez. Não se pense que porque têm como referência a década de 1990 são uma máquina transformadora de clichés da época — a tal colecção que fez tudo duplicar e que vestirá o próximo Inverno é inspirada no que o costureiro Christian Lacroix fez na década de 1980.

“Andámos à volta mas chegámos à conclusão de que gostamos da expressão quietly defiant. É desafiador mas não é estridente, não é a norma — nada do que fizemos na nossa trajectória foi o que é a norma. É suposto ser uma despreocupação genuína e autêntica e por isso é que é fantástico fazer estas coisas com a minha irmã”, ri-se Marta sobre o papel de Sofia, a musa não oficial da Marques’Almeida, “porque ela genuinamente não tem nada a ver com moda e não está preocupada com nada”.

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O dedo de Marta aponta para as fotografias do lookbook que também estão na parede, uma espécie de resultado final da receita mostrada pelo mood board, que juntou em imagens frescas de Sofia com as suas novas roupas Marques’Almeida os ingredientes Carolina Dieckman, Adriana Esteves, vegetação ou um panamá Stussy preto — “a nova obsessão” de Marta. O trabalho dela passa muito pela pesquisa de imagens, de caras, de raparigas. Um fluxo encantatório de centenas de imagens que depois mostra a Paulo. “A Marta diz a rapariga é esta, eu digo o casaco é este”, resume o designer.

Só se lançaram a uma colecção resort, sem avisar potenciais compradores ou imprensa, quando surgiu o instinto. Mas também quando tinham algo para dizer. Entretanto, Sofia foi viver para o Rio. Estava desenhado o plano.  

Ao longo da conversa voltam à ideia de “não enganar o consumidor”, de criar o “novo” e de ter algo de relevante para lançar para um mercado voraz. Um mercado que pede mais e mais dos designers com estas colecções intermédias, com as solicitações inerentes de tempos em que se espera exposição, estrelato, redes — e que pode ser ainda mais esmagador para pequenas estruturas.

Mas o seu trabalho “vai desde fazer uma colecção que vai estar à venda do outro lado do mundo até aspirar o atelier ao fim do dia. É a realidade”, assevera Paulo. Está a falar muito a sério quanto ao aspirador. “E fazer a contabilidade. E as portas do armário de uma cozinha no atelier que estou a montar há um mês porque não tenho tempo — e estamos a falar de três armários do IKEA!”

Não demoram tanto tempo a fazer uma peça. Mas podem ficar horas a discutir uma bainha ou um centímetro na altura de uma manga. As proporções e a forma como assentam as roupas são mesmo muito importantes para a dupla. Tem de estar tudo no sítio certo numa T-shirt. Os acabamentos, fruto da procura e da escala a que já trabalham, estão já mais industrializados, mas “continuam a ter uma componente muito manual e artesanal, mesmo que sejam cinco mil unidades”, garante Marta.

Há uma ética Marques’ Almeida. Para eles, “os anos 1990 funcionam não como inspiração do ponto de vista literal” de um revivalismo de uma estética, “mas do ponto de vista de conceito”, resume Paulo. Sabem desde o mestrado que o seu ADN é “um youth code de vestir” que os rodeava, que os cercava. Mas trabalham peças e materiais básicos “num contexto high end, de designer”, intervém Marta. Queriam sim “fazer peças especiais em denim. Porque denim era especial para nós”.

Vão buscá-lo ao Japão, a seda a França, a pele a Itália. Para a confecção, depois dos protótipos que saem do estúdio, voltam a casa. Fabricam em Portugal para manter raízes, pela relação qualidade/preço imbatível e porque é mais fácil fazer o acompanhamento personalizado. “Tivemos de convencer pessoas de que não queríamos mesmo fazer acabamentos e era mesmo suposto ir para a lavagem e sair esfiapado”, ri-se Marta sobre tentativas e erros nas fábricas do Norte do país: “O facto de o esfiapado ter de ser deixado irregular e não aparado direito, ter de ser cortado um bocadinho mais acima mas não tão abaixo quanto isso, ou ter de se puxar mais fios… Não há uma regra, não podemos enviar um manual.” Têm de voar para Portugal e explicar pessoalmente, como vão fazer este Verão. Ainda assim, não têm um ponto de venda em Portugal. Há a sua loja online e pontualmente fazem vendas pelo Instagram.

As pesquisas para as colecções principais, de Inverno e Verão, são mais cerebrais, com Marta à procura de uma atitude e Paulo a fixar-se no que veste essa rapariga com atitude, onde vai. E de repente há roupa. Cuja “perícia técnica e abordagem única ao trabalho com a cor e textura” convenceu o júri do prémio Vuitton, exigente como só Lagerfeld e companhia e a magnata e presidente do galardão Delphine Arnault podem ser. Roupa que depois veste modelos, que nos castings são avisadas de que podem ficar de sapatos rasos — e que têm de ter mais atitude do que altura ou simetria. Gostam de trabalhar “no limiar do que é mau gosto e arriscado”, ri-se Paulo, com ideias que “vão ser destiladas e alicerçadas no que achamos que é a rapariga Marques’Almeida”, remata Marta.

O tal saco de papel branco com o logo minimal da marca com “Rihanna” como destinatária aguarda a estrela pop no estúdio, mas poderia ser para FKA Twigs, Beyoncé e sua irmã Solange, para Rita Ora ou para as irmãs modelos e socializes Kendall e Kylie Jenner. Ou ainda para a blogger Leandra Medine do site Man Repeller. It-girls para uma it-brand.

“Se extraterrestres tivessem aterrado na semana de moda de Londres nalguma altura em 2012, teriam achado que as mulheres tinham obrigatoriamente de usar um certo top, uma T-shirt de ganga distressed de manga curta. Estava em todo o lado”, escreveu o site de moda Style.com sobre uma das peças-fétiche do mercado da Marques’Almeida. 

Poucas estações depois, e até agora, as lojas de moda rápida e as pequenas marcas de boutique que se queiram trendy terão nas suas colecções uma versão desses tops de ganga ou de outra peça que vira a ganga ao contrário. Que a tira das pernas e a carrega nos braços. 

Os dois designers estão discretos e descontraídos nas suas T-shirts e jeans — a dele é branca e Marques’ Almeida, a dela preta e da sueca COS; ambas têm a espessura do colarete, ou gola para os leigos, que ambos exigem — grossa. É-lhes difícil receber a ideia de cópia como elogio. Vieram para Londres fazer o mestrado na Central Saint Martins, que formou McQueen, Phoebe Philo ou Stella McCartney, e estudaram com a dura Louise Wilson, figura tutelar naquilo que é a moda britânica das últimas três décadas. “Sempre nos incutiu que temos uma obrigação fundamental: estamos no topo da pirâmide, temos de criar as tendências em vez de as seguir”, diz solenemente Paulo Almeida.

Em Abril de 2011, saídos da universidade, a jovem marca chama a atenção da Fashion East de Lulu Kennedy, uma organização sem fins lucrativos que caça novos talentos na moda e lhes dá meios para se apresentarem na passerelle durante a semana de moda de Londres, como foi o seu caso. Em 2014, recebem o prémio de Emerging Womenswear Designer nos British Fashion Awards. Mas não esquecem a “luta” que foi fazer “os chunky platform shoes na primeira estação” — “porque a sola era pesada, era feio e era difícil de fazer, e tivemos de bater o pé para ser mesmo assim, e branca, e com uma sola grossa”, recorda Paulo.

“Vendemos uns dez pares porque ninguém sabia quem era a Marques’Almeida”, bate Marta com a mão na mesa, e “daí a um ano estão em todo o lado e foram completamente apropriados. Custa porque és literalmente uma struggling brand, não tínhamos dinheiro para um estúdio ou pessoal”. Na estação seguinte foram para o pontiagudo, metálico, para os picos nos sapatos. “Obriga-nos a andar numa direcção diferente e é bastante bom.”

O lado solar dessa roda que se alimenta do que vem das ruas e dos novos talentos e distribui para as massas é ver a rapariga Marques’Almeida tomar forma longe das suas mãos. “Nunca abordámos nenhuma das celebridades. A Rihanna costuma fazer compras na Opening Ceremony de Los Angeles”, orgulha-se Paulo, e agora é cliente directa do estúdio. “É incrível conhecê-la nos British Fashion Awards e a primeira coisa que ela nos diz é ‘Mal posso esperar pela next shit to come in’”, dizem em uníssono. Quando alguém com um visual tão forte abraça e põe o seu trabalho no corpo “é o culminar da nossa imagem. Vê-las nelas é tão excitante como” — e Paulo pega na deixa — “ver numa pessoa completamente aleatória no autocarro”.

Sabem que “nas primeiras quatro estações não se faz lucro, é só investimento”, como diz Paulo sem rodeios, aprenderam a identificar os pontos de venda certos — estão em grandes armazéns, em lojas multimarcas de luxo, em lojas de moda conceptual — e queimam os olhos com folhas Excel. Um dia depois da revelação da surpresa que foi a sua primeira colecção de resort — que a Vogue britânica classificara já como “deliciosa” —, estavam preocupados com a urgente compra de computadores novos para o estúdio. “Têm tanto talento”, diz sobre eles Lulu Kennedy, que além de promotora da plataforma Fashion East onde se apresentaram durante duas estações, é editora da revista Love. “Procuraram conselhos de pessoas muito boas e seguiram-nos. Têm uma atitude e um olho óptimo e trabalham muito, muito no duro”, acrescenta numa entrevista ao site Net-a-porter. Receberam o patrocínio da plataforma NewGen do British Fashion Council e estão desde 2012 no calendário da Semana de Moda de Londres. 

A importância do acompanhamento e da mentoria que Londres lhes deu é fulcral. Não só há a cidade-colmeia multicultural, o hub de criativos, mas também a capital britânica como “potenciador de criatividade”. Uma ignição cosmopolita que lhes acendeu o talento, uma cidade que lhes aconteceu e onde sentem “que está mesmo alguém atrás de ti entusiasmado pelo que vais produzir, que te vai apoiar, alimentar a criatividade”, entusiasma-se Marta. Os jovens designers e os veteranos que trabalham em Portugal debatem-se há décadas com problemas como a falta de um mercado com cultura de moda de autor e as dificuldades de produção em pequena escala, por exemplo. Já se apresentaram na ModaLisboa, em 2013, mas em Portugal falta mentoria no desenvolvimento de marca ou de posicionamento no mercado, defendem.

“Sou o que sou por ter nascido em Portugal”, diz Paulo quando a Revista 2 lhes pergunta se são uma marca portuguesa ou uma marca britânica. “Somos portugueses mas a marca é possivelmente mais britânica”, reconhece Marta Almeida, contextualizando com um sorriso que, do “painel das chamadas british brands, a quantidade de british designers é de… 30, 40%”. Estão certos de que a Marques’Almeida, aquela que faz uma jornalista francesa sair do atelier a desfazer-se em elogios — “tão simples, tão chic” —, não seria a mesma se não tivesse sido feita em Londres. Na sua escala e na criatividade.

Com tantas vozes à sua volta e crescimento em curso, aproximar-se-ão mais pressões que podem afectar a informalidade da sua imagem, dos castings, a filosofia da própria marca. Agradecem os contributos e opiniões e sabem que correm riscos. Agradecem e fecham a porta. Precisam regularmente de estar sozinhos. Fazem-no nas semanas antes de cada desfile e querem seguir o seu instinto nas decisões de crescimento que venham a tomar. Quando a porta se fechou atrás de nós naquela sexta-feira, esperava-os mais trabalho. Em cima da mesa ficou a tal i-D com Kate Moss vestida com uma camisola de malha. “Só” a camisola, vinca Paulo, e nada mais. Domingo a porta abrir-se-ia para, em vez de ficarem a ver filmes vespertinos “como o Notting Hill”, aproveitarem um estúdio vazio e trabalharem. Só os dois.

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Cortesia Marques’Almeida